17 Nov, 2024

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o chão na noite anterior. 

O pequeno vilarejo parecia adormecido, exceto pelo som que vinha da varanda da casa de madeira ao lado do riacho. 

Era um som familiar, como uma conversa entre velhos amigos: o dedilhar da viola.

Seu Joaquim, um senhor de mãos calejadas pela lida na roça, afinava as cordas de sua companheira de longa data. 

A viola tinha marcas do tempo, mas sua alma permanecia intacta. Cada nota que ele arrancava parecia trazer à tona histórias vividas no sertão, amores perdidos, colheitas fartas, e saudades que insistiam em ficar.

Logo, o som da viola chamou outros. 

Os vizinhos foram chegando aos poucos, trazendo cadeiras, café coado, e, claro, suas próprias histórias. 

Dona Maria, com seu lenço florido, cantou modas antigas que aprendera ainda menina. 

O Zé da venda apareceu com o pandeiro embaixo do braço e um sorriso largo no rosto. 

Até as crianças, sempre inquietas, pararam para ouvir.

Ali, naquele encontro simples, não havia pressa, nem preocupações com o relógio. 

Cada acorde unia as pessoas, como se as vozes e as risadas fossem parte da melodia. 

A cultura caipira pulsava viva, não só nas canções, mas na generosidade em compartilhar momentos, no respeito às tradições, e no amor à terra que sustentava a todos.

O sol começou a se esconder atrás das montanhas, mas ninguém parecia notar. 

Naquele dia, as notas da viola haviam costurado o tecido invisível da comunidade, mostrando que a verdadeira riqueza estava na simplicidade e no calor humano que só o campo sabe oferecer.

E assim, sob a luz dourada do entardecer, a pequena roda de viola continuou, provando que, enquanto houver gente que viva e ame a cultura caipira, suas raízes jamais serão arrancadas.

A SIMPLE ENCOUNTER THE VIOLA

That morning, under a clear sky, the scent of wet earth still lingered in the air, a memory of the rain that had caressed the ground the night before. 

The small village seemed asleep, except for the sound coming from the porch of a wooden house by the creek. 

It was a familiar sound, like a conversation between old friends: the strumming of a viola.

Mr. Joaquim, a man with hands calloused from years of farm work, was tuning the strings of his longtime companion. 

The viola bore the marks of time, but its soul remained intact. Each note he played seemed to evoke stories of life in the countryside, lost loves, bountiful harvests, and the lingering ache of saudade.

Soon, the sound of the viola drew others in. 

Neighbors began arriving, bringing chairs, freshly brewed coffee, and, of course, their own tales. 

Dona Maria, with her floral scarf, sang old folk songs she had learned as a child. 

Zé from the local store showed up with a tambourine under his arm and a wide smile on his face. Even the children, usually restless, stopped to listen.

There, in that simple gathering, there was no rush, no concern for the clock. 

Each chord brought people closer, as if their voices and laughter were part of the melody. 

The caipira culture came alive, not just in the songs but in the generosity of sharing moments, the respect for traditions, and the love for the land that sustained them all.

The sun began to hide behind the mountains, but no one seemed to notice. 

On that day, the notes of the viola had woven an invisible thread of community, showing that true wealth lies in simplicity and the human warmth that only the countryside can offer.

And so, under the golden light of the sunset, the little viola gathering continued, proving that as long as there are people who live and cherish caipira culture, its roots will never be lost.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
10 Nov, 2024

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco, recém-coado, logo se espalhou pela cozinha, misturado ao calor suave que saía do fogão à lenha. Era assim todas as manhãs, naquela rotina antiga e confortável, onde cada gesto parecia ter sido esculpido pelo tempo.

Minha tia, sempre a primeira a levantar, quebrava pequenos pedaços de rapadura e deixava ao lado das xícaras, como quem prepara um ritual. Era uma tradição que vinha de longe, do tempo dos meus avós e dos pais deles. O café com rapadura era mais do que um café da manhã; era quase uma cerimônia. Um pequeno pedaço da doçura da terra, ali para nos lembrar que o amargo do café e o doce da rapadura tinham um jeito próprio de se complementar – como a vida na roça.

Enquanto o céu clareava, o pessoal se reunia para a lida. Cada um conhecia bem seu papel, mas sempre havia espaço para a prosa, entre uma tarefa e outra. “Hoje o tempo tá bom pra plantar, né?” dizia o compadre João, ajeitando o chapéu na testa enquanto preparava o arado. E assim seguíamos, entre o silêncio do trabalho e as palavras simples que faziam tudo mais leve. Não havia pressa, mas tudo era feito no tempo certo, como se as horas seguissem o compasso da terra e não do relógio.

Na hora do descanso, alguém sempre puxava a viola e as cantigas iam brotando. O som da viola cortava o ar com uma ternura que só quem vive no campo sabe entender. Era como se aquelas cordas tivessem o poder de trazer à tona memórias de tempos passados, de um jeito que fazia a gente se sentir parte de algo maior, como uma história que nunca termina.

Hoje, quando lembro dessas manhãs de café e rapadura, sinto uma saudade que aperta o peito. Saudade do sabor, das conversas ao pé do fogão, do cheiro da terra molhada depois da chuva. Cada pedacinho dessa vida simples é uma lembrança viva, como se as raízes que um dia mergulhei nesse chão nunca tivessem sido arrancadas.

E assim é a lida. Um pouco de café, um tanto de rapadura, e muito trabalho honesto. A gente vai, mas leva a roça dentro da alma.

THE DAILY GRIND AND COFFE WITH RAPADURA

It was still dark when the first crackle of the firewood broke the silence of dawn. The aroma of freshly brewed coffee filled the kitchen, blending with the gentle warmth coming from the wood-burning stove. Every morning was like this, a familiar rhythm where each action seemed sculpted by time.

My aunt, always the first to rise, would break off small pieces of rapadura and set them next to the cups, as though preparing a ritual. This tradition came from far back, from my grandparents’ time and their parents before them. Coffee with rapadura was more than just breakfast; it was almost ceremonial—a little sweetness from the earth, there to remind us that the bitterness of coffee and the sweetness of rapadura had their own way of balancing each other, like life in the countryside.

As dawn broke, everyone gathered to work. Each person knew their part well, but there was always room for a little talk between tasks. “Good weather for planting today, right?” my uncle João would say, adjusting his hat as he prepared the plow. And so we went on, alternating between the silence of work and the simple words that made everything lighter. There was no rush, but everything moved in its own time, as if the hours followed the rhythm of the earth rather than the clock.

During the break, someone would pick up the viola and familiar tunes would fill the air. The sound of the viola cut through the quiet with a tenderness that only those who live close to the land can understand. It felt as if those strings could bring memories to life, connecting us to a story larger than ourselves, one that would never end.

Today, when I think of those mornings of coffee and rapadura, there’s a longing that fills my chest. I miss the taste, the talks around the stove, the scent of earth after the rain. Every bit of that simple life is still alive in my memory, like roots planted deep in the soil that have never been pulled up.

And that’s how it is, the daily grind. A bit of coffee, a touch of rapadura, and a whole lot of honest work. We may leave, but the countryside stays within us, forever.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
1 Nov, 2024

NOITE DE LENDAS

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

NOITE DE LENDAS E TRAVESSURAS CAIPIRA

Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no sertão. 

Quem vê diz que ele traz sorte – ou azar, depende do humor do danado. 

Naquela noite de outubro, os ventos já rodopiavam como se dançassem ao som de uma viola ao longe, e era o sinal: o Saci vinha em festa.

O mato parecia em festa também, com vaga-lumes que piscavam como lampiões, acompanhando o Saci em seu desfile solitário pela escuridão.

Não era noite de Halloween, não. 

Era noite de lenda, noite de encanto, noite de prosa boa, noite de resgate. 

E ao invés de bruxas ou vampiros, o Saci reinava soberano, com seu cachimbo soltando fumaça que desenhava formas no ar. 

Quem tem medo dele? Ah, só quem não entende a brincadeira.

Imagina só! 

Em cada porta, ao invés de “Gostosuras ou travessuras?”, uma pergunta bem mais nossa: “E aí, moço, tem história boa pra contar?” 

E não faltariam causos de fazer qualquer criança prender o fôlego, histórias de mula sem cabeça, do Curupira, do Boitatá… 

Um desfile de criaturas que trazem a alma da nossa terra, figuras que nascem da nossa mata, do nosso chão. 

Crianças correm, não de monstros, mas de risos, com medo de perder o encanto das histórias contadas ao pé da porta.

E ali no campo, ao invés de uma abóbora cortada em forma de rosto, temos um fogaréu, uma fogueira que estala e ri junto com as crianças, iluminando rostos que crescem ouvindo sobre o Saci e o Curupira. 

Naquela noite, as estrelas, cúmplices de toda essa travessura caipira, parecem brilhar mais forte, e cada uma parece dizer: “Esse é o nosso encantamento, nossa fantasia, nosso modo de ser.”

Ao final da noite, o Saci some, levado pelo vento, deixando só um rastro de folhas e uma gargalhada que ecoa nas colinas. 

Quem ouviu, ouviu. Quem não ouviu, aguarde até a próxima lenda. Porque o encanto do caipira, esse nunca desaparece.

A NIGHT OF COUNTRY LEGENDS AND MISCHIEF

Here he comes, Saci, hopping on one leg with a mischievous grin, playing at scaring anyone brave enough to face the night in the countryside. They say he brings luck—or mischief, depending on his mood. 

That October night, the winds were already swirling as if dancing to the tune of a distant viola, and it was a sign: 

Saci was coming to celebrate.

The forest seemed to join in, with fireflies flickering like lanterns, following Saci in his solitary parade through the darkness. 

It wasn’t Halloween night, no. It was a night of legend, a night of enchantment, a night for good stories, a night to reconnect. 

And instead of witches or vampires, Saci reigned supreme, his pipe puffing out smoke that drew shapes in the air. 

Who’s afraid of him? Ah, only those who don’t understand his playful spirit.

Just imagine! At each doorstep, instead of “Trick or treat?” you’d hear something much more ours: “Got a good story to tell?” And there’d be no shortage of tales to make any child hold their breath—stories of the headless mule, Curupira, Boitatá… 

A parade of creatures that carry the spirit of our land, figures born of our forests and fields. 

Children would run, not from monsters, but from laughter, afraid only of missing the magic in the stories shared at each doorstep.

And out there in the countryside, instead of a carved pumpkin, there’d be a bonfire crackling and laughing along with the children, lighting up faces that grow up hearing about Saci and Curupira. 

On that night, the stars, accomplices in this whole countryside mischief, seem to shine even brighter, each one whispering, “This is our magic, our fantasy, our way of being.”

At the end of the night, Saci vanishes, carried off by the wind, leaving only a trail of leaves and a laugh echoing over the hills. 

Those who heard it, heard it. Those who didn’t, wait until the next legend. Because this countryside enchantment, it never fades.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
25 Out, 2024

A LUA E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A LUA E A VIOLA

A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. 

Dizem que quando ela está cheia, a paisagem ganha outra vida, como se a luz prateada despertasse memórias antigas. 

As histórias que rondam a lua, em noites assim, são tantas quanto as estrelas que brilham ao seu redor.

Sentado na varanda, com a viola em mãos, o velho Zé olhava para o céu e se lembrava das histórias que seu pai contava. 

Havia lendas de lobisomens que corriam soltos pelos campos, com o brilho lunar iluminando suas transformações. 

As crianças da vizinhança tinham medo, mas Zé? Zé sempre soube que a lua não era só isso.

“É verdade que tem lobisomem, mas a lua é muito mais do que isso”, ele pensava enquanto dedilhava sua viola. 

A lua, afinal, também era cúmplice das grandes paixões. 

Foi sob a sua luz que ele viu pela primeira vez Maria, a menina mais bonita do vilarejo. 

O brilho no rosto dela naquela noite parecia ser parte da própria lua, e desde então, todas as vezes que Zé cantava, ele sentia que a lua e sua viola conversavam em segredo.

A lua, pensava ele, guarda mistérios. 

De dia, ela desaparece, quase como se não quisesse ver o que acontece no mundo. 

Mas à noite, ela reaparece, brilhando para iluminar tanto os medos quanto os sonhos. 

Assim como a viola que, nas mãos certas, conta histórias de dor e alegria, a lua também sabe de todos os segredos.

Era engraçado como a viola e a lua tinham tanto em comum. 

Ambas silenciosas, mas capazes de falar direto ao coração. 

Zé acreditava que toda vez que ele tocava, a lua também ouvia, quem sabe até chorava, iluminando o sertão com sua melancolia suave.

E assim, naquela noite, enquanto as histórias assustadoras continuavam a rondar os ouvidos mais jovens, Zé, com sua viola, cantava uma moda de amor para a lua. 

Afinal, era ela que sempre acompanhava os apaixonados e os solitários. A lua e a viola, dois mistérios antigos que, juntos, transformavam qualquer noite no sertão em pura poesia.

THE MOON AND THE VIOLA

The countryside night is a show of its own, and the moon, always majestic, reigns supreme in the sky. 

They say that when it’s full, the landscape transforms, as if the silver light awakens old memories. 

The stories that surround the moon on nights like these are as many as the stars that sparkle around her.

Sitting on the porch with his viola in hand, old Zé, a countryman at heart, looked up at the sky, recalling the tales his father once told him. 

There were legends of werewolves running wild through the fields, with the moonlight illuminating their transformations. 

The children in the village feared those stories, but Zé? Zé always knew the moon was more than that.

“Sure, there may be werewolves, but the moon is much more than that,” he thought as he strummed his viola. 

The moon, after all, was also a partner in great romances. It was under her light that he first saw Maria, the prettiest girl in town. 

Her face seemed to glow that night, almost as if the moon herself had blessed it, and ever since, every time Zé played, he felt as if the moon and his viola shared a secret.

The moon, he thought, holds many mysteries. 

By day, she hides away, almost as if she doesn’t want to see what happens on Earth. But at night, she reappears, shining down to illuminate both fears and dreams. 

Just like the viola, which in the right hands, tells stories of sorrow and joy, the moon, too, knows all the secrets.

It was funny how much the viola and the moon had in common. 

Both were silent but spoke straight to the heart. Zé believed that every time he played, the moon was listening, maybe even shedding a tear, lighting up the countryside with her gentle sadness.

And so, that night, while the scary stories continued to stir the younger ones, Zé, with his viola, sang a love ballad to the moon. 

After all, it was she who always accompanied both the lonely and the lovers. The moon and the viola—two ancient mysteries that, together, turned any night in the countryside into pure poetry.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
18 Out, 2024

O SONHO DE UM RANCHINHO

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O SONHO DE UM RANCHINHO

Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. 

Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em um ranchinho simples, cercado pela natureza. 

Um pedaço de terra onde o verde das árvores e o murmúrio de um rio corrente trazem paz. 

A vida ali seria feita de gestos cotidianos, como observar o vento nas folhas ou ouvir o canto dos pássaros no quintal.

À beira da mata, o ranchinho seria modesto, mas carregado de significado. 

As árvores copadas formariam sombras largas, onde os canários fariam seus ninhos. 

Ali, o tempo passaria devagar, ao ritmo das estações, como se o relógio respeitasse a vida que brota da terra. 

Dentro do rancho, uma viola de pinho, pendurada junto à parede, esperaria as tardes em que, ao final do trabalho, eu me sentaria para dedilhar suas cordas e deixar a melodia conversar com a alma.

Esse sonho seria incompleto sem a presença de uma companheira. 

Penso em Maria, uma mulher simples, mas de olhar forte, que conhece cada canto desse sertão como se fizesse parte dele. 

Com ela, a vida ganharia outro sentido. Juntos, compartilharíamos a fé, com um pequeno oratório que nos lembraria da importância de agradecer, mesmo pelas coisas mais simples.

A felicidade, eu sei, mora nesses detalhes: na sombra de uma árvore, no canto de um pássaro, no olhar de quem está ao nosso lado. 

E, assim, nesse ranchinho perdido no sertão, eu encontraria o que tanto procuro – um lugar onde a vida, embora simples, seria completa.

English

THE DREAM OF A LITTLE RANCH

There are days when the world asks for a pause. In those moments, I imagine a simpler life, far from the rush, in a humble little ranch surrounded by nature. 

A piece of land where the green trees and the murmur of a flowing river bring peace. 

Life there would be made of everyday gestures, like watching the wind play with the leaves or listening to the birds sing in the yard.

At the edge of the forest, the ranch would be modest but full of meaning. 

The tall trees would offer generous shade, where the canaries would build their nests. 

Time would move slowly there, in rhythm with the seasons, as if the clock respected the life that grows from the earth. Inside the ranch, a pinewood guitar would hang on the wall, waiting for the evenings when, after a day’s work, I would sit and strum its strings, letting the melody converse with my soul.

This dream would be incomplete without the presence of a companion. 

I think of Maria, a woman with a serene yet strong gaze, who knows every corner of this countryside as if she were part of it. 

With her, life would take on another meaning. Together, we would share our faith, with a small oratory reminding us to be grateful, even for the simplest things.

Happiness, I know, lives in those details: in the shade of a tree, in the song of a bird, in the gaze of someone by your side. 

And so, in this little ranch lost in the countryside, I would find what I’ve been searching for—a place where life, though simple, would be complete.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
11 Out, 2024

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O CARREIRO E A VIOLA

Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som ritmado das rodas do carro de boi que rangiam lentamente na estrada de terra. O carreiro Zé Vicente, velho conhecido da região, vinha conduzindo seu carro de boi com a destreza de quem já havia passado por muitos caminhos. Seu chapéu de palha sombreava o rosto marcado pelo tempo, e o olhar atento aos bois que o obedeciam sem pressa.

Ao chegar à casa de pau a pique, simples e aconchegante, Zé Vicente saltou do carro, desatrelou os bois e os deixou no pasto para descansar. Era o momento mais esperado do dia: a cantoria na varanda. Toda noite, depois da lida, os vizinhos se reuniam ali para contar causos e tocar viola. Não era diferente naquela noite, e logo as cadeiras de madeira começaram a ser ocupadas.

“Ô Zé, como foi o dia?” perguntou João, o vizinho que nunca perdia uma roda de prosa.

“Ah, foi bom! Mais uma vez, levei a carga pra cidade, mas no meio do caminho, o carro atolou numa poça que não acabava mais. E foi com a ajuda da viola que resolvi o problema!”, respondeu Zé, com um sorriso que já entregava a história engraçada que estava por vir.

Todos riram, curiosos para entender como a viola teria ajudado a desatolar o carro de boi. “Explica isso direito, Zé!”, pediu dona Maria, sentada num banquinho com o olhar atento.

Zé pegou a viola que estava encostada na porta e, com os dedos calejados, dedilhou um acorde suave, enquanto começava a contar:

“Pois bem, já era meio-dia e o sol queimava, o carro estava enterrado até o eixo. Os bois não conseguiam tirar o carro da lama. Então, resolvi descansar um pouco e, pra aliviar a cabeça, tirei a viola do carro. Comecei a tocar um modão de antigamente, daqueles que os mais velhos cantavam. Os bois, que até então estavam parados, começaram a mexer as orelhas, pareciam atentos ao som. Quanto mais eu tocava, mais eles se agitavam.”

A cantoria na varanda ficou em silêncio, todos atentos à narrativa.

“Foi então que, não é que os danados dos bois começaram a puxar o carro devagarinho, sem eu nem mandar? Eu tocava a viola e eles puxavam, até que o carro saiu da lama como se nada tivesse acontecido!”

Todos explodiram em risadas e aplausos, enquanto Zé Vicente puxava mais um acorde, dessa vez alegre e animado. A viola parecia ter ganhado vida própria naquela história, se tornando cúmplice do carreiro e seus bois.

A noite seguiu com música e histórias, relembrando o passado, quando o tempo corria mais devagar e as dificuldades da vida no campo eram superadas com a simplicidade e o bom humor. E, assim como o carro de boi, a viola também levava adiante as memórias de um tempo em que tudo parecia ser resolvido ao som de uma boa moda de viola.

English

THE OX CART DRIVER AND THE VIOLA

It was late afternoon on the farm, the sun painting the horizon with shades of orange and red, and the calm of the countryside was broken only by the rhythmic sound of the ox cart wheels creaking slowly along the dirt road. Zé Vicente, a well-known cart driver in the region, was steering his ox cart with the skill of someone who had traveled many paths. His straw hat shaded a face weathered by time, his gaze fixed on the oxen that obeyed without haste.

Upon reaching his simple and cozy mud-brick house, Zé Vicente jumped down from the cart, unhitched the oxen, and let them rest in the pasture. It was the most awaited time of the day: the evening singalong on the porch. Every night, after a day’s work, neighbors gathered there to tell stories and play the viola. That night was no different, and soon the wooden chairs began to fill.

“Hey Zé, how was your day?” asked João, the neighbor who never missed a chance to join the evening chat.

“It was good! Once again, I delivered the load to the city, but on the way, the cart got stuck in a mud hole. And it was with the help of the viola that I solved the problem!” Zé replied with a smile, already hinting at the funny story that was about to be told.

Everyone laughed, curious about how the viola could have helped to get the ox cart unstuck. “Explain that right, Zé!” urged Dona Maria, seated on a stool, eyes full of anticipation.

Zé picked up the viola that was leaning against the door and, with his calloused fingers, played a soft chord as he began to explain:

“Well, it was around noon, and the sun was blazing hot. The cart was buried up to the axle, and the oxen couldn’t get it out of the mud. So, I decided to rest a bit and clear my head. I pulled out the viola from the cart and started playing an old tune, one of those the elders used to sing. The oxen, which had been standing still, began twitching their ears, as if they were listening to the sound. The more I played, the more they stirred.”

The singalong on the porch fell silent as everyone focused on the story.

“Then, believe it or not, the darned oxen started pulling the cart, slowly, without me even giving them the order! I kept playing the viola, and they kept pulling, until the cart came right out of the mud as if nothing had happened!”

Everyone burst out laughing and clapping, while Zé Vicente strummed another chord, this time more joyful and upbeat. In that story, the viola seemed to take on a life of its own, becoming a companion to the cart driver and his oxen.

The night continued with music and stories, reminiscing about the past, when life in the countryside moved at a slower pace and hardships were overcome with simplicity and good humor. And just like the ox cart, the viola carried forward the memories of a time when everything seemed to be resolved with the sound of a good old-fashioned tune.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
27 Set, 2024

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A VIOLA E O VIOLEIRO

A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra, há um personagem quase invisível, mas fundamental: o luthier. É ele quem dá vida ao instrumento, trabalhando a madeira com paciência e sabedoria. O luthier, em sua oficina silenciosa, transforma troncos em música. Cada detalhe da construção da viola é uma homenagem à natureza, uma tradução das formas brutas da terra em algo delicado e profundo.

Quando o luthier termina seu trabalho, ele entrega à viola um destino: ser tocada. Mas ele também entrega ao violeiro uma missão: a de trazer à tona toda a alma que a madeira carrega. A viola, nascida das mãos do luthier, já traz consigo uma energia latente, como se as histórias que ela contaria já estivessem guardadas em suas fibras. O luthier, então, se retira para o silêncio, deixando o instrumento seguir seu caminho nas mãos de quem sabe dar vida a cada uma de suas notas.

E é aí que entra o violeiro. Quando ele segura a viola, algo mágico acontece. O instrumento que antes estava quieto agora encontra sua voz, como se estivesse esperando o toque certo, aquele que sabe ouvir o que a madeira quer dizer. O violeiro, com sua habilidade quase instintiva, entende a alma da viola. Ele não apenas toca — ele dialoga com o instrumento, como se cada acorde fosse uma resposta a algo que só ele e a viola sabem.

Nas mãos do violeiro, a viola não é apenas um objeto. É um portal para a memória da terra, para as histórias que ela carrega. Cada nota parece ter o cheiro da terra molhada, o calor do sol no campo, a brisa suave das montanhas. E o violeiro, com seu talento, é capaz de fazer essas paisagens sonoras se desdobrarem diante de quem escuta. Ele faz a viola chorar de saudade, cantar de alegria, silenciar com a paz de um fim de tarde.

A conexão entre o violeiro e a viola é tão profunda que, por vezes, parece que o instrumento tem vida própria. Mas é o toque do violeiro que desperta essa vida, que transforma o som em sentimento. Não é apenas música; é uma comunicação silenciosa entre o homem e a terra, mediada pelo instrumento que nasceu das mãos do luthier, cresceu no coração do violeiro e agora ecoa no mundo.

E assim, a magia se completa. A viola, moldada pelo luthier e trazida à vida pelo violeiro, se transforma em uma ponte entre tempos e lugares, entre emoções e histórias. Cada vez que o violeiro dedilha as cordas, a terra fala. E quem escuta, mesmo sem entender de onde vem, sente o poder dessa união — entre a arte, o talento e o espírito da natureza.

English

THE VIOLA AND THE VIOLEIRO

The story of the viola and the violeiro begins long before the first chord is ever struck. Between this magical connection of talent and the earth, there is an almost invisible yet fundamental figure: the luthier. He is the one who breathes life into the instrument, working the wood with patience and wisdom. In his quiet workshop, the luthier transforms logs into music. Every detail in the making of the viola is a tribute to nature, translating the raw forms of the earth into something delicate and profound.

When the luthier finishes his work, he bestows upon the viola a destiny: to be played. But he also gives the violeiro a mission: to bring out all the soul that the wood carries within. The viola, born from the hands of the luthier, already holds latent energy, as if the stories it will tell are already embedded in its fibers. The luthier then retreats into silence, allowing the instrument to follow its path in the hands of someone who knows how to breathe life into every note.

And that is where the violeiro comes in. When he holds the viola, something magical happens. The instrument, once silent, now finds its voice, as if it had been waiting for the right touch—someone who knows how to listen to what the wood has to say. The violeiro, with his almost instinctive skill, understands the viola’s soul. He doesn’t just play it—he converses with it, as if each chord were a response to something only he and the viola know.

In the hands of the violeiro, the viola is not just an object. It is a portal to the memory of the land, to the stories it carries. Every note seems to hold the scent of damp earth, the warmth of the sun on the fields, the gentle breeze from the mountains. And the violeiro, with his talent, is able to unfold these soundscapes before those who listen. He makes the viola weep with longing, sing with joy, or fall silent with the peace of a quiet evening.

The connection between the violeiro and the viola runs so deep that, at times, it feels as if the instrument has a life of its own. But it is the touch of the violeiro that awakens this life, transforming sound into feeling. It’s not just music; it’s a silent communication between man and earth, mediated by the instrument born from the luthier’s hands, grown in the violeiro’s heart, and now echoing across the world.

And thus, the magic completes itself. The viola, shaped by the luthier and brought to life by the violeiro, becomes a bridge between times and places, between emotions and stories. Every time the violeiro plucks its strings, the earth speaks. And those who listen, even without knowing where it comes from, feel the power of this union—between art, talent, and the spirit of nature.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
19 Set, 2024

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O CORAÇÃO DA ROÇA

Naquela roça simples, o tempo parecia parar. 

A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo. 

O fogão a lenha estalava, espalhando um calor que não era apenas físico, mas um abraço silencioso que envolvia a todos. 

Nos cantos, os bancos compridos serviam como um convite para quem quisesse se juntar à roda, para sentir-se parte de algo maior.

Mas o que realmente aquecia os corações naquela noite não era o fogo do fogão. 

Era a música, aquela música improvisada, nascida da alma e da convivência. 

Meus tios, com os rostos iluminados pela luz suave do lampião a gás, davam vida a uma melodia que parecia vir das profundezas de suas memórias. 

O acordeon gemia notas cheias de saudade, enquanto o violão acompanhava com acordes que faziam ecoar o som das tardes ensolaradas no campo. 

E aquele som, aparentemente simples, de uma colher batendo em improviso, trazia sorrisos nos rostos, como se a música tivesse o poder de fazer desaparecer todas as preocupações.

Eles não tocavam apenas instrumentos, tocavam o coração de todos nós. 

Cada sorriso, cada olhar trocado entre eles, revelava uma cumplicidade que só o tempo podia construir. 

Era como se, naquele instante, todos os problemas do mundo se dissolvessem, e só restasse o som da música e o calor da companhia.

E nós, que assistíamos, éramos parte disso. 

Os risos ecoavam pela cozinha, as palmas ritmadas acompanhavam as canções, e o brilho nos olhos de cada um revelava algo que palavras jamais conseguiriam descrever. 

Havia ali um sentimento de pertencimento, de amor, de gratidão por estar junto.

A luz do lampião tremeluzia, criando sombras suaves nas paredes, mas também iluminando os rostos marcados pelo tempo e pelas histórias vividas. 

Aqueles eram momentos que sabíamos que não voltariam mais, mas que, de alguma forma, permaneciam eternos em nossas almas. 

Porque naquela noite, naquela cozinha simples, não era apenas uma família que se reunia – era a própria vida que dançava ao som da música, iluminada por uma chama que nunca se apaga dentro de nós.

English

THE HEART OF THE COUNTRYSIDE

In that simple countryside, time seemed to stand still.

The kitchen, always bustling and welcoming, was the heart of everything.

The wood-burning stove crackled, spreading a warmth that wasn’t just physical but a silent embrace that enveloped everyone.

In the corners, the long benches served as an invitation for anyone who wanted to join the circle, to feel part of something bigger.

But what really warmed the hearts that night wasn’t the fire from the stove.

It was the music, that improvised music, born from the soul and companionship.

My uncles, their faces illuminated by the soft light of the gas lamp, brought to life a melody that seemed to come from the depths of their memories.

The accordion wailed notes full of longing, while the guitar accompanied with chords that echoed the sound of sunlit afternoons in the fields.

And that sound, seemingly simple, of a spoon tapping in improvisation, brought smiles to faces, as if the music had the power to make all worries disappear.

They weren’t just playing instruments, they were playing the hearts of all of us.

Every smile, every glance exchanged between them, revealed a bond that only time could build.

It was as if, in that moment, all the world’s problems dissolved, and only the sound of music and the warmth of company remained.

And we, the ones watching, were part of it.

Laughter echoed through the kitchen, hands clapped rhythmically to the songs, and the sparkle in everyone’s eyes revealed something that words could never describe.

There was a feeling of belonging, of love, of gratitude for being together.

The lamp’s light flickered, casting soft shadows on the walls, but also illuminating the faces marked by time and the stories lived.

Those were moments we knew would never return, yet somehow remained eternal in our souls.

Because that night, in that simple kitchen, it wasn’t just a family that gathered – it was life itself, dancing to the sound of music, illuminated by a flame that never goes out within us.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
12 Set, 2024

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra.

Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os vizinhos o que a terra lhe dava. Mas os tempos mudaram.

Hoje, ao invés de acordar com o cantar dos passarinhos e o cheiro da terra molhada, o caboclo sente o ar pesado, carregado de fumaça.

O horizonte que antes era verde, com plantações a perder de vista, agora é tomado pelas queimadas que devastam tudo.

O fogo, impiedoso, consome as árvores e os animais que nela se abrigam.

O caboclo anda pela terra que um dia foi sua fonte de vida e só encontra cinzas.

Os bichos, antes companheiros do campo, já não têm refúgio.

O gado que pastava tranquilo, as aves que enchiam o céu com seu voo, hoje estão sumindo, vítimas desse fogo cruel e a devastação sem controle que não dá trégua.

Os rios que cortavam as terras, cristalinos, agora secam, barrentos e tristes.

O caboclo olha para o céu e faz uma prece.

Ele sabe que a natureza sempre teve suas leis, que o ciclo da vida é sagrado. Mas o que ele vê hoje não é obra do tempo ou das estações.

É a ganância dos homens, que desmatam, queimam e tiram da terra mais do que ela pode dar. É uma ferida aberta naquilo que ele tanto ama.

Ele espera por dias melhores.

Continua sua luta diária, plantando o pouco que resta, regando o solo com suas lágrimas e sua esperança.

Quem sabe, um dia, a terra volte a ser como antes, generosa e farta, e o caboclo da roça possa novamente viver em paz com a natureza.

Mas, por enquanto, ele só encontra silêncio e destruiçãoD

English

THE DESTRUCTION OF THE EARTH

The rural caboclo always lived in harmony with the land.

He planted at the right time, harvested abundantly, and shared with his neighbors what the land gave him. But times have changed.

Today, instead of waking up to the singing of birds and the smell of wet earth, the caboclo feels the heavy air, laden with smoke.

The horizon that was once green, with endless fields of crops, is now overtaken by wildfires that devastate everything.

The merciless fire consumes the trees and the animals that sought shelter there.

The caboclo walks through the land that was once his source of life, and all he finds are ashes.

The animals, once his companions in the fields, no longer have a refuge.

The cattle that grazed peacefully, the birds that filled the sky with their flight, are now disappearing, victims of this cruel fire and uncontrolled devastation that shows no mercy.

The rivers that once crossed the lands, clear and pure, are now drying up, muddy and sorrowful.

The caboclo looks up to the sky and says a prayer.

He knows that nature has always had its laws, that the cycle of life is sacred. But what he sees today is not the work of time or the seasons.

It’s the greed of men, who deforest, burn, and take more from the earth than it can give. It’s an open wound in what he loves so dearly.

He hopes for better days.

He continues his daily struggle, planting what little remains, watering the soil with his tears and his hope.

Perhaps, one day, the land will return to how it once was, generous and abundant, and the rural caboclo can once again live in peace with nature.

But for now, he finds only silence and destruction.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...
4 Set, 2024

A VIOLA E O AMOR

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A VIOLA E O AMOR

No silêncio do entardecer, quando o sol se despede tingindo o céu com tons de laranja e rosa, é que se ouve o som da viola. É um som que parece vir de dentro da terra, carregado de histórias, emoções e, acima de tudo, de amor. A viola, com suas dez cordas, é mais do que um instrumento musical; é a confidente dos corações apaixonados.

Cada dedilhado conta uma história, uma paixão vivida nas veredas do sertão. É como se a viola tivesse o poder de traduzir em música aquilo que o coração não consegue expressar em palavras. Nos braços de quem a toca, ela se torna extensão da alma, vibrando em sintonia com os sentimentos mais profundos.

Há quem diga que a viola nasceu do amor. Quem a conhece de perto, sabe que ela não mente. O violeiro, com mãos calejadas e coração inquieto, transforma as cordas em poemas, narrando o amor vivido sob o olhar atento das estrelas. Ali, entre um acorde e outro, brotam as canções que embalaram gerações, que embalam até hoje.

O amor que se canta com a viola é simples, puro e verdadeiro. É aquele amor que floresce nos campos, que resiste ao tempo, que se fortifica na saudade. É um amor que não exige nada além de reciprocidade, um amor que se entrega e que se perpetua no som que ecoa pelos sertões.

A viola, assim como o amor, não escolhe a quem se entrega. Ela se rende ao toque, ao sentimento que a conduz. E, nesse encontro, nasce uma melodia que fala direto ao coração, que faz o espírito dançar na cadência das emoções.

Se existe uma linguagem universal, essa é a da viola e do amor. Em cada canto do Brasil, onde quer que ela ressoe, há sempre alguém que entende o que ela diz, porque o amor é assim: não precisa ser traduzido, basta ser sentido. E a viola, na sua simplicidade, na sua sinceridade, nos lembra que o amor, assim como sua música, é eterno.

No fim, quando a noite chega e as luzes do céu se acendem, a viola repousa, mas o seu som permanece. É um som que fica guardado, que ecoa dentro de nós, como uma lembrança doce do amor que um dia tocou nosso coração. E é assim que a viola e o amor caminham juntos, compondo a trilha sonora da vida.

 

English

VIOLA AND LOVE

In the silence of dusk, when the sun bids farewell, painting the sky with shades of orange and pink, the sound of the viola can be heard. It’s a sound that seems to rise from the earth itself, filled with stories, emotions, and above all, love. The viola, with its ten strings, is more than just a musical instrument; it’s the confidant of passionate hearts.

Each pluck tells a story, a romance lived in the paths of the countryside. It’s as if the viola has the power to translate into music what the heart cannot express in words. In the hands of the player, it becomes an extension of the soul, vibrating in harmony with the deepest emotions.

Some say that the viola was born out of love. Those who know it well understand that it doesn’t lie. The violeiro, with calloused hands and a restless heart, transforms the strings into poems, narrating the love lived under the watchful eyes of the stars. There, between one chord and another, songs bloom, songs that have cradled generations, and still cradle us today.

The love sung with the viola is simple, pure, and true. It’s that love that blossoms in the fields, that withstands the test of time, that strengthens in longing. It’s a love that demands nothing but reciprocity, a love that surrenders itself and lives on in the sound that echoes through the countryside.

The viola, like love, doesn’t choose whom it surrenders to. It gives in to the touch, to the feeling that guides it. And in that encounter, a melody is born that speaks directly to the heart, making the spirit dance to the rhythm of emotions.

If there is a universal language, it’s that of the viola and love. In every corner of Brazil, wherever its sound is heard, there is always someone who understands what it says, because love is like that: it doesn’t need to be translated, only felt. And the viola, in its simplicity, in its sincerity, reminds us that love, like its music, is eternal.

In the end, when night falls and the lights of the sky shine, the viola rests, but its sound lingers. It’s a sound that stays within us, echoing like a sweet memory of the love that once touched our hearts. And so, the viola and love walk together, composing the soundtrack of life.

COMPARTILHE
Facebook
WhatsApp
X

CRÔNIAS DO VIOLA

UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. UM SIMPLES ENCONTRO COM A VIOLA Naquela manhã de céu limpo, o cheiro da terra molhada ainda pairava no ar, lembrança da chuva que acariciara o...

A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A LIDA E O CAFÉ COM RAPADURA Ainda estava escuro quando o primeiro estalo da lenha rompeu o silêncio da madrugada. O cheiro do café fresco...

NOITE DE LENDAS

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. SACI E CURUPIRA Lá vem ele, o Saci, pulando num pé só com um sorriso maroto no rosto, brincando de assustar quem se atreve a encarar a noite no...

A LUA E A VIOLA

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. A LUA E A VIOLA A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. Dizem que quando ela está cheia, a...

O SONHO DE UM RANCHINHO

  “Crônicas do Viola,” de André Viola. O SONHO DE UM RANCHINHO Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em...

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CARREIRO E A VIOLA Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som...

A VIOLA E O VIOLEIRO

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A VIOLA E O VIOLEIRO A história da viola e do violeiro começa muito antes do primeiro acorde. No meio dessa conexão mágica entre o talento e a terra...

O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. O CORAÇÃO DA ROÇA Naquela roça simples, o tempo parecia parar.  A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo.  O fogão a lenha...

A DESTRUIÇÃO DA TERRA

“Crônicas do Viola,” de André Viola. A DESTRUIÇÃO DA TERRA O caboclo da roça sempre viveu em harmonia com a terra. Plantava no tempo certo, colhia com fartura e compartilhava com os...