25 Out, 2024

A LUA E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

A LUA E A VIOLA

A noite no sertão é um espetáculo à parte, e a lua, sempre imponente, reina absoluta no céu. 

Dizem que quando ela está cheia, a paisagem ganha outra vida, como se a luz prateada despertasse memórias antigas. 

As histórias que rondam a lua, em noites assim, são tantas quanto as estrelas que brilham ao seu redor.

Sentado na varanda, com a viola em mãos, o velho Zé olhava para o céu e se lembrava das histórias que seu pai contava. 

Havia lendas de lobisomens que corriam soltos pelos campos, com o brilho lunar iluminando suas transformações. 

As crianças da vizinhança tinham medo, mas Zé? Zé sempre soube que a lua não era só isso.

“É verdade que tem lobisomem, mas a lua é muito mais do que isso”, ele pensava enquanto dedilhava sua viola. 

A lua, afinal, também era cúmplice das grandes paixões. 

Foi sob a sua luz que ele viu pela primeira vez Maria, a menina mais bonita do vilarejo. 

O brilho no rosto dela naquela noite parecia ser parte da própria lua, e desde então, todas as vezes que Zé cantava, ele sentia que a lua e sua viola conversavam em segredo.

A lua, pensava ele, guarda mistérios. 

De dia, ela desaparece, quase como se não quisesse ver o que acontece no mundo. 

Mas à noite, ela reaparece, brilhando para iluminar tanto os medos quanto os sonhos. 

Assim como a viola que, nas mãos certas, conta histórias de dor e alegria, a lua também sabe de todos os segredos.

Era engraçado como a viola e a lua tinham tanto em comum. 

Ambas silenciosas, mas capazes de falar direto ao coração. 

Zé acreditava que toda vez que ele tocava, a lua também ouvia, quem sabe até chorava, iluminando o sertão com sua melancolia suave.

E assim, naquela noite, enquanto as histórias assustadoras continuavam a rondar os ouvidos mais jovens, Zé, com sua viola, cantava uma moda de amor para a lua. 

Afinal, era ela que sempre acompanhava os apaixonados e os solitários. A lua e a viola, dois mistérios antigos que, juntos, transformavam qualquer noite no sertão em pura poesia.

THE MOON AND THE VIOLA

The countryside night is a show of its own, and the moon, always majestic, reigns supreme in the sky. 

They say that when it’s full, the landscape transforms, as if the silver light awakens old memories. 

The stories that surround the moon on nights like these are as many as the stars that sparkle around her.

Sitting on the porch with his viola in hand, old Zé, a countryman at heart, looked up at the sky, recalling the tales his father once told him. 

There were legends of werewolves running wild through the fields, with the moonlight illuminating their transformations. 

The children in the village feared those stories, but Zé? Zé always knew the moon was more than that.

“Sure, there may be werewolves, but the moon is much more than that,” he thought as he strummed his viola. 

The moon, after all, was also a partner in great romances. It was under her light that he first saw Maria, the prettiest girl in town. 

Her face seemed to glow that night, almost as if the moon herself had blessed it, and ever since, every time Zé played, he felt as if the moon and his viola shared a secret.

The moon, he thought, holds many mysteries. 

By day, she hides away, almost as if she doesn’t want to see what happens on Earth. But at night, she reappears, shining down to illuminate both fears and dreams. 

Just like the viola, which in the right hands, tells stories of sorrow and joy, the moon, too, knows all the secrets.

It was funny how much the viola and the moon had in common. 

Both were silent but spoke straight to the heart. Zé believed that every time he played, the moon was listening, maybe even shedding a tear, lighting up the countryside with her gentle sadness.

And so, that night, while the scary stories continued to stir the younger ones, Zé, with his viola, sang a love ballad to the moon. 

After all, it was she who always accompanied both the lonely and the lovers. The moon and the viola—two ancient mysteries that, together, turned any night in the countryside into pure poetry.

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18 Out, 2024

O SONHO DE UM RANCHINHO

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O SONHO DE UM RANCHINHO

Há dias em que sinto que o mundo pede uma pausa. 

Nesses momentos, imagino uma vida mais tranquila, longe da correria, em um ranchinho simples, cercado pela natureza. 

Um pedaço de terra onde o verde das árvores e o murmúrio de um rio corrente trazem paz. 

A vida ali seria feita de gestos cotidianos, como observar o vento nas folhas ou ouvir o canto dos pássaros no quintal.

À beira da mata, o ranchinho seria modesto, mas carregado de significado. 

As árvores copadas formariam sombras largas, onde os canários fariam seus ninhos. 

Ali, o tempo passaria devagar, ao ritmo das estações, como se o relógio respeitasse a vida que brota da terra. 

Dentro do rancho, uma viola de pinho, pendurada junto à parede, esperaria as tardes em que, ao final do trabalho, eu me sentaria para dedilhar suas cordas e deixar a melodia conversar com a alma.

Esse sonho seria incompleto sem a presença de uma companheira. 

Penso em Maria, uma mulher simples, mas de olhar forte, que conhece cada canto desse sertão como se fizesse parte dele. 

Com ela, a vida ganharia outro sentido. Juntos, compartilharíamos a fé, com um pequeno oratório que nos lembraria da importância de agradecer, mesmo pelas coisas mais simples.

A felicidade, eu sei, mora nesses detalhes: na sombra de uma árvore, no canto de um pássaro, no olhar de quem está ao nosso lado. 

E, assim, nesse ranchinho perdido no sertão, eu encontraria o que tanto procuro – um lugar onde a vida, embora simples, seria completa.

English

THE DREAM OF A LITTLE RANCH

There are days when the world asks for a pause. In those moments, I imagine a simpler life, far from the rush, in a humble little ranch surrounded by nature. 

A piece of land where the green trees and the murmur of a flowing river bring peace. 

Life there would be made of everyday gestures, like watching the wind play with the leaves or listening to the birds sing in the yard.

At the edge of the forest, the ranch would be modest but full of meaning. 

The tall trees would offer generous shade, where the canaries would build their nests. 

Time would move slowly there, in rhythm with the seasons, as if the clock respected the life that grows from the earth. Inside the ranch, a pinewood guitar would hang on the wall, waiting for the evenings when, after a day’s work, I would sit and strum its strings, letting the melody converse with my soul.

This dream would be incomplete without the presence of a companion. 

I think of Maria, a woman with a serene yet strong gaze, who knows every corner of this countryside as if she were part of it. 

With her, life would take on another meaning. Together, we would share our faith, with a small oratory reminding us to be grateful, even for the simplest things.

Happiness, I know, lives in those details: in the shade of a tree, in the song of a bird, in the gaze of someone by your side. 

And so, in this little ranch lost in the countryside, I would find what I’ve been searching for—a place where life, though simple, would be complete.

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CRÔNIAS DO VIOLA

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11 Out, 2024

O CARREIRO E A VIOLA

“Crônicas do Viola,” de André Viola.

O CARREIRO E A VIOLA

Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som ritmado das rodas do carro de boi que rangiam lentamente na estrada de terra. O carreiro Zé Vicente, velho conhecido da região, vinha conduzindo seu carro de boi com a destreza de quem já havia passado por muitos caminhos. Seu chapéu de palha sombreava o rosto marcado pelo tempo, e o olhar atento aos bois que o obedeciam sem pressa.

Ao chegar à casa de pau a pique, simples e aconchegante, Zé Vicente saltou do carro, desatrelou os bois e os deixou no pasto para descansar. Era o momento mais esperado do dia: a cantoria na varanda. Toda noite, depois da lida, os vizinhos se reuniam ali para contar causos e tocar viola. Não era diferente naquela noite, e logo as cadeiras de madeira começaram a ser ocupadas.

“Ô Zé, como foi o dia?” perguntou João, o vizinho que nunca perdia uma roda de prosa.

“Ah, foi bom! Mais uma vez, levei a carga pra cidade, mas no meio do caminho, o carro atolou numa poça que não acabava mais. E foi com a ajuda da viola que resolvi o problema!”, respondeu Zé, com um sorriso que já entregava a história engraçada que estava por vir.

Todos riram, curiosos para entender como a viola teria ajudado a desatolar o carro de boi. “Explica isso direito, Zé!”, pediu dona Maria, sentada num banquinho com o olhar atento.

Zé pegou a viola que estava encostada na porta e, com os dedos calejados, dedilhou um acorde suave, enquanto começava a contar:

“Pois bem, já era meio-dia e o sol queimava, o carro estava enterrado até o eixo. Os bois não conseguiam tirar o carro da lama. Então, resolvi descansar um pouco e, pra aliviar a cabeça, tirei a viola do carro. Comecei a tocar um modão de antigamente, daqueles que os mais velhos cantavam. Os bois, que até então estavam parados, começaram a mexer as orelhas, pareciam atentos ao som. Quanto mais eu tocava, mais eles se agitavam.”

A cantoria na varanda ficou em silêncio, todos atentos à narrativa.

“Foi então que, não é que os danados dos bois começaram a puxar o carro devagarinho, sem eu nem mandar? Eu tocava a viola e eles puxavam, até que o carro saiu da lama como se nada tivesse acontecido!”

Todos explodiram em risadas e aplausos, enquanto Zé Vicente puxava mais um acorde, dessa vez alegre e animado. A viola parecia ter ganhado vida própria naquela história, se tornando cúmplice do carreiro e seus bois.

A noite seguiu com música e histórias, relembrando o passado, quando o tempo corria mais devagar e as dificuldades da vida no campo eram superadas com a simplicidade e o bom humor. E, assim como o carro de boi, a viola também levava adiante as memórias de um tempo em que tudo parecia ser resolvido ao som de uma boa moda de viola.

English

THE OX CART DRIVER AND THE VIOLA

It was late afternoon on the farm, the sun painting the horizon with shades of orange and red, and the calm of the countryside was broken only by the rhythmic sound of the ox cart wheels creaking slowly along the dirt road. Zé Vicente, a well-known cart driver in the region, was steering his ox cart with the skill of someone who had traveled many paths. His straw hat shaded a face weathered by time, his gaze fixed on the oxen that obeyed without haste.

Upon reaching his simple and cozy mud-brick house, Zé Vicente jumped down from the cart, unhitched the oxen, and let them rest in the pasture. It was the most awaited time of the day: the evening singalong on the porch. Every night, after a day’s work, neighbors gathered there to tell stories and play the viola. That night was no different, and soon the wooden chairs began to fill.

“Hey Zé, how was your day?” asked João, the neighbor who never missed a chance to join the evening chat.

“It was good! Once again, I delivered the load to the city, but on the way, the cart got stuck in a mud hole. And it was with the help of the viola that I solved the problem!” Zé replied with a smile, already hinting at the funny story that was about to be told.

Everyone laughed, curious about how the viola could have helped to get the ox cart unstuck. “Explain that right, Zé!” urged Dona Maria, seated on a stool, eyes full of anticipation.

Zé picked up the viola that was leaning against the door and, with his calloused fingers, played a soft chord as he began to explain:

“Well, it was around noon, and the sun was blazing hot. The cart was buried up to the axle, and the oxen couldn’t get it out of the mud. So, I decided to rest a bit and clear my head. I pulled out the viola from the cart and started playing an old tune, one of those the elders used to sing. The oxen, which had been standing still, began twitching their ears, as if they were listening to the sound. The more I played, the more they stirred.”

The singalong on the porch fell silent as everyone focused on the story.

“Then, believe it or not, the darned oxen started pulling the cart, slowly, without me even giving them the order! I kept playing the viola, and they kept pulling, until the cart came right out of the mud as if nothing had happened!”

Everyone burst out laughing and clapping, while Zé Vicente strummed another chord, this time more joyful and upbeat. In that story, the viola seemed to take on a life of its own, becoming a companion to the cart driver and his oxen.

The night continued with music and stories, reminiscing about the past, when life in the countryside moved at a slower pace and hardships were overcome with simplicity and good humor. And just like the ox cart, the viola carried forward the memories of a time when everything seemed to be resolved with the sound of a good old-fashioned tune.

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