O Segredo por trás da Chave do Baú
Viola, Saúde e Paz!
Por acaso conhece o nome onomatorganologia? E separado, onomato-organologia, já ouviu falar?
Pois é… em Primeiro de abril de 2023 já escrevíamos por aqui os Brevis Articulus, onde apontamos aprofundamentos sobre o vastíssimo banco de dados que levantamos e organizamos e que acabaram por culminar em nosso livro A Chave do Baú. Na verdade, tínhamos começado aqui três meses antes, em janeiro. Mesmo assim, por ser citado como “dia da mentira”, brincamos naquele dia, pelas redes sociais, que teríamos “inventado um embrião de uma nova ciência, inspirado num olhar científico milenar” (que foi o título da postagem). Com nome em grego e tudo: zoeira total…
Mas… já ouviram falar que precisamos ter cuidado com o que desejamos, pois pode acontecer? Pois é… agora, apenas seis meses depois, estamos no caminho de conseguir aprovação científica do termo não como “nova ciência” (aí já seria demais), mas como uma técnica metodológica, desenvolvida a partir de outras metodologias existentes. O nome, aquele mesmo, só que em separado: onomato-organologia. Por que inventar um nome? Ora… porque somos o “pai” da “criança”, que não tem “mãe” humana: não acha que temos o direito de batizar?
Bom, o Tempo é que é, de fato, o verdadeiro “pai” nestes casos, onde a “mãe” seria a Ciência. Então, enquanto esperamos para ver se o Tempo vai confirmar nossas postulações, resolvemos revisar e trazer para cá o texto original, a “zoeira”, a raiz brincalhona sobre aquele que é, falando sério, o segredo por trás de A Chave do Baú, pois este título na verdade se refere à metodologia desenvolvida e lançada para desvendar segredos históricos, “tesouros” sobre instrumentos musicais. Nosso livro, portanto, poderia ser chamado de “onomato-organologia”, só que ficaria bem menos charmoso.
Segue o texto: apontamos a nós mesmos entre aspas, trazendo o tal em primeira pessoa, como foi escrito, para deguste geral e registro histórico aqui:
“Onomatorganologia? Não, você nunca ouviu falar, porque acabei de inventar. Achei divertido lançá-lo exatamente em um “primeiro de abril”, e utilizando linguagem coloquial, brincalhona… Fala a verdade, o academicismo às vezes não cansa um pouco? Por outro lado, muitos gostam de um texto leve, despretensioso, “engraçadinho”… E além disso, estamos numa rede social, então relaxa. E curta (“curta, comente, compartilhe, se inscreva no canal, clique no sininho”, et cetera).
“Onomatorganologia” não “vem” do grego, eu é que quis trazê-lo de lá, porque quis e pronto: onoma, “nome”; organo, “instrumento musical”; logia (a partir de logus), “estudo, ciência, escrita”. Seria, se ou quando vier a existir, “a ciência que estuda o desenvolvimento histórico-social dos instrumentos musicais com ênfase em seus nomes”… mas, por enquanto, me dedico mais aos “cordofones”, que quer dizer “instrumentos musicais de cordas”.
Uma besteira sem tamanho, não é? Afinal, já existem ciências que estudam palavras, entre as chamadas “linguísticas”, especialmente ramos como a etimologia (etimo, “origem”), filologia (filos, “amor”) e a abrangente lexicografia (lexico, “conjunto”). E também já há ciência que estuda características dos instrumentos musicais, a “xará” com nome mais curto, organologia, ramo da musicologia.
Sobretudo, convenhamos: quem sou eu “na fila do pão” para aventar a questionar ciências consolidadas há tantos séculos? É óbvio que só posso estar querendo aparecer…
Bom… eu sou apenas um “curioso”: periergos (em grego), curiosi ou curiosus (em latim), neugierig (em alemão), inquisitive (em inglês), curiós (em catalão), curieux (em francês)… Um curioso em vários idiomas, mas nada mais que um curioso, que não tem preguiça de ler e refletir.
Também sou brasileiro, terra onde vejo ser cultivada popularmente a cultura da bipolaridade, quero dizer, onde só se pode gostar algo se for “A” ou “B”: político, religião, time de futebol… só pode “preto ou branco”, “homem ou mulher”, “bom ou mal”… Me cresci (sobretudo, no abdômen) não vendo muitas considerações de mais de duas posições antagonicamente opostas para cada situação, embora, curiosamente, veja grafias diferentes para uma palavra só, como “abdôme”, “abdômen”, “abdômem” (com ou sem acento circunflexo)… Este é o meu país, minha língua, somos nós. Cheios de incoerências, mas se a gente falar sobre elas, podemos ser mal entendidos, atacados. Mesmo no meu caso, que demonstro todo dia que amo, bem mais do que a maioria, o nosso país, nossa língua, nossa cultura maluca.
Posso dizer que sou anarquista: ser anarquista no Brasil hoje é estudar, é ler e refletir por conta própria; é ver que o radicalismo da bipolaridade só pode estar errado, pois gera divisão, violência, argumentos estúpidos e sem fundamentos. Ser anarquista é descobrir que quem procura o Conhecimento, sem preguiça e com honestidade, pode achá-lo; que a Ciência nunca foi estática, resolvida, definitiva, ao contrário, sempre evolui, ad infinitum (e sim, as citações em outras línguas, principalmente em grego e latim, são para tirar sarro mesmo, ou “me amostrar”, como se diz em algumas das variações regionais brasileiras).
Pois bem… Se a Ciência sempre evolui, porque devemos acreditar que as ciências existentes seriam perfeitas, inquestionáveis? Afinal, o próprio substantivo “ciência” (significando “conhecimento”) passou a existir só após determinada época, em substituição ou complemento ao termo antes usado, “filosofia” (do grego philo, “amor” + sophia, “conhecimento”), termo que era “tudo” antes. O conceito atual de “Ciência” seria então uma evolução ou dissidência de “filosofia”, que cresceu ao ponto do conceito original hoje ser considerado apenas uma das muitas “ciências”…
Convenhamos mais uma vez: “filosofar” em pleno “primeiro de abril” merece um Nobel, não? Eu sei, eu sei: só não sou perfeito porque sou humilde, é meu principal defeito. O outro, é ser mentiroso (às vezes!).
Mas chega de encher linguiça: os ramos da linguística são excelentes, mas tem por padrão, na maioria das vezes e há séculos, estudar cada língua (ou grupo de línguas) em separado, com teorias sendo mais valorizadas que registros de época e sem aprofundamento em outras ciências. Aprofundamentos que seriam difíceis mesmo, pois palavras são usadas para tudo: já pensou se um dicionarista (“lexicógrafo”) fosse estudar a fundo todas as Ciências envolvidas em cada palavra, de cada língua, de todas as épocas? Cientificamente, mas brincando, pode-se dizer que “não rola”.
Pois bem: a linguística ainda não postulou origens confiáveis do termo “viola” e, atrevidamente, afirmo que dificilmente vão descobrir usando as metodologias convencionais, pois temos mostrado que o termo teria surgido a partir de várias línguas diferentes, ao mesmo tempo. Já a organologia, muito boa também, ainda não conseguiu consenso mundial de parâmetros, principalmente porque instrumentos musicais populares (como as violas) sempre foram uma bagunça, poucos tem paciência de os estudarem a fundo. Pelo mundo, aliás, poucos tem ideia do que sejam violas dedilhadas…
Sim, minha empreitada começou a partir das violas dedilhadas, que não são guitarras e este nome só existiria na língua portuguesa (ponto para o curioso, está na vanguarda mundial).
Como também sabemos aqui que “aprender com os mestres antigos” seria saudável, fui consultar pelo mundo quem estudara cordofones, mas os mestres estrangeiros praticamente só teriam estudado violas tocadas por arco, e os de língua portuguesa teriam se atido (ops… desculpe, termo erudito demais); vou melhorar: teriam “se baseado apenas” nos próprios umbigos, para ser honesto, mas sem querer ser desagradável nem rude. A verdade é que pouquíssimos teriam procurado vestígios das nossas violas na História ocidental dos cordofones… Mas que “os há, os há” (aqui vou manter, achei que ficou legal o eruditismo, brinquei com las brujas, percebeu?).
Outrossim… (putz, de novo, sorry)… Entretanto… (que m…!)… “Mas” vários mestres teriam buscado coerência em datas remotas de registros de nomes de instrumentos! Boa ideia! De onde tantos teriam tirado isso? Quase nenhum entrega a rapadura… Talvez, porque tenham ido por caminhos instintivos: quando é só instinto, mesmo estudiosos costumam não saber explicar. Acontece muito.
Fuça daqui, fuça dali, descobri que o filósofo grego Platão, cinco séculos antes de Cristo, teria partido de ideias mais antigas ainda, que depois foram evoluindo (!) até o que se chama hoje de Metodologia “Dialética” (“diálogo”, “debate”): a “arte de pensar, questionar e hierarquizar ideias”… Ah, aí eu exultei quase orgasmicamente! A principal postulação seria algo como: “… nada deve ser estudado sem considerar os fenômenos circundantes ao objeto de estudo”! Finalmente, encontrei quem falasse a minha língua!
É isso. Quer estudar algo? Fique de olho no que está rolando em volta daquilo. E o que rola com instrumentos musicais? Depende da época, região, utilização deles pela sociedade, nomes que foram tendo, evolução de formatos e características… Tudo isso que circunda os instrumentos fazem parte deles (e, no caso, uma circuncisão como a peniana não é o mais recomendado, nem tem nada a ver).
Naturalmente, os mestres também estudavam nomes antigos por serem, os nomes e eles também, “diferentões” (leia-se “anarquistas”, se concordar). E também porque os mestres também gostavam de se amostrar via outras línguas. Nem vem: os caras eram humanos, que não me venham com argumentos semânticos contra um escritor, poeta, compositor. Os anarquistas antigos, como eu também, sabemos que “se amostrar” dá trabalho, mas é divertido e afasta alguns invejosos, que gostam de “duvidar” ou talvez a eles incomode que a gente estude tanto. E isso tudo vem de séculos já.
Buscar nomes remotos, em línguas antecessoras ocidentais, ajuda a identificar e entender o que rolava desde as respectivas épocas passadas… O complicado é que há poucos registros, às vezes pouco legíveis, feitos muitas vezes por quem não entendia nada de música, de linguística, de sociologia (mas achava que entendia e gostava de escrever sobre música). Se liga: não existia nem luz elétrica, muito menos as Ciências como são hoje… Só existiriam os “achistas”, essa praga sempre parece ter existido.
Sim, o caminho é este: os fenômenos circundantes são vários e os dados não são perfeitos: bipolaridade, portanto, nem pensar, não cabe! É desafiante, multi-possível (com permissão de inventar, anarquicamente, alguns termos como este). Alguns “fenômenos circundantes” são bem óbvios e já são observados há algum tempo, embora superficialmente: aspectos musicológicos (naturalmente), somados com históricos, sociais, linguísticos e… matemáticos! Sim, porque quando não se tem todos os registros, arbitra-se pela maioria estatística entre os que se consegue para aproximação da realidade. A matemática é chamada “exata”, mais nada seria mais paradoxal: nela existem limites de funções, números complexos, a própria estatística e outras técnicas que apontam não a realidade exata, “nua e crua”, mas as melhores aproximações científicas.
Não: não encontrei linguistas dispostos a aceitar o que a musicologia explica (e que o curioso aqui, modestamente, sabe alguma coisa por ter cerca de 45 anos de vivência atenta). Também não achei muitos musicólogos que estariam tão dispostos a estudar hipóteses de outras ciências, sobretudo acatar História e Sociologia como fundamental em suas equações investigativas (e dá trabalho). Sobretudo, não encontrei ninguém que apresentasse um banco de dados amplo, sem preconceitos, sem bipolaridades e organizado cronologicamente (que é o que se entende que apontaria a Metodologia Dialética).
Na real? Um monte de cientistas brilhantes, mas ensimesmados nas próprias Ciências, culturas e épocas. E quase nenhum sabe nada sobre violas dedilhadas… A solução foi pegar um pouquinho de cada um, pois não é de se desperdiçar tanto conhecimento, talento e dedicação deles.
Por isso, ciências e entendimentos enferrujados a mim não serviriam, individualmente, mas pego um pouco de cada um. Só se (ou quando) se evolui a partir deles, abrindo ao máximo o compartilhamento com outras ciências e visões, passam a valer. Ou, talvez, possa eu mesmo inventar uma nova ciência (ou técnica)? Aí já parece gaiatice de primeiro de abril…
O curioso aqui escreve textos, poemas, música na pauta e sem ela, toca um pouco de vários cordofones, lê fluentemente em algumas línguas, entende um pouco de matemática que estudou parcialmente na faculdade, estuda história e sociologia… Lê e estuda feito louco. Na verdade, estudo sobre muita coisa como um maluco e sou anarquista por natureza. Só isso”.
É isso, foi este o texto brincalhão de 01/01/2023. Agora, se nossa postulação séria for aprovada por “pares” da Ciência (professores doutores de Universidades), serão outras prosas… Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando!
(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, do qual elabora aprofundamentos às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).
Principais fontes, centralizadoras de centenas pesquisadas:
ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG – Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.
FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to Researchers. Revista da Tulha, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286