INFANCIA NA ROÇA
“Crônicas do Viola,” de André Viola.
INFANCIA NA ROÇA
Na roça, cada dia é uma aventura para as crianças, um misto de curiosidade e liberdade que só quem viveu entende.
O amanhecer, com o cheiro de café fresco invadindo a cozinha, era o convite perfeito para começar a explorar o mundo lá fora.
Os primeiros passos do dia nos levavam ao curral, onde queríamos entender como o leite chegava à mesa.
“Por que a vaca tem que ser ordenhada todo dia, tia?” – perguntávamos, fascinados. Mas bastava uma ordem rápida:
“Não fica muito perto, menino, que a vaca chuta!”
E lá íamos nós para o pomar, cada um com um embornal improvisado, cheios de manga, goiaba e jabuticaba, numa coleta que mais parecia um banquete clandestino.
No terreiro, a criançada se juntava.
Todos queriam desvendar os mistérios da natureza.
Por que o rio corre? De onde vem as nuvens? Quem inventou o trovão?
E lá íamos, com pés descalços, subindo morros e descendo ladeiras, construindo histórias em cada trilha e nomeando cada pedra que parecia especial. Havia um velho poço abandonado que dizia-se ser assombrado, e é claro que, mesmo com medo, ninguém queria ficar de fora das investigações.
Na cozinha da avó, o cheiro de especiarias aguçava outra curiosidade.
Era difícil decidir o que era melhor: o biscoito de polvilho quentinho, o doce de leite cremoso ou o pão de queijo saído do forno a lenha.
“Posso ajudar a mexer o tacho, vó?” – pedíamos, mesmo sabendo que seria só para olhar e, quem sabe, lamber a colher de pau no final.
E quando os adultos trabalhavam na lavoura ou cuidavam dos bichos, o desejo de participar crescia.
“Posso segurar a enxada? Me deixa levar o balde d’água!” Às vezes, conseguíamos pequenas tarefas, só para nos sentirmos grandes.
Era uma conquista enorme fazer algo tão simples como jogar milho para as galinhas ou ajudar a plantar uma muda.
À noite, depois de tantas aventuras, o céu estrelado era palco para mais perguntas.
“Será que a estrela cadente realiza mesmo desejos? Por que a Lua muda de forma?”
A resposta vinha na voz calma dos mais velhos, que contavam histórias tão mágicas quanto o dia que tivemos.
Viver na roça era isso: um convite constante a perguntar, aprender e se deslumbrar.
Cada canto guardava um mistério, cada tarefa trazia um desafio, e cada refeição era uma celebração do simples e do puro.
Uma infância assim deixa saudade e molda a alma, como um fruto bem cuidado que cresce forte e doce.
CHILDHOOD IN THE COUNTRYSIDE
In the countryside, every day is an adventure for children—a mix of curiosity and freedom that only those who have experienced it can truly understand. The morning begins with the aroma of freshly brewed coffee wafting through the kitchen, a perfect invitation to explore the world outside.
The first steps of the day would lead us to the cattle pen, where we wanted to understand how milk made its way to the table.
“Why does the cow need to be milked every day, Auntie?” we’d ask, fascinated.
But a quick warning—“Don’t get too close, kid, the cow might kick!”—would soon send us running to the orchard.
Each of us carried an improvised bag, filling it with mangoes, guavas, and jabuticabas, turning our harvest into an impromptu feast.
In the courtyard, the children gathered, eager to uncover the mysteries of nature. Why does the river flow? Where do clouds come from?
Who invented thunder?
Barefoot and fearless, we trekked up hills and down valleys, weaving stories along the trails and naming every special stone we found.
There was an old abandoned well rumored to be haunted, and, of course, despite our fear, no one wanted to miss the chance to investigate.
In Grandma’s kitchen, the smell of spices sparked another kind of curiosity.
It was hard to pick a favorite: the warm cassava cookies, the creamy dulce de leche, or the cheesy bread fresh from the wood-fired oven.
“Can I help stir the pot, Grandma?” we’d ask, knowing that we’d probably just get to watch—and maybe lick the spoon at the end.
When the adults worked in the fields or tended the animals, our desire to participate grew.
“Can I hold the hoe? Let me carry the water bucket!” Sometimes, we’d earn small tasks, just enough to feel important.
Feeding the chickens or planting a sapling felt like monumental achievements.
At night, after so many adventures, the starry sky became the stage for even more questions.
“Do shooting stars really grant wishes? Why does the Moon change shape?”
The answers came in the calm voices of the elders, sharing tales as magical as the day we had just lived.
Life in the countryside was like that—a constant invitation to question, learn, and marvel.
Every corner held a mystery, every task brought a challenge, and every meal was a celebration of simplicity and purity.
A childhood like this leaves a longing and shapes the soul, like a well-tended fruit that grows strong and sweet.