VIOLAS DEDILHADAS: ANOMALIAS HISTÓRICAS
La bihuela [vihuela, vyyuela] de péndola [peñola] con aquestos y sota [verso 1203]
La vihuela de arco fas dulçes de bayladas [verso 1205]
(“A vihuela dedilhada com aqueles, e abaixo – a vihuela de arco com suaves baladas”)
[Juan Ruiz, Harcipreste de Hita (ca.1283-ca.1350), em Libro de Buen Amor – segundo variações de três códices (Gayoso, Toledo e Salamanca), transcritos pela Dra. Rosário Martinez na tese Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media, 1981, p. 1220-1223 – tradução nossa]
Uma das várias “novidades” que apresentamos no livro A Chave do Baú são descobertas a respeito do uso de um mesmo nome para instrumentos diferentes – diferentes, por serem tocados de forma “dedilhada” ou “friccionada por arco”. O atento leitor já deve ter percebido, né? Temos no Brasil “violas” dedilhadas e “violas” de arco – é um fato… Até onde pesquisamos, a origem deste curioso fato não teria sido explicada (sequer, provocada) antes. É mesmo um pouco complicado de entender essa anomalia que só acontece nestes instrumentos, e só na língua portuguesa – mas, se fosse fácil, centenas de estudiosos, por vários séculos, já teriam descoberto antes, concorda? Por ser complexo é que nos aprofundamos aqui, nos Brevis Articulus semanais. Sorte vossa, por ter acesso a estes textos – e grande sorte e alegria nossa, se alguém tiver com interesse: muito obrigado, é por você que teimamos em praticar ciência.
O que descobrimos, na verdade, não teria sido novidade na História europeia dos cordofones: nela, arcos só apontam ter sido mais utilizados a partir do século X, segundo cruzamento de vários tipos de registros (esculturas, desenhos, textos), analisados por diversos pesquisadores, de diversas regiões e épocas. Os mesmos instrumentos, antes apenas dedilhados, teriam passado então a ser tocados também por arcos, por uma natural e longa fase de transição. Seriam chamados pelos mesmos nomes que tinham antes dos arcos terem chegado (variações próximas dos termos rota, giga e rabeca) e seriam, no começo, tanto dedilhados quanto friccionados por arco, só depois tendo passado a ser conhecidos como “os primeiros friccionados com registros no território europeu”. Observa-se que apenas o rabab (“rabeca”) já teria chegado ao território europeu como sendo tocado por arco, mas teria sido antes, por lá, também dedilhado – segundo pesquisadores como Paul Garnault (artigo “Les Violes”, Encyclopédie de la Musique, 1925).
O que teria acontecido com rotas, gigas e rabecas seria o mesmo que acontece hoje com nossas violas brasileiras e portuguesas: um mesmo nome para instrumentos tocados de duas formas. Só que, além do nome “viola” apontar não ter nada a ver com aqueles outros três, haveria uma lacuna de cerca de 3 séculos até o surgimento de mais evidências conclusivas. Não atesta cientificamente, portanto, mas aponta o fato (que comprovamos por várias outras observações) que algumas características de cordofones podem romper séculos – e, em vários outros casos, até resquícios nos nomes são observáveis. Desculpem a empolgação, mas não podemos deixar de citar que este aspecto é muito bacana… Pense bem: os instrumentos a revelarem, silenciosamente, a História (a deles e a das pessoas)…
Mas voltando à prosa: a relação mais direta só viria a partir das vihuelas espanholas, que no século XIV teriam sido também tanto dedilhadas quanto friccionadas por arco, como teria intuído, entre outros, o padre-poeta castelhano Juan Ruiz (em seu Libro de Buen Amor, conforme destacado na abertura). A semelhança dos nomes não deixa dúvidas, até porque atestamos a evolução de vários nomes similares a partir do século XII em latim, occitano e catalão – línguas comprovadamente influenciadoras do espanhol e do português (entre outras línguas chamadas “latinas”).
Aquelas vihuelas de nome bivalente já teriam sido bem estudadas antes de nós pelos britânicos Thurston Dart (artigo “La viole da Gamba”, da Revista Storia degli strumenti musicali, 1961) e Ian Woodfield (livro La viola da gamba dalle origine al Rinascimento, 1999) e, também, mas com citação de contextos histórico-sociais e demonstrações em bem mais litogravuras, pelo australiano John Griffiths (artigo Las vihuelas em la epoca de Isabel, 2010).
Sim: é curioso observar que estes “gringos” tenham escrito livros e artigos em italiano e espanhol… Não encontramos os mesmos trabalhos em inglês, mas não faz falta: é até louvável o esforço deles em usar línguas latinas e são todos bons textos, muito bem embasados. Apesar disso, teria escapado àqueles grandes estudiosos o caminho que as vihuelas teriam traçado até chegarem às nossas violas, portuguesas e brasileiras. A língua portuguesa, não por coincidência, seria a única a ainda preservar, até os dias atuais, um nome igual, tanto para violas dedilhadas quanto para friccionadas por arco – por isso, é legítimo e coerente que caiba a um brasileirinho atrevido (e não a outros estudiosos pelo mundo) que “desembole este novelo” a partir desta “ponta solta”.
As nossas “violas” teriam os mais remotos registros conhecidos em três escritos portugueses, dos anos de 1455, 1459 e 1477 – segundo apontamentos também de Veiga de Oliveira (Instrumentos Populares Portugueses, 1964) e Manuel de Morais (artigo A Viola de Mão em Portugal, 1985). A princípio, aqueles registros não especificariam claramente se teriam sido violas dedilhadas ou friccionadas, mas logo em seguida as evidências se confirmariam e as “violas” dedilhadas se tornariam o principal cordofone em Portugal, com vários registros observados nos séculos XVI e XVII. O que pesquisadores não teriam percebido é que outros cordofones dedilhados, com vários registros em regiões vizinhas a Portugal (como alaúdes e guitarras) praticamente não teriam tido seus nomes citados em textos portugueses, enquanto aquelas “violas” teriam as mesmas descrições… Ou seja: as evidências reais são que “viola” teria sido apenas um nome genérico dado a todos os outros cordofones, não tendo existido, de fato, “violas” diferentes dos demais cordofones largamente utilizados – mas isso, por enquanto, só nós temos a audácia de afirmar mais categoricamente… Conforme já avisamos, somos atrevidos – vai desculpando aí, por favor.
Embora, por exemplo, Manoel de Morais tenha afirmado que “viola é empregado como nome genérico de uma família de instrumentos de corda com braço”, pesquisadores demonstram apego ao nome “viola” e seguem tratando-as como se tivessem existido de fato, nos primeiros séculos. Apontar que elas não existiriam (senão somente o nome) significaria enfrentar um problema bem complexo, pois no tempo presente dos primeiros pesquisadores citados (século XX), e até hoje, as violas existem… Uma possível lacuna teria que ser explicada, contextualizada, “provada”, por assim dizer: é muito mais fácil assumir que elas “sempre teriam existido” – até porque, há registros. Além disso, até agora ninguém teria se atrevido a contestar…
É por isso que, também “por enquanto”, só nós postulamos e contextualizamos que violas dedilhadas, de fato, só podem ser consideradas que existiriam quando for possível atestar detalhes que as diferenciassem das guitarras espanholas e outros cordofones: isto só teria acontecido a partir de meados do século XVIII, quando as guitarras então dominavam a cena dos cordofones na Península Ibérica, praticamente não sendo conhecidos mais registros por lá de alaúdes, vihuelas e guitarras pequenas. O máximo que pesquisadores (no caso, portugueses e brasileiros) apontam, portanto, é um bilinguismo (entre guitarras e violas), que realmente faz sentido entre os séculos XVII e XIX – porém, antes, teria havido um “multilinguismo”, onde o nome “viola” teria sido utilizado para alaúdes, guitarras pequenas de 4 ordens de cordas e vihuelas – multilinguismo no qual não se conhecem registros de “violas” que fossem diferentes daqueles outros cordofones, bastante populares por quase todo o território europeu da época.
Entre as complexidades que outros pesquisadores não teriam enfrentado estão:
– estudos organológicos sequer hoje em dia apontam consenso de que número de cordas e de ordens sejam diferenciadores de instrumentos (“azar o deles”, é o que pensamos);
– estudos linguísticos, até os dias atuais, não apontam consenso sobre origens do termo “viola”, entre outros nomes de instrumentos musicais (“azar o deles também”);
– são raros os estudiosos, até os dias atuais, que apontam trabalhar bem com as diferenças entre “presente e vários passados”, expressas em características organológicas e etimológicas de instrumentos musicais. Ao contrário, o que mais se observa é estudiosos agirem como se um instrumento que eles tem contato, no presente deles, sempre tivesse tido aquele formato e aquele nome da língua que estivessem usando nas suas respectivas publicações.
Não seria, entretanto, um equívoco infantil, tosco – afinal, estamos a falar de inúmeros estudiosos, vários deles muito competentes, dedicados e respeitados (o que seria de nós se tantos outros não tivessem deixado trabalhos bons?). Teriam sido mais como “pequenos deslizes”, desculpáveis possivelmente pela louvável intenção de querer traduzir bem o complexo assunto para quem o fosse ler. A “pegadinha”, no caso, é que se não analisarmos muito bem o passado, perdemos muito do caminho histórico percorrido. Alguns estudiosos até criticam deslizes assim quando cometidos por terceiros, mas, curiosamente, costumam também cair no mesmo tipo de armadilha – a de contexto histórico.
É importante observar que o que desenvolvemos (a partir de vários estudos de terceiros) foi uma prática de olhar multidisciplinar (ou multi-temático) cuja importância e aplicabilidade poucos estudiosos teriam tido antes a perspicácia de perceber e de se aprofundar tanto (isto para não afirmar de novo que somos os primeiros a chegar tão longe, numa brincalhona falsa modéstia… por enquanto, pelas apropriações indébitas e tentativas de descredibilização que já começam a surgir, faz-se mais necessário reforçar o aspecto do ineditismo metodológico e deixar a modéstia para o futuro).
Ajuda-nos a atestar a atrevida afirmação (de que pesquisadores não teriam percebido ou não quiseram apontar que não existiram “violas” de fato, até determinado período histórico) se analisarmos com bastante atenção e profundidade o que teria acontecido quanto a nomes e características de cordofones portáteis pelo território europeu, em especial em regiões próximas a Portugal, nas mesmas épocas. Bora lá:
No restante da península Hispânica, quanto aos dedilhados, guitarras (pequenas, com 4 ordens de cordas) e vihuelas (com 6 ordens) teriam registros pelo menos desde o século XIV e espelhariam instrumentos de procedência árabe – respectivamente manduras e alaúdes ou, em espanhol, “bandurrias” e “vihuelas de Flandres”, segundo, entre outros, Juan Bermudo (Declaración de Instrumentos, 1555). Uma importante diferença é que os instrumentos espanhois seriam cinturados e de fundo plano, e os árabes, periformes e de fundo abaulado.
Aquelas guitarras e vihuelas dedilhadas cairiam em desuso a partir do século XVII. Desta informação tiramos que muito provavelmente por analisarem apenas as fontes em espanhol, pesquisadores não tenham atentado para o que aconteceria na Itália e em Portugal, quando à instrumentos similares às vihuelas espanholas. Quanto às pequenas guitarras, observa-se a partir daquela época a ascenção de um instrumento que armaria com 5 ordens de cordas e tamanho um pouco maior, mas que manteria em espanhol o nome de guitarra. Este instrumento ficou muito famoso por toda a Europa, como antes teriam sido um pouco as guitarras menores – e muito provavelmente por isso se manteve o nome guitarra, no que chamamos então de “ressignificação” do nome, para passar a representar um instrumento um pouco diferente.
Vários chamam hoje de “barrocas” aquelas então “novas guitarras”, por causa do período histórico apontado em estudos de História da Arte. O moderno termo “barroco”, entretanto e obviamente, não aparece em registros mais antigos, demonstrando um tipo de trato que concluimos não ser o mais adequado com relação a nomes de instrumentos: traduzir e/ou tentar renomear instrumentos só colabora para ficar mais difícil entender o rico histórico do passado deles – histórico que confirmamos, está lá, nos nomes e em algumas características organológicas. Só que, se generalizarmos (principalmente os nomes), fica muito mais difícil ter a atenção chamada para os tais resquícios históricos… Um pequeno equívoco lamentável, secundado por centenas de estudiosos de várias áreas, há séculos – mas que não pode ser imputado como “má fé” ou “incompetência”, vez que só agora estamos a divulgar nossa metodologia recém desenvolvida (ela é a tal que chamamos de “A Chave do Baú”). Não teria havido estudo tão abrangente antes. Apontamos estes equívocos para justificar porque nossa metodologia é capaz de ajudar a descobrir tesouros que tantos outros pesquisadores ocidentais não teriam descoberto: não é questão de ser “melhor” (estamos longe disto), mas questão de ser atrevido, perspicaz, teimoso – no popular, “extremamente chato”, principalmente dados históricos…
Já na península itálica, na mesma época, interessantes registros atestam que “violas” por lá também teriam sido nomes com bivalência quanto à forma de tocar, não por coincidência, exatamente como as vihuelas espanholas. Neste caso, por não ter observado estudo neste sentido, listamos os dados e apontamos o desenvolvimento nós mesmos:
– estimado ao ano de 1350, o poeta Giovani Boccacio (livro Decameron) apontou viuolas que teriam sido utilizadas para acompanhamento de cantos – mais provavelmente, portanto, e àquela época, teriam sido dedilhadas.
– estimado ao ano de 1486, em Nápolis, o belga Johanes Tinctoris (De inventione et usu musice) apontou que “violas” seriam cordofones de procedência espanhola; seriam tanto sine arculo (“sem arco”, ou seja, dedilhadas), principalmente em cantilenas italianas e espanholas), e cum arculo (“com arco”), utilizadas para acompanhar declamações de poesias; acrescentou que rebecum (“rebecas”) e liutum (“alaúdes”) seriam em quase tudo similares às violas, a não ser que estas últimas seriam cinturadas (atestando espelhamento como o espanhol quanto aos instrumentos abaulados, de procedência árabe). Tinctoris se declarou tocador de rebecum e de viola e é um dos mais respeitados musicólogos surgidos após o padre italiano Guido D’Arezzo (este, considerado o pioneiro em estudos que depois originariam a atual música tonal ocidental). Observamos ainda que Tinctoris teria tido a rara atenção de optar por escrever em linguam vulgarem (“latim popular”), aproximando-se assim das nomenclaturas originais dos instrumentos, aos quais ainda tentou apontar, segundo o que sabia, as regiões de procedência mais prováveis (como se percebe, não “inventamos a roda”, apenas ficamos muito atentos ao que fizeram os bons, e tentamos ainda melhorar, a partir do que vimos ser feito).
– em 1533, Giovani Lanfranco (Scintille di Musica) não citou “violas”, mas apontou, em sua proposta de sub-classificação para friccionados, os nomes violoni, violone e violono – que seriam todos de Braccio & de Arco. Os violones, entretanto, teriam a mesma afinação de alaúdes, com a diferença que estes teriam cordas geminadas (duplas de cordas). Temos aí uma evidência de espelhamento entre dedilhados e friccionados por arco, assim como antes se observa em instrumentos espanhois de nome bastante similar (a língua italiana, como se sabe, também descende, e diretamente, do latim).
– em 1536, Francesco Milano (Intavolatura de Viola o vero Lauto) já apontou desde o título de seu método que as “violas” a que se referia seriam o mesmo que alaúdes, portanto, eram dedilhadas (e não friccionadas por arco).
– estimado ao ano de 1542, Silvestro Ganasi (Regula Rupertina, o método antigo mais referenciado até os dias atuais), já utilizou a nomenclatura viola darcho – mas também citou violone como um instrumento de afinação e armação de cordas iguais aos dos alaúdes, como fizera antes Lanfranco.
Observa-se, numa somatória, que espanhois teriam nacionalizado (ou tentado descaracterizar) nomes árabes originais dos instrumentos, ao utilizar bandurria e “vihuela de Flandres”. Flandres foi uma cidade portuária de grande comércio do litoral francês à época, mas que não tem qualquer ligação com a procedência real dos alaúdes: consegue perceber a rejeição, nesse tipo de fake news medieval? Principalmente, espanhois apontariam preferência por formatos de caixa diferentes dos abaulados árabes. O formato cinturado não teria sido inventado por eles, vez que já teria registro pelo menos desde o século X em cordofones chamados organa (tanto em grego quanto em latim). Sobre as organas, sugerimos lerem nossos apontamentos a respeito, são reveladores em termos de evolução de nomes e características de instrumentos pelos séculos. Já entre as mais remotas citações sobre a opção espanhola de formato de caixa está o já citado Juan Ruiz (Libro de Buen Amor, estimado ao século XIV), que poeticamente separou guitarras latinas de guitarras moriscas entre outros instrumentos que arabigo non quiere (“árabes não querem”) e que a árabes non convenien (não convém).
Italianos também teriam nacionalizado o nome vihuela para viola, a partir do século XV (embora o nome já teria registros desde o século XII em latim, para cordofones). Também como exemplo do nacionalismo italiano, o termo espanhol guitarra seria vertido para chitarra a partir do século XVI, acompanhando a tendência de preferência europeia da época para aqueles dedilhados espanhois. Desta forma, os italianos teriam começado a separar dedilhados de friccionados pelo uso de dois nomes diferentes – mas, no início os instrumentos teriam sido praticamente iguais às vihuelas espanholas. Só com o passar do tempo os italianos desenvolveriam evoluções hoje consolidadas, como o famoso formato cinturado de caixa (mais “trabalhado na grife”) da hoje chamada “família dos violinos” (família que, na verdade, originou-se das primeiras violas, bem anteriores aos violinos). Italianos teriam evoluido também pelo de cordas metálicas em ordens triplas de cordas, nas citadas chitarras (os espanhois usariam duplas de cordas, feitas a partir de intestinos de animais – “tripas” – depois substituídas por cordas de materiais plásticos, como nylon). Entre os que estudaram bem estas características das chitarras está o pesquisador Darryl Martin (artigo The Early Wire-Strung Guitar, 2006).
Já os portugueses teriam agido de forma bem mais peculiar: evitariam nomes árabes (assim como os espanhois) e adotariam o nome “viola”, como os italianos, tanto para dedilhados quanto para friccionados – porém, sem apontar terem feito modificações em seus instrumentos até séculos depois (muito menos, acompanhar a tendência de chamar os dedilhados de “guitarras” ou similar, separando-os dos friccionados). Nem quando as guitarras espanholas se espalharam por toda a Europa a partir do século XVII, com nomes similares como guitarre (em francês), guitar (em inglês) e Guitare (em alemão). Só quando mais tarde (na virada do século XVIII para o XIX), quando novamente as guitarras espanholas mudariam de armação e tamanho, definitivamente conquistando a preferência observada hoje em praticamente o mundo todo. Os portugueses então chamariam aquelas “ainda mais novas guitarras” de “violão” ou “viola francesa” (este último nome, num procedimento similar à descaracterização sem fundamento adotada por espanhois antes, quanto a Flandres). Ou seja: os portugueses optaram por seguir utilizando, pura e simplesmente, o nome genérico “viola” para todos os cordofones – independente do que acontecia em regiões vizinhas, às quais, sem dúvida teria contato. Mesmo que tácita (posto que não se observe leis ou orientações públicas neste sentido), teria sido uma ação pública, continuada, cujo cunho aponta para um peculiar tipo de expressão do nacionalismo português, que atestamos também em vários outros registros históricos. Outros contextos histórico-sociais apontam resultados semelhantes em praticamente toda a História dos cordofones europeus.
Até aqui já deve ter dado para perceber porque então surgiu esta anomalia, que são as violas dedilhadas. Ajudará mais ainda um destrinchamento maior sobre a origem das violas, tanto portuguesas quanto brasileiras – mas aí já serão outras prosas…
Por enquanto, muito obrigado por ter lido até aqui – e vamos proseando…
(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Seu livro A Chave do Baú é fruto da monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil e do artigo Chronology of Violas according to Researchers).
(As principais referências foram apontadas durante o desenvolver do próprio texto)