O CORAÇÃO DA ROÇA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O CORAÇÃO DA ROÇA

Naquela roça simples, o tempo parecia parar. 

A cozinha, sempre movimentada e acolhedora, era o centro de tudo. 

O fogão a lenha estalava, espalhando um calor que não era apenas físico, mas um abraço silencioso que envolvia a todos. 

Nos cantos, os bancos compridos serviam como um convite para quem quisesse se juntar à roda, para sentir-se parte de algo maior.

Mas o que realmente aquecia os corações naquela noite não era o fogo do fogão. 

Era a música, aquela música improvisada, nascida da alma e da convivência. 

Meus tios, com os rostos iluminados pela luz suave do lampião a gás, davam vida a uma melodia que parecia vir das profundezas de suas memórias. 

O acordeon gemia notas cheias de saudade, enquanto o violão acompanhava com acordes que faziam ecoar o som das tardes ensolaradas no campo. 

E aquele som, aparentemente simples, de uma colher batendo em improviso, trazia sorrisos nos rostos, como se a música tivesse o poder de fazer desaparecer todas as preocupações.

Eles não tocavam apenas instrumentos, tocavam o coração de todos nós. 

Cada sorriso, cada olhar trocado entre eles, revelava uma cumplicidade que só o tempo podia construir. 

Era como se, naquele instante, todos os problemas do mundo se dissolvessem, e só restasse o som da música e o calor da companhia.

E nós, que assistíamos, éramos parte disso. 

Os risos ecoavam pela cozinha, as palmas ritmadas acompanhavam as canções, e o brilho nos olhos de cada um revelava algo que palavras jamais conseguiriam descrever. 

Havia ali um sentimento de pertencimento, de amor, de gratidão por estar junto.

A luz do lampião tremeluzia, criando sombras suaves nas paredes, mas também iluminando os rostos marcados pelo tempo e pelas histórias vividas. 

Aqueles eram momentos que sabíamos que não voltariam mais, mas que, de alguma forma, permaneciam eternos em nossas almas. 

Porque naquela noite, naquela cozinha simples, não era apenas uma família que se reunia – era a própria vida que dançava ao som da música, iluminada por uma chama que nunca se apaga dentro de nós.

English

THE HEART OF THE COUNTRYSIDE

In that simple countryside, time seemed to stand still.

The kitchen, always bustling and welcoming, was the heart of everything.

The wood-burning stove crackled, spreading a warmth that wasn’t just physical but a silent embrace that enveloped everyone.

In the corners, the long benches served as an invitation for anyone who wanted to join the circle, to feel part of something bigger.

But what really warmed the hearts that night wasn’t the fire from the stove.

It was the music, that improvised music, born from the soul and companionship.

My uncles, their faces illuminated by the soft light of the gas lamp, brought to life a melody that seemed to come from the depths of their memories.

The accordion wailed notes full of longing, while the guitar accompanied with chords that echoed the sound of sunlit afternoons in the fields.

And that sound, seemingly simple, of a spoon tapping in improvisation, brought smiles to faces, as if the music had the power to make all worries disappear.

They weren’t just playing instruments, they were playing the hearts of all of us.

Every smile, every glance exchanged between them, revealed a bond that only time could build.

It was as if, in that moment, all the world’s problems dissolved, and only the sound of music and the warmth of company remained.

And we, the ones watching, were part of it.

Laughter echoed through the kitchen, hands clapped rhythmically to the songs, and the sparkle in everyone’s eyes revealed something that words could never describe.

There was a feeling of belonging, of love, of gratitude for being together.

The lamp’s light flickered, casting soft shadows on the walls, but also illuminating the faces marked by time and the stories lived.

Those were moments we knew would never return, yet somehow remained eternal in our souls.

Because that night, in that simple kitchen, it wasn’t just a family that gathered – it was life itself, dancing to the sound of music, illuminated by a flame that never goes out within us.

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