LACUNAS – de DEBUSSY a TIÃO CARREIRO

“O Pagode de Viola, afluente recente e ladino, é enxerto repicado, chibatado e trepidante do Recortado com o Cururu, admirável pelos ornamentos veementes e sensacionais da viola, tendo os toques secos e desencontrados de violão no contratempo.”

(Romildo Sant’Anna, em A Moda é Viola – Ensaio do Cantar Caipira, 3ª ed., 2015)

            Viola, Saúde e Paz!

            Começamos do final para não precisar explicar depois, aos que ainda não souberem, o que seria um “Pagode de Viola”. A boa definição, que apontamos em destaque, também nos serve para homenagear um dos nossos maiores ídolos brasileiros em termos de pesquisas sobre violas: o escritor, jornalista e pesquisador “Romildo Sant’Anna” (para os íntimos), mas sem esquecer que ele é mestre em linguística, doutor em teoria literária e livre docente em literatura comparada. Sua “obra-master”, A Moda é Viola, teve primeira edição no ano de 2000, e tivemos contato com ela e seu autor a partir de 2016. É daquelas obras que indicamos com ênfase, por ser difícil encontrar nela alguma colocação sem fartas e precisas referências… Nós até conseguimos localizar algumas poucas lacunas, mas é porque somos chatos, obsessivos, “exaustivos” mesmo (em todas as acepções da palavra): desafiamos outros que também sejam capazes de encontrar “links quebrados” neste livro – até porque o Dr. Sant’Anna costuma publicar revisões periódicas, que trazem também muitos conteúdos complementares. Salve engano, já chegaram a cinco reedições – mas que, de qualquer forma (e festejamos por isso), é “por enquanto”, pois o homem não pára! Bom seria fossem todos assim…

            Durante as pesquisas históricas sobre violas, é quase impossível não inserirmos visões sobre teoria musical – atreladas à História, linguística, estatística e outras ciências – como fizemos no livro A Chave do Baú. E é o que continuamos em Brevis Articulus como este, quando levantamos a questão: haveria qualquer ligação possível entre o músico francês Claude-Achille Debussy (1862-1918) e o violeiro mineiro José Dias Nunes “Tião Carreiro” (1934-1993) – ou entre os estilos que representaram?

Precisamos (e queremos) aproveitar para dar outros dois créditos: primeiro, que nos inspiramos em recente resumo sobre o assunto que fizemos em postagem Facebook do amigo e “sócio” Aurélio Miranda, do Matogrosso do Sul; e, para não mentirmos sozinhos, credibilizamos atualizações sobre estudos e fofocas musicais ocidentais contemporâneas com o super competente mestre Matheus Bitondi, de São Paulo (este último, candidatíssimo ao Prêmio Nobel da Paciência, por sempre nos atender em nossas inortodoxas demandas, sejam músicais, linguísticas, acadêmicas, o que for… acho que se consultarmos até sobre ufologia ele atende).   

Já que começamos do final, seguiremos nossa viagem nesse “trem” de trás pra frente mesmo: segundo o sítio oficial apoiado pela família do artista, Tião Carreiro teria inventado o tal Pagode de Viola em 1959. Coincidênca ou não, este criativo e marcante toque de viola teria surgido, então, logo em seguida a uma verdadeira revolução acontecida na música brasileira: a bossa-nova, muito marcada por um também “toque diferente”, só que ao violão, trazido a público com estrondoso sucesso a partir de 1958 pelo baiano João Gilberto (1931-2019). Só em 1958, a emblemática interpretação ao violão da música Chega de Saudade (de Jobim e Vinícius) teve duas gravações, a segunda delas cantada pelo próprio João, de maneira bastante inusitada – e a reação positiva da crítica e do público foi enorme, como ainda é, até os dias atuais.

Além de terem sido duas “maneiras diferentes de tocar”, criadas e lançadas na mesma época, via cordofones populares, destacamos entre as possíveis coincidências que quem teria ajudado a dar nome ao novo toque de Tião, além de ter sido autor de duas entre as primeiras composições gravadas sobre o novo ritmo (Pagode e Pagode em Brasília, ambas em 1959), foi o paulista Teddy Vieira (1922-1965). Teddy, à época, era diretor na gravadora de Tião, a Chantecler – ou seja, talvez possa ter sido mais do que uma simples coincidência, não?

Será que um diretor de uma grande gravadora teria percebido que um novo ritmo estava a balançar as estruturas da música brasileira, já então com reflexos até no exterior, e assim teria resolvido dar ideia de se inventar também um novo ritmo para a viola, com objetivo de faturar algum também, com a nova onda, a nova bossa?

Não temos como provar, mas entendemos que, sendo um bom diretor como parece ter sido, é bem possível que Teddy e sua equipe tenham pensado exatamente isso. Assim como, quando o hoje chamado “sertanejo universitário” começou a fazer sucesso (alguns anos mais tarde, no início da década de 1970), a mesma gravadora teria investido ainda mais na viola, para rivalizar com as guitarras em ascensão, que rapidamente se tornaram sucesso de vendas. Terão também passado a divulgar com grande ênfase o nome “viola caipira” (pouco usado até então), para aproveitar a já comprovadamente lucrativa sugestão de ligação com uma cultura ancestral. E ainda fortaleceram a divulgação empareada da “viola caipira que toca pagode de viola”, que sabemos, gera bons dividendos até os dias atuais. Já destas ações a partir da década de 1970, que apontam um olhar comercial bem atento da mesma gravadora e envolvendo o mesmo artista, podemos apontar com centenas de referências de época.

Deixamos perguntas e apontamos centenas de dados e registros para cada um poder pensar a respeito, se quiser. Até onde entendemos, este tipo de demonstração baseada em dados e fatos não é teorizar, e não teria sido apresentado assim por ninguém antes – e exatamente porque isso que pesquisamos e trazemos a público.

Musicalmente (quer dizer, “com base em teoria musical”), o Pagode de Viola teria alguma coisa a ver com a bossa-nova? Hum… Nunca vimos ninguém falar nada assim também, será que devemos nos atrever? Claro que sim!

Observemos que, pela definição em destaque, faz parte da origem do Pagode de Viola alguns “contratempos ao violão” – um tipo de toque hoje conhecido como Cipó Preto. Trata-se, como bem apontou nosso ídolo Romildo, de acentos (ou “ataques”, ou “toques secos”) dos acordes do violão nos chamados “tempos fracos” dos compassos, caracterizando assim os chamados “contratempos”, para ser fiel à nomenclatura usada – não conseguimos evitar a citação de fontes, pedimos desculpas por isso. A “criação”, ou “adequação ao toque da viola” do tal Cipó Preto (embora sem que tenha sido ele a dar este nome) é requisitada pelo maestro Itapuã Ferrarezi, que assume que teria sido inspirado na Rumba (segundo entrevista concedida a Roberto Corrêa) – mas, na verdade, este tipo de acento deslocado é observado tanto em rumbas, quanto em reggaes e até em xotes e lundus, mesmo quando executados por outros instrumentos, não violões, especificamente. Só chamamos atenção que guardem na memória: é observado em ritmos que apontam ter tido origens na música africana.   

Ora… Quais teriam sido as novidades que João Gilberto apresentou? Qual teria sido essa tal de “bossa” nova? Pelo que pesquisamos, estariam entre as “novidades” o deslocamento de ataque, de acordes e do canto, no ritmo base (que seria o samba, outro ritmo de origem africana). Não são coincidências interessantes? Ah, sim, não podemos esquecer: o Pagode de Viola também segue, de forma geral, a “linha mestra” rítmica do samba, chamada popularmente de “sincopada”, embora a definição téorica de síncope não seja exatamente o que mais caracteriza o samba. “Sincopado”, no caso, é mais no sentido de “desencontrado” mesmo. E também não podemos deixar de observar que o nome “pagode” sempre teria sido, desde bem antes de 1959, o nome dado a reuniões de pessoas para tocar, cantar e dançar. Nestas reuniões se tocaria “samba”, segundo os cariocas, com certa razão – mas como bons mineiros que somos, sabemos que em Minas Gerais, inclusive na região onde Tião Carreiro nasceu, se tocava em reuniões similares um ritmo ainda chamado de “batuque” (que, infelizmente, está quase a cair em desuso).

Sim: o mesmo nome “batuque”, largamente citado, por exemplo, por exploradores estrangeiros em várias regiões do Brasil, no início do século XIX: um ritmo embasado harmonicamente em pequenos cordofones, chamados de “machinho”, “machete” ou… “violas”! Alguns cariocas e seguidores fiéis costumam afirmar que a reunião (e o ritmo, e a dança) já eram chamados de “pagode” desde os primórdios, mas a verdade, segundo os registros, é que o nome teria sido “batuque” (ou baduca, e outras variações próximas, nos textos em línguas estrangeiras). Algumas vezes, conforme menor número de registros, “lundum” ou similar teria sido usado com os mesmos significados (dança, do ritmo, reunião), mas “pagode”, sem dúvida, é um termo bem mais moderno.  

Pedimos desculpas mesmo, mas não conseguimos deixar de citar fatos e dados comprováveis, de época: por favor, sejam misericordiosos com esta nossa fraqueza… É que sempre optamos por “referenciar a História”, ao invés de inventar histórias.

Também não nos fugiu à observação que, na verdade, a técnica de João Gilberto teria registros anteriores: há grande similaridade com contratempos que o paraibano José Gomes Filho “Jackson do Pandeiro” (1919-1982) já teria trazido a público desde 1953, com músicas como Forró em Limoeiro e Sebastiana – esta última, onde o mote-refrão é exemplo claro de contratempos: “… e gritava a, é, i, ó, u, ipisilone…”. Se tiver dúvida, cada letra do “a-e-i-o-u” aponta exatamente o espaço entre os tempos da música, que dão a sensação de “desencontro” (do canto com o acompanhamento).  

Sim, Jackson do Pandeiro também chamou a atenção da crítica e do público na época, por seu talento. Não tanto quanto a bossa-nova depois chamaria, alavancada pelo interesse carioca explícito em apoiar, mas chamou. A diferença técnica é que Jackson dividia os acentos com as notas cantadas – já João Gilberto, também nordestino, os dividia pelo canto (que fazia questão de interpretar mais retilíneo e com volume baixo, mas isso não interfere na acentuação rítmica em relação aos tempos do compasso), mas também “redividia” usando os acordes, atrasando ou antecipando os ataques deles com relação ao que é o mais convencional, sem desencontros (que é aplicar os acordes nas chamadas “cabeças dos tempos”). João Gilberto não fazia acentos constantemente com os acordes, como um “Cipó Preto”, mas aqui e ali, “caía” com eles “fora do tempo”, para dar brilho e caracterizar sua interpretação.   

Outra característica marcante de João Gilberto foi a utilização de acordes considerados mais sofisticados, com escalas e intervalos tipicamente utilizadas pelos jazzistas – assim como também fez muito outro grande nome da bossa-nova, o carioca Tom Jobim (1927-1994. Jobim assinou os primeiros sucessos lançados por João Gilberto, que não apresentava composições próprias – mas de bobo não tinha nada, e conseguiu a simpatia do já reconhecido Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Que Jobim estudava Debussy e muito jazz, até poderíamos demonstrar, mas ainda é cedo para chegar lá – e fugiria um pouco do tema aqui.

Quanto às harmonias, o Pagode de Viola (lançado a partir de composições autorais), se atém mais, até hoje, a acordes mais simples, “caretas”, às vezes apenas com as principais três notas básicas, que inclusive equivalem às notas das cordas soltas, das afinações mais usadas em violas (1ª, 3ª e 5º notas da escala maior tonal, ou seja, intervalos de terças e de quinta). Estas três notas, emitidas juntas, é o mínimo exigido para caracterizar o que Caetano chamou de “acorde perfeito maior” e é por isso que afinações como a da maioria das violas é chamada “aberta” (abertas – quer dizer, soltas – elas já partem de um acorde maior). Isso é bem básico, bem diferente dos tetracordes e acréscimos jazz-bossa-novísticos…

Não podemos deixar de notar que no Pagode de Viola há uma repetição bem característica, baseada em dois acordes (“graus V-I” ou “dominante-tônico”, segundo as teorias da chamada Harmonia Funcional). Coincidência ou não, o mesmo tipo de estrutura, com apenas estes dois tipos de acordes, é a fundamentação de outro ritmo que citamos, o tal “batuque mineiro” – mas também aparece em diversos ritmos mais simples, antigos e até considerados folclóricos, como o cururu citado por Romildo, no destaque de abertura.

Outro acréscimo (ou anexação) que ocorre no Pagode é o recortado – técnica que consiste em abafar as cordas com a mão que comanda o ritmo (não a que desenha os acordes) e que, no caso, marca, no toque da viola, exatamente o tempo forte e a síncope (ou contratempo) logo em seguida. Nesta repetição “interlúdica” do Pagode, marca também a troca entre os dois acordes da viola; diferente do Cipó Preto feito ao violão, a troca de acordes na viola acontece bem na chamada “cabeça” dos tempos (sem desencontros).  

Uma coincidência interessante, mas apenas porque ilustra este nosso texto, onde tanto falamos de “tempos fortes e contratempos”… Caso tenha dificuldade de entender, observe atentamente quando acontecem os grupos de quatro recortados ou “abafados de mão” num Pagode de Viola (é fácil perceber o “tchapt-tchapt”): se estiver bem tocado, o primeiro recorte é no tempo 1; o segundo, entre os tempos 1 e 2; o terceiro, no tempo 3 (vai perceber que o acorde muda), com o quarto “tchapt” logo a seguir.

Isto, naturalmente, num Pagode tradicional, em 4 tempos, como o samba também é – pois tem um “maluco” por aí… (é nóis mess)… que, apenas como exercício, compôs um “pagode ternário”, ou seja, um pagode em três tempos, aplicando recortados entre os tempos 2 e 3… O vídeo, de gravação caseira, se chama “Trepagode” e está em nosso Canal Youtube. E sim, fomos “apredejados pela internet”, por autoproclamados “entendedores e defensores da tradição” – mas não chegou (daquela vez) a sermos ameaçados de morte, então, meno male. A intenção é pura (mas atrevida) de demonstrar que, se Tião criou, outros podem criar, pois os estudos sobre teoria nos habilitam a entender o que foi feito e até tentar ir além. Tentamos fomentar estudos, pois colhemos muito deles. Não “sacaneamos” (por assim brincando dizer), via estes estudos, apenas Tião, como também todos os demais citados neste texto (até Bach!) e vários outros, principalmente pelo que nos revelam e habilitam nossos profundos estudos sobre melodias. Desculpa aí…              

Tecnicamente, no Pagode de Viola há o que chamamos de um “interlúdio de expressão”, fartamente repetido entre estrofes, que estaria entre características que Romildo chamou de “ornamento”. Analisando este tal interlúdio em uma música em tom “Mi maior” [E], o acorde dominante correspondente seria o chamado “Si com sétima menor” [B7]; porém, desde Tião usa-se, ao invés de apenas um acorde, uma variação criativa, onde os dedos ficam deslizando por notas contíguas, mas que pode-se dizer que seja composta de dois acordes relacionados ao B7 convencional: um acorde que seria um “Si com sexta” [B6] e outro, um “Si suspenso com sétima menor” [Bsus4(7)].

Não: provavelmente ninguém nunca tenha citado isso assim antes, pelo menos no que monitoramos das raríssimas análises de formação de acordes publicadas por “violeiros” – mas caso tenha curiosidade em comprovar, apresentamos em nosso Canal Youtube também o vídeo “O mito do Trítono e o Pagode de Viola”, onde demonstramos nota por nota este curioso desenvolvimento, que entendemos possa ter sido criado até instintivamente pelo criativo Tião Carreiro. Descupa aí, mais uma vez…

O que interessa é: até podem não ser intervalos típicos do jazz, como os da bossa-nova – mas alguma sofisticação, mesmo que intuitiva, coincidência ou não também são observadas no Pagode de Viola…         

Os tais intervalos hoje chamados de “típicos de jazz” (ou “escalas do jazz”), eram já famosos na época do lançamento da bossa-nova. Os mais observados seriam o emprego de sétima maior e nona (no acorde tônico), e inserção de nonas, sextas, décimas primeiras e décimas terceiras aos demais acordes. No caso, estas notas “sofisticadas” apareceriam nos solos até improvisados, principalmente dos jazzistas estadunidenses, e foram naturalmente incorporadas aos acordes usados por instrumentistas de harmonia, como o pianista estadunidense Bill Evans (1929-1980). Do jazz, passaram depois a ser usados, tanto os acordes quanto as escalas, em diversos estilos, como no blues e no soul (por lá) e na bossa-nova e na chamada MPB, por aqui. Ninguém nos pergunta, mas em nossa visão, às vezes usa-se demais estas dissonâncias, inserindo tensão onde a música não pede (analisamos tensão e resolução o tempo todo, nas melodias)…  

Mas o que queremos perguntar é: estas escalas, acordes e outras características teriam sido usados pela primeira vez no jazz?

Em nossa última estação deste “trem das lacunas, em marcha-ré”, chegaríamos finalmente à França, do pré-anunciado Debussy. De fato, até Bach já teria utilizado antes, pontual e didaticamente como fazia muito, alguns dos intervalos hoje chamados “típicos do jazz”… poderíamos até apontar alguns exemplos, mas não queremos chocar demais (e teríamos que gastar vários parágrafos sobre nosso ainda desconhecido estudo sobre melodias, o “Cadências Melódicas”).

O fato é que, como pesquisadores atentos e por procuramos nos especializar em melodias, observamos alguns detalhes que não vemos ser comentados por musicólogos e outros curiosos no último século, que se baseiam mais em estudos harmônicos. Sim: “há caroços neste angu” também, mas vamos seguir o tema aqui, sem desviar tanto, pois já estamos a apontar lacunas demais…

Menos complicado de apontar é que já há certo consenso geral, nos estudos ocidentais (segundo Bitondi, o potencial Nobel), que Debussy teria influenciado o jazz, não apenas pelo uso dos tais intervalos, mas pela sua importância na aplicação de “cenas e cores” às composições – ou seja, texturas musicais que teriam surgido no contexto do chamado Impressionismo, período histórico-artístico em que “a arte impressionou o mundo” (desculpem este e outros trocadilhos, é que achamos bem divertido fazê-los). A arte gráfica daquela época, em várias partes do mundo, a partir da França, refletiu (ou foi refletida?) pela sociedade – e a música de Debussy refletiria o Impressionismo também visto em quadros, na moda, etc. Mais uma vez vamos evitar de apontar alguns experimentos similares observados antes em peças de Bach, para não “bach-gunçar” demais a prosa… (ops…).

Deixaremos, porém, como “cereja do bolo”, uma citação que raras vezes vimos ser feita: uma composição de Debussy chamada Golliwog’s Cake Walk, que teria sido criada entre os anos de 1906 e 1908 para sua irmã Claude-Emma – ou “Chou Chou”, para os íntimos. “Golliwog” teria sido um brinquedo da irmã, quando ainda bem pequenina. A música pontua categoricamente a ligação do compositor erudito francês com o Cake Walk, uma dança onde escravizados parodiavam movimentos dos brancos, no ritmo estadunidense chamado ragtime, reconhecidamente precursor e influenciador do jazz. Nem precisávamos apontar registros de época, mas não conseguimos evitar de ir além do que lemos. Aquela música, entre outras, aponta, portanto: influências de música afrodescendente nos trabalhos do francês e que, coincidência ou não, teria depois influenciado (ou “ecoado”, talvez?) na música preta estadunidense, e que por sua vez teria saído a lançar sementes pelo tempo, encontrando ecos em outros estilos pelo mundo.      

No Brasil, não teria sido só no samba e depois na bossa-nova: bem antes a música preta já fazia das boas por aqui, em violas – embora nós, diferente dos estadunidenses, pareçamos ter mais resistência em admitir publicamente esta raiz preta violeira… Mas aí já são outras lacunas, outras prosas…

Muito obrigado por ler até aqui… e vamos proseando!

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro A Chave do Baú é fruto da monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil e do artigo Chronology of Violas according to Researchers).

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JOÃO ARAUJO

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