EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

            Viola, Saúde e Paz!

Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis Articulus uma espécie de “regra” que postulamos cientificamente, a partir de nossos estudos e descobertas. Não: o que dizemos não é confirmado (ainda) por estudos convencionais sobre as palavras como a etimologia (origens), lexicografia (conjunto), filologia (contextos). Nosso estudo é bem específico e aponta que, pelo menos quanto a instrumentos musicais populares, seus nomes (e outras características) na grande maioria das vezes mudam conforme eventos de grande impacto social.

            Sim, são colocações “atrevidas”, pioneiras. Não apenas porque “somos ninguém”, mas também porque estamos a questionar apontamentos de gente muito séria, já de séculos, e não apenas das citadas áreas linguísticas quanto da própria organologia (a parte da musicologia dedicada à classificação dos instrumentos musicais). Carinhosamente até criamos o nome provisório onomato-organologia… Porque vai que um dia possa se tornar mais um ramo de Ciência? Como “pai”, entendemos ter direito de dar nome à criança.

Entretanto, não somos tão “Dom Quixote” (como gosta de brincar o violeiro Gyba Reis): há estudiosos também muito sérios, nestas áreas científicas citadas e em outras, que veem alguns aspectos como nós, como por exemplo, que registros históricos são base fundamental de todo estudo e que é necessário aplicar o máximo de visões diferentes que for possível. Esta última colocação viria desde o filósofo grego Platão, de quem emprestamos a fundamentação metodológica Dialética para nossas colocações. Não estamos no “mundo dos castelos de vento”, e sim com os pés bem firmes no mundo da Ciência, e no que há de mais moderno atualmente.

            Diversidade não falta ao estudo de “instrumentos musicais”: são citados desde os mais remotos registros escritos que se tem notícia (sumérios e gregos) e tem indicação de terem existido desde bem antes, desde o início da Humanidade, segundo desenhos, esculturas e similares. Além disso, apontam terem vindo sempre mudando, nas mãos dos humanos. Daí nossa segurança em apontar que fatos históricos e sociais, juntos, precisam ser confirmados por toda teoria, de qualquer área da Ciência. Se não são confirmados, é “escreveu não leu…” (vocês devem conhecer o ditado popular).

            Só que é complexo… E o ser humano (mesmo os estudiosos) tem tendência a gostar mais de explicações diretas, rápidas, concisas. Ainda mais hoje em dia, quando, se precisar de duas frases para explicar alguma coisa, a maioria já “rola a tela” e vai procurar um meme com gatinhos, não é? Paciência. O fato é que, num buraco que já seria “mais embaixo” (outro ditado popular), mergulhamos até o fundo e ainda escavamos além, buscando o antes, o fundo do mais fundo do buraco.

            Sim, que temos que considerar alguma quantidade de dispersão pela oralidade nos nomes, como em todas as palavras. A escrita já existiria, mas poucos saberiam ler e escrever pelo mundo, nos primeiros séculos, portanto no início a maior parte da transmissão teria se dado “boca-a-boca”. Uma dispersão oral por línguas bem diferentes, como por exemplo as “europeias” e as “árabes”, que inclusive tem alguns sons que um não consegue reproduzir do outro. Este mesmo fato, entretanto, aponta que o comportamento quando aos nomes de instrumentos musicais teria sido diferente dos de outras palavras, embora linguistas parecem nunca ter considerado assim. E pense conosco: por que raios um árabe e um europeu teriam precisado interagir, por que cada um não ficou no seu próprio lugar, falando só nas suas línguas?

Bom, se gosta de respostas simples, aqui tem uma: todas as vezes que interações de povos muito diferentes aconteceram na História da Humanidade foi devido a eventos históricos que causaram impactos nas sociedades como invasões, calamidades e outros. Nas primeiras páginas do livro A Chave do Baú apontamos inclusive um apanhado sobre estes eventos (e os impactos observados em instrumentos musicais).  

Primeiro (e é importante chamar a atenção para isso), não teria sido por coincidência que onde se constatam os mais remotos registros de escrita houve também desenvolvimento maior que nas demais regiões. Sim, pode conferir: quem “escreveu e leu”, aponta também ter feito descobertas e invenções pioneiras como a roda, utilização do fogo e várias outras constatações de desenvolvimento do humano primitivo. E até hoje, onde há mais desenvolvimento, há interesse (inveja?) de outros povos. Sumérios, então, tiveram menos sorte que egípcios: tanto foram invadidos e saqueados até que a civilização foi extinta, restando só o que a arqueologia ainda está a tentar descobrir e traduzir por completo. Entendeu nosso ponto de partida “História e relações Sociais”?

Depois teria havido uma grande interação, com grandes impactos para várias sociedades então distantes e diferentes, mas que não teria sido tão violenta: os fenícios, ali pelo século XVII aC., teriam saído a navegar pelo Mar Mediterrâneo a fora, com fins de comércio. A mistura de línguas foi tão latente que a eles devemos o início de investimento num conjunto de códigos (letras, palavras) que pudesse ser utilizado como padrão, como facilitador das comunicações. Dos fenícios, depois os gregos (já entre os séculos XVIII e II aC.) herdaram o costume de “visitar” as mesmas terras e de querer inventar uma língua mais geral, o que realmente inventaram; isso foi até que um macedônio de sangue mais quente, Alexandre chamado “o grande” (já no século IV aC.) dominou a Grécia e depois partiu para dominar e explorar pela força o que tivesse de valor onde os gregos tinham “visitado” antes. Em seguida, de Alexandre os romanos herdaram a sede de conquistas e do alfabeto grego derivaram o latim, que inclusive tentaram impor a toda a vasta região dominada, esta que ainda aumentaram, sempre buscando “ao infinito e além”.

Pronto: assim tentamos explicar, em palavras simples, porque linguistas classificam como “tronco indo-europeu” línguas tão diferentes, de povos tão distantes, como asiático-árabes (onde ficava a Suméria) e de toda a atual Europa, inclusive seus limites mais longínquos como o Norte (Grã-Bretanha), diversas fronteiras com a Rússia, etc. Para nossos estudos, destaca-se a diferença causada pela maior ou menor influência do tal latim, que subdivide línguas indo-europeias até hoje entre “germânicas” (inglês, alemão, holandês, etc.) e “latinas” (italiano, francês, espanhol, português, etc.).

Os nomes de instrumentos musicais que viajaram com povos diferentes para o território hoje chamado europeu foram sofrendo mudanças por causa das diversas línguas que começariam de fato a progredir só após quedarem livres de Roma (século V), apesar da Igreja Católica ainda ter mantido o latim por praticamente todo o território. Por isso é como já citamos, algumas daquelas línguas foram mais e outras menos influenciadas pelo latim, mas todas foram. E daí, a partir do século VIII, ocorreu mais um evento de grande impacto, a Invasão Moura no território europeu. Esta foi decisiva para nossos estudos, pois levaram cordofones que inspirariam (no contexto histórico-social de reação aos invasores) o surgimento e evolução dos instrumentos europeus.

Para estudar os instrumentos tantos séculos depois, há ainda outro complicador de origem humana: uma mania que as pessoas tem, há séculos, de inventar significados para palavras (às vezes, nem procuram direito algum registro, se a “invenção” for criativa e agradável aos que gostam de respostas fáceis). Já fizemos até um ensaio a respeito, em nosso livro A Chave do Baú: uma série de nomes, de diversas línguas, que com o tempo foram sendo considerados por significados que “parecem muito” terem sido aquilo, vistos séculos depois. Desde Isidoro de Sevilha, no século VI, que apontou alguns significados sem ligação com registros antigos em sua Etymologiarum sive originum (“Etimologias ou Origens”, que conferimos tanto por Lyndsay quanto Gerberto, ver nas referências) até um dos maiores organólogos do mundo até agora, o alemão Curt Sachs, em seu The History of Musical Instruments (“A História dos Instrumentos Musicais”), já na década de 1940. Sachs apontou (à página 274), tradução de pan-tur (cordofone sumério de três cordas, já com braço e caixa de ressonância) como “pequeno arco”, porém, a atestação de instrumentos tocados por arco só viria a ser registrada bem mais tarde pelo mundo. Sachs também foi dos que usaram genéricos como o inglês fidle, o alemão fidel e o latino fidula para descrever todos os instrumentos tocados por arco: estes termos simplesmente não tem registros antes do século IX, de onde viria fidula, do clérigo alemão Otfried de Weissenburg em seu Liber Evangeliorum (“Livro dos Evangelhos”). O problema é que aquela fidula simplesmente não aponta ter sido tocada por arco… Entendeu a bagunça? Chamam os friccionados por arco por um genérico que teria sido, na origem, nome de um dedilhado. Defendemos que criar e perpetuar genéricos é um grave equívoco, só complica mais o que já é complexo por natureza, que são os nomes em suas línguas originais. Mas, por enquanto, parece que só nós teríamos percebido e desenvolvido sobre isso.

São estas complexidades que decidimos estudar e desvendar. A fim de não sermos enganados pelas verdadeiras “cascas de banana” que até estudiosos muito sérios e competentes jogam no caminho, desenvolvemos uma busca pelas mais remotas fontes a partir de diferentes línguas, épocas e tipos de estudo; retraduzimos com olhar bem atento, organizamos cronologicamente e trabalhamos com a média estatística deles (em outra Ciência envolvida, a Matemática), de olho nos registros históricos e nos impactos sociais dos povos envolvidos. Não, não é algo de se explicar por poucas frases. Longe disso.

Entendemos serem normais nossas descobertas pioneiras, pois no considerável acervo que levantamos pouquíssimos parecem ter intuído algo no sentido de abraçar toda a complexidade, e nenhum teria apontado contextos e metodologias atestáveis como procuramos fazer. Entretanto, intuições e apontamentos bem fundamentados de linguistas e musicólogos de várias nacionalidades como Ambros, O’Curry, Engels, Martinez e, com destaque, do próprio Curt Sachs, foram cruciais para desenvolvermos e atestarmos nossas visões. Ao mesmo tempo, lacunas de tantos pesquisadores competentes ajudam a atestar que nossa visão não teria sido aplicada antes. E sim, também como teria dito Platão, em A República, o que fazemos é apenas apontar o olhar, algo que todos tem, para outros “ângulos mais atestáveis” (assim dizemos nós, mas Platão teria dito “ângulos mais corretos”).

Um ditado popular apontaria que “toda regra tem exceção”. Entretanto, cientificamente, entende-se que se uma exceção não foi prevista na regra é porque a regra não teria sido bem elaborada. A exceção, portanto, testa a regra (ou, no nosso caso, até “atesta” a tal). Naturalmente (e estatisticamente) pensando, se há um número grande de “exceções não bem explicáveis” é porque a regra pode ser furada, portanto, analisar possíveis exceções deve fazer parte de todo bom desenvolvimento. Neste Brevis Articulus vamos analisar algumas possíveis exceções interessantes que encontramos.

Nosso começo sempre foi a partir das violas dedilhadas. Dos portugueses observamos anomalias que já deciframos por aqui, como a consolidação de “violas e violas” (ou seja, dois instrumentos bem diferentes com o mesmo nome) e uma “guitarra portuguesa” com caixa arredondada. Essas coisas só teriam sobrevivido na língua portuguesa. Outra anomalia (ou “exceção”) é próprio nome forte “viola”, preferido pelos portugueses em detrimento aos dos demais cordofones, que se tornou a origem de nossas violas dedilhadas. Tudo isso é explicado pela característica histórico-social particular dos portugueses, com atestação em dezenas de registros. E se mostra coerente com casos curiosos surgidos depois, e em consequência, como o surgimento real do modelo Viola de Cabaça no Brasil só a partir da década de 1980, após uma lenda ter sido criada no século XIX (ver Rebello), equivocadamente apontando origem ao século XVII (ver Mattos): isso atesta que o nome “viola” prevaleceu por muitos séculos nas mentes e para novamente só bem depois ter originado um instrumento de fato (além de, no caso, “cabaça” também ser um nome forte). Outro caso, o da Viola de Buriti, que nem tem caixa cinturada, mas que, além de consolidada com o mesmo “nome forte”, é tocada até hoje tanto dedilhada quanto friccionada por arco, evidência da raiz nas vihuelas espanholas. E ainda a consolidação do nome “viola caipira”, na verdade só a partir da década de 1970, mas que antes de nossas descobertas e denúncias, popularmente se jurava que seria anterior, relativo à uma “cultura” representada pelo termo “caipira”… Este termo que só a partir do século XX começou a ser interpretado e defendido como se fosse de origem indígena direta, mas que já atestamos que nunca teria sido.

Tantas possíveis “exceções” (se considerarmos em paralelo à História Ocidental dos cordofones) talvez sejam o motivo de lá fora não serem muito estudadas nossas violas, mas, na verdade, o fato é que tudo isso atesta e confirma nossa metodologia, nossa visão.

Há vários outros exemplos pela História dos Cordofones que analisamos bem mais profundamente que os demais estudos encontrados. Quase todos já mereceram aqui Brevis Articulus específicos (afinal, esta ação é para apontar aprofundamentos). São “prosas passadas”, por exemplo, o caso das ORGANAS, destaque por serem antecessoras dos cordofones cinturados e seu nome ser, de longe, o mais alastrado e confundido pelos séculos. Há também o caso das cítaras, hoje entendidas como espécie de saltérios (cordofones com caixa ao longo das cordas, sem braços).

Não somos malucos de ir contra consolidações ocorridas naturalmente pelos povos, depois de longos períodos (até porque é científico, é estatístico), mas “cítara” não faria sentido e nem teria existido antes do domínio dos romanos, que claramente teriam convertido kithara do grego para cithara (assim como várias outras palavras iniciadas com “k” para “c”). Estes foram, por séculos, nomes de instrumentos já com braços, posteriores aos saltérios antigos e é assim que devemos vê-los, conforme o período referenciado. O fato de terem hoje “nomes de valor retroativo ao tempo” (o que é impossível), atestam dois aspectos de nosso desenvolvimento: o contexto histórico-social da imposição do latim pelos romanos e a falta de precisão histórica por estudiosos e pessoas comuns, que nos trouxeram à citada (e respeitada por nós) consolidação popular. Ou seja, não se discute com fatos históricos: atesta-se, analisa-se e se considera na equação (senão, vira teoria furada).

Outra interessantíssima “prosa passada” é o grande capítulo das guitarras espanholas, com seu histórico de manterem um mesmo nome desde o século XIV (pequenos cinturados com 4 ordens de cordas), passando para 5 ordens entre os séculos XVII e XVIII (as famosas assim chamadas “guitarras barrocas”) e para 6 cordas simples a partir do século XIX (o mais famoso ainda, e assim chamado “violão” pelos portugueses). Sim, o nome guitarra viria a ser sucessor de kithara e cithara, lembrando que o “c” em latim, que não existia em grego, também substituiu a letra gama, que teria som de “gh”. Este pequeno dado histórico-linguístico deixa um pouco menos complexo entender porque dois caminhos paralelos anteriores ao termo guitarra (que chamamos “bifurcações de nomes”) surgiram entre línguas germânicas (cittern / gittern) e latinas (cistro, cistre, cedra, cétula, etc.). Quando adicionamos a visão organológica na equação dá pra entender porque teriam surgido antes, em algumas regiões, instrumentos chamados guitarra (e as diversas variações citadas) com caixa arredondada, e não cinturada, mas que a partir do século XVII todos teriam aderido à opção lançada pelos espanhóis… Menos os portugueses, que teriam então tentado fazer um impossível “retorno ao passado” exclusivo, particular, pela nomenclatura de suas guitarras portuguesas, de caixa arredondada. Não, não foi natural aquilo, é anômalo, é exceção. Quando inserimos contextos histórico-sociais fecha-se o quadro, por atestarmos nomes e formatos sofrendo interferência (entre outros contextos, Hyspania em ascensão no século XVI, lusitanos portugueses em concorrência explícita desde que se lançaram como reino independente no século XII, e por isso aproximando-se historicamente mais dos italianos e ingleses, etc.).

Ainda entram na mesma equação outras “exceções atestativas”, como as chitarras italianas, surgidas no século XVII e já cinturadas como as guitarras espanholas (porém sem aderirem diretamente ao nome espanhol) e não arredondadas como as antigas cétulas deles. Também a lacuna deixada pelos espanhóis ao redesignarem o nome guitarra para cinturados de 5 ordens, abrindo caminho (a partir do mesmo século XVII) para surgimento de outros nomes para cinturados pequenos, de 4 ordens, como machinho, machete, braguinha, rajão e até cavaquinho e ukulelê; ainda depois (a partir do século XIX), ao redesignarem guitarra para seis cordas, deixaram espaço para o verdadeiro surgimento das violas dedilhadas portuguesas, que simplesmente mantiveram o nome preferido “viola” para a armação já utilizada, de cordas duplas, das antecessoras guitarras de 5 ordens. Percebeu as exceções atestando a regra?

Ainda um pouco de carona nesta longa e importante fase das guitarras espanholas, desvendamos o novelo também das vihuelas deles, que teriam caído em desuso, junto com as guitarras menores, no já tão citado século XVII, pela preferência pelo nome forte guitarra para um novo instrumento com 5 ordens. As vihuelas, na verdade, teriam continuado organologicamente como eram, inclusive com nome único para dedilhados e friccionados por arco: só que, para o nome, teria surgido a variação viola na península itálica, nos séculos XV e XVI (ver Tinctoris, Lanfranco, Ganasi) e em Portugal no século XVI (ver Oliveira e Morais). Já das violas de arco italianas (já que as dedilhadas mudaram de nome para chitarras), surgiria depois a família dos violinos atuais, mas não sem um acréscimo de complexidade, pois entre o surgimento do nome então genérico violino (“pequena viola”) até sua consolidação atual ter-se-iam passado aí cerca de 300 anos, só começando mesmo em meados do século XVIII.

Um dos mais fortes contextos histórico-sociais teriam sido as fases da Revolução Industrial (entre o início do XVIII e início do XIX) e naquele período praticamente todos os cordofones europeus mudaram muito. Não, nada teria sido aleatório. Mesmo o complicado cenário (de registros em tantas línguas diferentes e por tantos séculos) se demonstra contextualizável por nossa metodologia, nossa nova maneira de olhar.

Por fim, outra evidência atestável é que a possível aleatoriedade (que parece ter sido o entendimento geral antes de nós) coloca-se em xeque pela atual padronização, em praticamente todas as línguas, de nomes como o espanhol “guitarra” e italiano “violino”. E até as violas de arco das orquestras, conforme demonstramos em A Chave do Baú, apontam estarem num caminho de padronização ao nome “viola” em diversas línguas.

Em mais uma “exceção atestativa”, este nome viola sofreu interferência de outro período de transição na península itálica, quando foram chamadas da braccio e alto (este último, a partir de contralto, a segunda voz menos aguda entre as femininas). Os termos italianos braccio e alto influenciaram outras línguas, mas que nos últimos anos apontam estarem a retornar ao mais original, ao latino VIOLA (observável desde o século XII, influenciador portanto do occitano, do catalão e outras línguas, até chegar ao espanhol vihuela). Retornos ao uso de nomes originais em várias línguas é o contrário de ser aleatório, pois as línguas continuam diferentes e cada vez mais consolidadas (assim como o natural nacionalismo dos países) … E é aí que entra o contexto histórico-social: embora a globalização, pelas comunicações, já venha sendo observada há alguns séculos, houve no meio do caminho histórico o forte período da Revolução Industrial (quando nomes viraram “marcas”, para melhor vender os produtos). Passado o período mais forte, o que se vê é uma globalização absurda (on line, em tempo real), mais forte que o próprio capitalismo consolidado (embora também motivada e alimentada por ele, enquanto ampliação de mercados). Os instrumentos não poderiam deixar de continuar reagindo a episódios assim.

A evidência final é uma premonição, que talvez não estejamos vivos para atestar: com a recente pandemia, que afetou muito a vida de muitos, a tendência é que instrumentos musicais reajam, que reflitam isso de alguma forma. Como será, não sabemos… Mas quem sabe a próxima reação já esteja a começar conosco, e seria um período de requestionamentos, reestudos e reescrita da História dos Cordofones? Isso, sem dúvida, é papo para outras prosas (e esperamos poder contá-las!).

Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando!

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, cujos aprofundamentos aponta às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG – Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

Referências:

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ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Novello, Ewer & Co., 1883.

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Veneza: s/n, 1542.

GERBERTO, Martino. De Cantu et musica sacra. v. I e II. [Württemberg]: San-Blasianis, 1774.

GERBERTO, Martino. Scriptores Ecclesiastici De Musica Sacra Potissimum. v. I a III. [Württemberg]: San-Blasianis, 1784.

LANFRANCO, Giovani.  – Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LINDSAY, W. M. Isidori Hispalensis Episcopi Etymologiarum sive Originum. Oxford: University Press, 1911.

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tese (Doutoramento em História da Arte) – Fac. de Geografia e História, Univ. Complutense de Madrid. 1981.

[MATTOS, Gregório de]. Literatura Brasileira – Textos Literários em Meio Eletrônico – Crônica do Viver Baiano Setecentista. [separata de] Obra poética. 3ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1992b

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXII, Zaragoza [Espanha], v1, nº1, p. 393-492, jan./dez. 1985.

O’CURRY, Eugene. On the Manners and Customs of the Ancien Irish. v. 1 e 2. Edinburg / New York: Williams and Norgate, 1873.

 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

OTTFRID, Von Weissenburg. Evangeliorum [Gospel Book]. [exemplar da Biblioteca da Regia Monacensis, Bavária]. s.l, s.n, [ca.863-ca.871].

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. A República Platão. 9ª Ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1949.

REBELLO, Manuel Pereira. CABRAL, Alfredo do Valle (pref.). Obras Poéticas de Gregorio de Mattos. Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882.

SACHS, Curt. Real-Lexikon der Musikinstrumente. Berlin: Julius Bard, 1913.

SACHS, Curt. The History of Musical Instruments. New York: W.W & Company, 1940.

TINCTORIS, Johannes. De Inventione et usu musicae. [Naples]: EMT [internet], [1486].

TYLER, James; SPARKS, Paul. The Guitar and its Music: from the renaissance to the classical era. Nova Iorque: University Press, 2002.

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