ATUALIZE-SE: AS VIOLAS ESTÃO SEMPRE A EVOLUIR
Viola, Saúde e Paz!
Violas são testemunhas da História do Brasil: estiveram presentes, por exemplo, desde relatos de Anchieta e outros jesuítas (século XVI); poesias de Gregório de Mattos (século XVII); histórias de vida como as do Padre Mestre, Domingos Barbosa e do luthier Domingos Vieira de Vila Rica (a partir do século XVIII); narrativas de estrangeiros por grande parte da Colônia (século XIX). Seus primeiros estudos viriam desde Theodoro Nogueira (século XX) até doutoramentos como os de Ivan Vilela e Roberto Corrêa (século XXI).
Embora desde dezembro de 2021 tenhamos disponibilizado, traduzido, transcrito e contextualizado os registros acima, entre centenas de outros, em nossa monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil, ainda são poucos os interessados em contar e valorizar a verdadeira história de instrumentos que, quer seja antes (como “apenas um nome diferente”) ou já depois (como verdadeiros cordofones populares consolidados), ajudam tanto a contar a nossa História. A lenta atualização não muda, entretanto, dois fatos: as violas romperam os séculos apesar de intempéries (como serem confundidas, terem seus registros e sua importância negligenciados e outras) – e outro fato é que elas vêm sempre evoluindo e refletindo aspectos sociais, junto com a própria História deste país de diversidade, de multi-culturalidade.
Temos modéstia alguma em afirmar que novos tempos se iniciaram a partir de nossa iniciativa em buscar, alcançar e atestar revelações, como a contextualização das violas conforme a História dos cordofones europeus. Esta pesquisa inédita, que abrange registros em todas as línguas desde o latim do século II aC., apontou que o que sempre existiu por aqui, assim como em Portugal, é uma Família de Violas dedilhadas.
Entretanto, sempre afirmamos nossos pioneirismos no plural, pois devemos muito aos grandes estudiosos que corroboram nossos procedimentos científicos. E, embora possa parecer estranho a quem não percebeu ainda que falar de violas no Brasil é assunto pouco levado a sério, seguimos pontuando e registrando, sempre que podemos, cada conquista, cada revelação, cada ineditismo.
A intenção é muito clara: buscamos facilitar o trabalho de estudiosos sérios do futuro, para que não precisem passar as dificuldades que passamos e, oxalá em tempos mais evoluídos que os de hoje, possam ser mais ouvidos do que nós somos. Pois a tendência, pelas evidências, é que ainda haverá violas no futuro – e nossa esperança é que possam ser vistas com o grande potencial histórico, cultural, turístico e econômico que têm. Grandes “tesouros”, que é como as tratamos em nosso livro A Chave do Baú.
Assim, seguindo a História das violas, chegamos ao ineditismo destes nossos Brevis Articulus semanais: na verdade e na prática, um tipo de “oficina científica a céu aberto”: aprofundamentos, reflexões e embasamentos em dados reais, além de explanação e comprovação “on line” da metodologia científica aplicada. E alguma dose de zoação e de provocação também, além de fazermos registros históricos atualíssimos, contemporâneos – registros que em nenhum outro lugar estariam a ser divulgados e comemorados como deveriam.
A própria existência de uma coluna semanal com conteúdo científicamente embasado sobre violas é uma grande novidade, e indica evolução. Mais ainda, por estar a ser divulgado em portais internéticos tradicionalmente ligados ao caipirismo. É sem dúvida uma evolução apresentar: incentivo à leitura, difusão de Conhecimento científico e defesa de Patrimônio onde nunca teria sido feito antes; além disso, e feito onde a maioria dos admiradores da viola navegam. Já este marco histórico devemos, principalmente, à paciência e grande visão de dois baluartes: André Viola, de Uberlândia (MG) – coordenador do portal Viola Viva – e Cléber Vianna, de Salvador (BA), do portal Casa dos Violeiros. Ambos, há décadas defendendo a divulgação e valorização das violas. Ambos, comprometidos e apaixonados pelas violas, como nós também – a diferença é que os dois dedicam-se, com maior foco, ao caipirismo.
Eu ouvi palmas? Deveria. O amigo que agora lê, por favor, pare onde estiver e bata palmas por estes dois corajosos, dedicados e visionários violeiros. Merecem muito.
Já aprofundamos e dissecamos aqui nos Brevis Articulus, por exemplo, estudos inéditos mundialmente, como os curiosos casos das “organas”, das “violettas”, das origens das modas-de-viola e outros. E testemunhamos acontecimentos históricos de 2023 como o 21º Festival do Pinhão de Cunha (SP) – semanas de espetáculos onde violas foram obrigatórias e estrelas; mais uma edição do Rio de Violas, no Rio de Janeiro e a primeira iniciativa de salvaguarda das violas portuguesas como Patrimônio Imaterial, nos Açores – entre outros acontecimentos que vamos citando e comemorando.
Há mais, muito mais. Neste ano, pela primeira vez na História, a Família das Violas Brasileiras foi representada de forma completa, ou seja, todos os modelos representados em palcos – e outros eventos assim devem seguir acontecendo. É uma pena que uma evolução moral e ética ainda não acompanhe os responsáveis, que estão a “fazer história” e se esquecem de dar o crédito devido a quem teve esta visão. Quem, corajosamente, enfrentou todos (de doutores a “achistas” em geral) para atestar e divulgar a verdadeira História das nossas violas?
Para a História (por exemplo, para aqueles estudiosos sérios do futuro que comentei), ficarão os fatos, com os registros das datas. Nada passa despercebido a quem é sério com registros históricos, a História se conta de forma clara e honesta há séculos, para a quem a queira ler sem invenções e distorções.
Temos ainda para contar que vários grupos de violeiros pelo Brasil já estão a abandonar a ideia pouco correta de se auto-proclamarem “orquestras”; que também nestes grupos já surgem maestros (de verdade), que estão a estudar opções de regências (de verdade) para as especificidades das músicas tocadas por violas; que alguns violeiros já estão a entender que, além das suas excelentes performances instrumentais, pode ser útil à comunidade (e mais lucrativo a eles mesmo) também apresentar algumas performances cantando: somos um país cantante, o canto atrái público e interesse. E até alguns adeptos ao caipirismo, mais conscientes, estão a pensar melhor antes de simplesmente repetir “ladainhas” infundadas, relacionadas às violas, que dominaram a cena nos últimos 50 anos.
Especificamente, até o caipirismo tem sido rediscutido: isso é normal, a praticamente todos os assuntos e deveria ser sempre assim… Agora… Adivinha quem foi o primeiro maluco a ter coragem de questionar apontamentos sobre o caipirismo? Sugerimos checar diversos dos Brevis Articulus já publicados: encontrar-se-ão facilmente os embasamentos, as fundamentações carinhosamente levantadas a respeito. Entendemos que o caipirismo nunca deixará de existir, nem deixará de ser lucrativo, e possivelmente vai continuar tendo fundamentação mais na base da “fé” que qualquer outra coisa – foi em dúvida uma ideia genial, de um excepcional vendedor.
O que importa é que já se começa a entender as violas com mais coerência histórica, que vai muito além do caipirismo e é muito mais importante. Em tempo, temos vários amigos e conhecemos diversas pessoas às quais admiramos e respeitamos que amam o caipirismo – só o que queremos e esperamos delas é que sejam sempre verdadeiras, com embasamentos honestos e que não se deixem enganar por fontes equivocadas: nada mais nem nada menos que isso… A não ser, claro, que não nos levem a mal e possam nos perdoar, pois é só Ciência, nada pessoal.
Por fim, para hoje, temos alegria em anunciar que mais um marco histórico está previsto para acontecer em 23 de agosto de 2023: pela primeira vez apresentaremos nossas descobertas ao universo acadêmico – especificamente em uma aula optativa para diversas grades / áreas científicas. Este tipo de aula já é tradicionalmente ofertado via projeto Viva Música, da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.
Vez que esta conceituada Universidade mantém dois cursos de Música (“orquestral” e “popular”), revelaremos parte de nossas descobertas a partir das origens comuns (os nomes) tanto das violas de arco quanto das violas dedilhadas. Possivelmente seja a primeira vez que são apresentadas juntas, em um mesmo estudo – e agora, numa mesma aula. Vamos contextualizar o desenvolvimento histórico que culmina no curioso fato de dois instrumentos tão diferentes terem se consolidado com “um mesmo nome” – uma questão que, se foi levantada antes, ainda não tinha sido esclarecida.
É uma conquista para as violas: representa uma nova maneira pela qual precisam ser vistas. Atrevidamente, mas de forma embasada, as violas levantam discussão sobre estudos já feitos pelo mundo e requisitam seu merecido espaço nas narrativas oficiais, desde as importantíssimas abordagens acadêmicas até o conhecimento pela população em geral. Nem o Brasil, nem o resto do mundo conhecem direito as violas brasileiras. Isso já vem de séculos, com um agravante de distorção por motivações comerciais nos últimos 50 anos. O caminho da descoberta será, portanto, longo – mas cada passo é um passo a frente, podemos e devemos celebrar. Até onde elas vão chegar serão outras prosas… Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando…
(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).