O CARREIRO E A VIOLA
“Crônicas do Viola,” de André Viola.
O CARREIRO E A VIOLA
Era fim de tarde na roça, o sol tingia o horizonte de laranja e vermelho, e a calmaria do campo era quebrada apenas pelo som ritmado das rodas do carro de boi que rangiam lentamente na estrada de terra. O carreiro Zé Vicente, velho conhecido da região, vinha conduzindo seu carro de boi com a destreza de quem já havia passado por muitos caminhos. Seu chapéu de palha sombreava o rosto marcado pelo tempo, e o olhar atento aos bois que o obedeciam sem pressa.
Ao chegar à casa de pau a pique, simples e aconchegante, Zé Vicente saltou do carro, desatrelou os bois e os deixou no pasto para descansar. Era o momento mais esperado do dia: a cantoria na varanda. Toda noite, depois da lida, os vizinhos se reuniam ali para contar causos e tocar viola. Não era diferente naquela noite, e logo as cadeiras de madeira começaram a ser ocupadas.
“Ô Zé, como foi o dia?” perguntou João, o vizinho que nunca perdia uma roda de prosa.
“Ah, foi bom! Mais uma vez, levei a carga pra cidade, mas no meio do caminho, o carro atolou numa poça que não acabava mais. E foi com a ajuda da viola que resolvi o problema!”, respondeu Zé, com um sorriso que já entregava a história engraçada que estava por vir.
Todos riram, curiosos para entender como a viola teria ajudado a desatolar o carro de boi. “Explica isso direito, Zé!”, pediu dona Maria, sentada num banquinho com o olhar atento.
Zé pegou a viola que estava encostada na porta e, com os dedos calejados, dedilhou um acorde suave, enquanto começava a contar:
“Pois bem, já era meio-dia e o sol queimava, o carro estava enterrado até o eixo. Os bois não conseguiam tirar o carro da lama. Então, resolvi descansar um pouco e, pra aliviar a cabeça, tirei a viola do carro. Comecei a tocar um modão de antigamente, daqueles que os mais velhos cantavam. Os bois, que até então estavam parados, começaram a mexer as orelhas, pareciam atentos ao som. Quanto mais eu tocava, mais eles se agitavam.”
A cantoria na varanda ficou em silêncio, todos atentos à narrativa.
“Foi então que, não é que os danados dos bois começaram a puxar o carro devagarinho, sem eu nem mandar? Eu tocava a viola e eles puxavam, até que o carro saiu da lama como se nada tivesse acontecido!”
Todos explodiram em risadas e aplausos, enquanto Zé Vicente puxava mais um acorde, dessa vez alegre e animado. A viola parecia ter ganhado vida própria naquela história, se tornando cúmplice do carreiro e seus bois.
A noite seguiu com música e histórias, relembrando o passado, quando o tempo corria mais devagar e as dificuldades da vida no campo eram superadas com a simplicidade e o bom humor. E, assim como o carro de boi, a viola também levava adiante as memórias de um tempo em que tudo parecia ser resolvido ao som de uma boa moda de viola.
English
THE OX CART DRIVER AND THE VIOLA
It was late afternoon on the farm, the sun painting the horizon with shades of orange and red, and the calm of the countryside was broken only by the rhythmic sound of the ox cart wheels creaking slowly along the dirt road. Zé Vicente, a well-known cart driver in the region, was steering his ox cart with the skill of someone who had traveled many paths. His straw hat shaded a face weathered by time, his gaze fixed on the oxen that obeyed without haste.
Upon reaching his simple and cozy mud-brick house, Zé Vicente jumped down from the cart, unhitched the oxen, and let them rest in the pasture. It was the most awaited time of the day: the evening singalong on the porch. Every night, after a day’s work, neighbors gathered there to tell stories and play the viola. That night was no different, and soon the wooden chairs began to fill.
“Hey Zé, how was your day?” asked João, the neighbor who never missed a chance to join the evening chat.
“It was good! Once again, I delivered the load to the city, but on the way, the cart got stuck in a mud hole. And it was with the help of the viola that I solved the problem!” Zé replied with a smile, already hinting at the funny story that was about to be told.
Everyone laughed, curious about how the viola could have helped to get the ox cart unstuck. “Explain that right, Zé!” urged Dona Maria, seated on a stool, eyes full of anticipation.
Zé picked up the viola that was leaning against the door and, with his calloused fingers, played a soft chord as he began to explain:
“Well, it was around noon, and the sun was blazing hot. The cart was buried up to the axle, and the oxen couldn’t get it out of the mud. So, I decided to rest a bit and clear my head. I pulled out the viola from the cart and started playing an old tune, one of those the elders used to sing. The oxen, which had been standing still, began twitching their ears, as if they were listening to the sound. The more I played, the more they stirred.”
The singalong on the porch fell silent as everyone focused on the story.
“Then, believe it or not, the darned oxen started pulling the cart, slowly, without me even giving them the order! I kept playing the viola, and they kept pulling, until the cart came right out of the mud as if nothing had happened!”
Everyone burst out laughing and clapping, while Zé Vicente strummed another chord, this time more joyful and upbeat. In that story, the viola seemed to take on a life of its own, becoming a companion to the cart driver and his oxen.
The night continued with music and stories, reminiscing about the past, when life in the countryside moved at a slower pace and hardships were overcome with simplicity and good humor. And just like the ox cart, the viola carried forward the memories of a time when everything seemed to be resolved with the sound of a good old-fashioned tune.