“GUITARRAS” x “VIOLAS”: uma disputa ancestral
[…] The author has suggested a western Asiatic origin of the word: Ossetic fandir (related with pandur), Tawgy féandir, Jenissei dialect of Samojedic jedilo, Old Nordic fidlu, Anglo-Saxon fidele. Later on, the word lost its dental between the two vowels and became fele in Norwegian, viéle in Old French and viola in Italian.
“O autor [Sachs] sugeriu uma origem asiática para a palavra: fandir osseta [região do Cáucaso], (relativo a pandur), féandir Tawgy [samoiedo, Montes Urais russos], jedilo dialeto samoiedo Jenissei, fidlu nórdico antigo, fidele anglo-saxão. Mais tarde, a palavra perderia o dental entre duas vogais e se tornaria fele em norueguês, viéle em francês antigo e viola em italiano”.
(Curt Sachs, The History of Musical Instruments, 1940, p. 274-275)
Viola, Saúde e Paz!
Já ouviu falar que é bom manter “um olho no gato, outro no peixe”? Em nossas pesquisas este se tornou um exercício constante. Neste tipo de “olhar” também conhecido como “de soslaio”, como na chamada “direção defensiva” de veículos, mantemos o foco nas violas, mas tentarmos não perder nunca de vista o que acontece à volta, pela História – principalmente com outros cordofones similares. Já começando com o próprio nome “viola”, por nós usado para dois instrumentos bem diferentes. Nós descobrimos porque isso acontece e vamos revelar aqui – mas é segredo… ou melhor: é “tesouro”!
Foi por estes olhares que nos deparamos com uma curiosa “disputa” ancestral, entre dois cordofones com caixa e braço que nos últimos séculos passaram a ser os mais conhecidos e praticados em todo o mundo, e estão consolidados em “duas categorias distintas”: “guitarra” (e nomes parecidos nas diversas línguas) representa instrumentos dedilhados (tocados diretamente com os dedos, ou via pequenos objetos como dedeiras e palhetas); e “viola”, também com suas variações pelos idiomas, na maior parte do mundo representa instrumentos friccionados (tocados) com arcos.
Como já descrevemos várias vezes, a partir do nosso livro A Chave do Baú, a única exceção conhecida desta “ordem mundial” seriam as nossas violas dedilhadas (que deveriam ser chamadas “guitarras”, como praticamente no resto do mundo) – causada por uma anômala ação nacionalista portuguesa, e que é a verdadeira origem das nossas queridas violas (só não espalhem muito isso, pois os estudiosos ainda não querem aceitar… então, como eles é que “mandam” nas violas, fica sendo segredo nosso também, ok?).
Bem separadinhos, pela forma de tocar, estariam então “guitarras” e “violas”… Mas… desde quando? Como teria se dado isso?
Nosso ponto de partida passa pela visão destacada no início, do grande musicólogo alemão Curt Sachs (1881-1959) – mas já avisamos que foi só o começo, não é para pegar só a citação inicial e parar de ler e refletir. O trabalho todo de Sachs é incontestável, mas chama a atenção que, entre tantos nomes de destaque histórico, não se encontra pela internet tantas fontes sobre sua biografia… Entendemos certo desprezo ao valor deste alemão por ele ter lançado, em 1914, com o austríaco Erich Moritz von Hornbostel (1877-1935), a proposta de classificação de instrumentos musicais mais famosa (e mais contestada) da História – a chamada “Hornbostel-Sachs”. A ousadia deles foi propor uma classificação organológica de todos os instrumentos musicais conhecidos em todo o mundo. Não encontramos tradução completa deste importante trabalho em português, só algumas análises – mas fizemos questão de analisar o original completo em alemão e algumas traduções, versões e estudos a respeito em francês, inglês e espanhol. O mais importante é que o trabalho de Sachs vai muito além da Hornbostel-Sachs – e atestamos isso desde o livro Real-Lexikon der Musikinstrumente – de 1913, onde já propunha zugleich ein Polyglossar für das gesamte Instrumentengebiet (“ao mesmo tempo um poligrossário para instrumentos de todos os tipos”) – até a “História dos Instrumentos Musicais”, de 1940, destacada aqui. Foram décadas em que Sachs pesquisou esculturas, desenhos, manuscritos deste a extinta língua suméria, passando por fontes e citações em aramaico, hebreu, egípcio, grego e latim até as línguas modernas. Não, não podemos deixar de louvar e elogiar seus esforços e descobertas. Se dá uma “invejinha”? Ah… pode colocar “invejona” aí, por nossa conta!
Além da Hornbostel-Sachs, chegamos ao alemão pela citação em interessante estudo da Dra. Julieta de Andrade, do livro Cocho Mato-grossense: um alaúde brasileiro – publicado em 1981. Nele, Andrade creditou Sachs junto a outros estudiosos: os franceses Albert Lavignac (1846-1916), Andre Schaeffner (1895-1980) e Lionel Laurencie (1861-1930) – além do alemão Hugo Riemann (1849-1919) e do português Mário de Sampayo Ribeiro (1898-1966). Curiosamente publicado também em 1981, mas sem citação à Julieta de Andrade, a espanhola Rosário Martinez, em sua tese Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: los cordófonos apontou o que chamou de “teoria de Sachs” como la más acertada entre cerca de 15 estudos de linguistas, historiadores, filósofos e musicólogos que pesquisou. E, por fim, não a “teoria”, mas análises similares foram observadas na tese A Guitarra na Galiza, da Dra. Isabel Rei-Samartim, depositada em 2020 – esta que, por sua vez, indicou fontes bem diferentes: a italiana Ella B. Nagy e o galego Antonio Uxio Mallo.
Listamos as principais fontes para denotar que diversos estudiosos apontaram Sachs a partir de fontes diferentes, sem conhecerem os trabalhos umas das outras.
Todos estes estudiosos (Sachs, Andrade, Martinez, Rei-Samartim), e vários outros tentaram apontar possíveis origens das “violas”; todos eles buscaram ligações ou paralelos com a etimologia – a ciência que estuda a evolução histórica das palavras, e que, como todos os estudos linguísticos, ainda não aponta explicação de consenso para o termo. Em nossa opinião, não solicitada, acrescentamos que dificilmente conseguirão fazê-lo. Sim, acredite: nós buscamos nos aproximar também de estudos linguísticos modernos, para tentar somá-los aos estudos musicológicos e até conseguimos boas descobertas – mas nossa conclusão é que aqueles estudos, assim como os sociológicos em geral, embasam-se por característica (e, talvez, por comodidade?) em teorias postuladas por estudiosos indiscutivelmente talentosos dos últimos séculos. Nada contra teorias, procuramos estudá-las também, mas nossa visão é que os dados ou registros existentes (ou “resistentes”) não precisam de teorias para nos contar a História dos cordofones. Eles, por si, já nos apontam informações suficientes, só é necessário que se organize um número suficientemente grande e representativo (o que não vimos ter sido feito por nenhum entre centenas de estudiosos pesquisados e por isso nos dedicamos a colecionar e organizar).
O que praticamente todos os estudiosos observaram é que os nomes dos instrumentos apresentam muitas variações, pelos séculos e pelas diversas culturas / línguas envolvidas – aparentemente sem nenhuma ligação lógica. Nomes diferentes para instrumentos similares, nomes iguais para instrumentos diferentes, nomes de uma língua utilizados em outras, às vezes para instrumentos similares, às vezes totalmente diferentes… enfim, uma “bagunça”, parecendo ser aleatória, não é mesmo? Sim… mas não quer dizer que, por parecer ser bagunçado, não tenha nenhuma “gerência”.
A “gerência”, que nos referimos de forma brincalhona, cientificamente se expressa por padrões observáveis (a partir do citado e considerável banco de dados). Há coerências relativamente claras e que, ao nos apoiarmos em estudos históricos, sociais, estatísticos e outros (além dos musicológicos, obviamente), acreditamos sejam incontestáveis. Uma delas é que instrumentos musicais sempre estiveram em “evolução” (não apenas no sentido de “melhoras”, mas, sobretudo, de “mudanças, alterações”) – daí, as variações de nomes se justificam não apenas por surgirem em línguas diferentes, mas também pelas diferenças evolutivas dos instrumentos.
Em nossa equação investigativa alguns fatores se destacam e entendemos que mereçam atenção mais aprofundada do que já teria sido indicado em estudos pelo mundo, entre eles: os ciclos evolutivos levam muito tempo, não sendo exatamente correspondentes às variações de nomes – e estes ciclos sempre coincidem com mudanças histórico-sociais, ou seja, eventos de grande impacto social em significativo número de pessoas, ao mesmo tempo. Só podemos afirmar que estes fatores são observáveis em cordofones de origem europeia – embora seja matéria muito observada na História de todas as Artes – e que estudos linguísticos não costumam considerá-los, assim como a outros fatores de múltiplas ciências e/ou visões.
Não, não estariam ligados à etimologia pura os registros que Sachs observou com tanta profundidade e que tantos também tentaram relacionar: registros apontam ter muito mais sentido em uma análise multidisplinar, uma ciência que ainda não teria nome e que brincamos de chamar de “onomato-organologia” (em homenagem à tradição de usar termos oriundos do grego). Tivermos algum dia apoio acadêmico, poderíamos aprofundar o estudo e até postular esta “nova ciência”, mas não há problema: o que interessa é que nos baseamos em dados, em registros de época contextualizados histórico-socialmente, por todas as línguas envolvidas. Não é em “uma” ciência, mas em verdades atestadas por várias ciências. E preferimos não nos basear em nenhuma “teoria”.
Um dos padrões cuja profundidade teria escapado a Sachs (e aos demais pesquisadores consultados) é que nomes de instrumentos similares (lembrando que estavam sempre em evolução de formatos e características organológicas) apontam tendência a se bifurcarem em nomes de pronúncias e grafias parecidas, apesar das diferentes línguas envolvidas (que também tem, em paralelo, seu histórico próprio de evoluções). Sachs teria observado a variação de nomes iniciados pela letra “f” e, posteriormente, o surgimento de vários nomes de instrumentos similares, porém iniciados pela letra “v” (ao que atribuiu a origem do termo “viola”, considerando-o, entretanto, apenas para friccionadas por arco). Esta evolução seria fato em algumas línguas chamadas “germânicas”, em especial nas variações de dialetos alemães, mas a Sachs faltou considerar que não só destas línguas dependia a História dos cordofones, mas ao ciclo evolutivo de várias línguas ao mesmo tempo (fato incontestavelmente atestado pela significativa influência social dos Trovadores, com auge entre os séculos XII e XIII, sequer citado pelo musicólogo).
Também teria faltado a Sachs considerar que os termos em latim FIDES e seu diminutivo FIDICULA (ambos iniciados pela letra “f”), embora genéricos (ou seja, dos quais não se pode apontar a qual instrumento específico se referia, e sim a uma categoria), também entraram no caminho histórico de nome e com considerável importância, dado o longo e violento histórico da dominação pelo Império Romano – este que tentou impor o latim a seus dominados, além daquele mesmo latim ter predominado por mais de mil anos com os religiosos. Também teria distraído Sachs o fato de quê, assim como em dialetos alemães, em latim a utilização da letra “v” é tardia, só vindo a existir para distinguir palavras com a letra “u” e que “f” e “v” tem, em algumas línguas a mesma pronúncia.
A evolução espontânea de “f” a “v” é uma teorização baseada em visões etimológicas, mas falta aos ilustres estudiosos aceitar o fato, comprovado pelos registros, de que nomes de instrumentos não seguem estas regras… Para aceitar isso, porém, é preciso aceitar que entre todas as artes, a música é a mais influenciada e mais influenciadora com relação à Humanidade, reagindo diretamente às mudanças sociais. Pelo visto, poucos no mundo já “estariam preparados” para encarar este fato com a profundidade científica que merece – inclusive musicólogos. Uma das muitas provas é que os instrumentos continuaram a ser chamados por nomes iniciados pela letra “f” em várias línguas, até os dias atuais, indicando uma das muitas bifurcações observáveis nos registros históricos.
Apontamos como não recomendável a utilização, tanto por Sachs quanto por vários outros estudiosos, de nomes que teriam sido de instrumentos específicos para apontar categorias de instrumentos; Sachs, por exemplo, escrevendo em inglês, até o fim classificou os cordofones em categorias (ou “famílias”) denominadas zithers (“cítaras”), lutes (“alaúdes”), lyres (“liras”) e harpes (“harpas”). Só criticamos o uso de nomes não genéricos, que para este caso entendemos seria o mais adequado: a classificação, em si, é bastante didática: “harpas” seriam cordofones de tamanho maior, sem caixa de ressonância nem braço destacados para variações de notas musicais (a ressonância se dava por estruturas tubulares, como bambus e chifres, ao redor das cordas); “liras”, versões em tamanho menor das harpas, portáteis e que começaram a ser observadas com as primeiras caixas destacadas das cordas, como as de formato de tartaruga de instrumentos chamados CHELYS (em grego) e TESTUDO (em latim); “cítaras” estariam um pouco antes na ordem histórico-evolutiva, por apontarem as primeiras caixas de ressonância, porém ainda ao longo (abaixo) das cordas; e “alaúdes” representariam a última fase, quando braços e caixas de ressonância se destacam no instrumento – como as atuais guitarras e violas. Sachs ainda apontaria divisão entre “alaúdes” (que seriam todos os dedilhados) e fiddles, que seriam todos friccionados por arco na visão dele, na década de 1940.
Apenas para o termo fiddle (e suas variações fidle, em alemão, e fidula, em textos em espanhol e português) não encontramos registros ancestrais. Há dúvidas sobre a origem mais remota, mas harfe (em alemão) e harpa (em latim) são bem antigos; lira é observado em latim a partir de λίρα (grego) – assim como cithara, a partir de kithara (κιθάρα) – neste caso, a substituição da letra “k” por “c” observada em várias palavras em latim. E lute (“alaúde”), de al’ud (“bastão ou vara flexível, normalmente de madeira”, em árabe), também bastante antigo. A questão é que estes seriam nomes de instrumentos específicos, com características nem sempre similares em cada momento histórico e língua onde teriam tido registros observados. E pior: ao utilizar fiddle e variações como genéricos para friccionados, mascara-se que teria havido naquela cadeia de registros o termo latino FIDES, sempre utilizado para cordofones dedilhados, e de várias formas (fides, para instrumentos musicais, remete simplesmente a “cordas”).
É curioso (para não dizer lamentável) que tantos estudiosos, apesar de se declararem preocupados com evoluções etimológicas, não atentem para a utilização correta dos nomes em suas formas originais, e entendam ser adequado utilizar traduções para suas línguas próprias e utilização de nomes pré-existentes como genéricos.
Todas estas análises críticas de fontes e estudos nos foram muito positivas, pois nos ajudaram a fortalecer o entendimento sobre os padrões observáveis e nos levaram a curiosa constatação de um “dueto” histórico que prevalece até os dias atuais, entre “guitarras” e “violas” – finalmente, o tema proposto neste brevis articulus… Pedimos desculpas, mas era preciso explicar, pois não se pode rebater e até desdizer tantos estudiosos respeitados levianamente.
A origem não se pode constatar antes dos escritos sumérios, os mais remotos que se tem notícia em todo o mundo: teria havido instrumentos com braço e poucas cordas por lá que, traduzidos para nossa língua, teriam sido chamados PAN-TUR; a mesopotâmica e muito desenvolvida civilização Suméria teria sucumbido aproximadamente em 1900 aC., após sucessivas dominações por diversos outros povos, onde se destacam os Assírios – e dos quais se obtiveram registros de cordofones similares chamados KETHARA. A substituição do nome é bastante compreensível – variação em função de usar a língua do dominador – e estabeleceria o mais remoto registro conhecido de bifurcação de nomes, que seria atestado mais tarde, não muito longe dali, na região do Cáucaso: por termos ido além dos estudos e nomes levantados por Sachs (citados na abertura) e dos demais estudiosos, na busca por atestações, observamos na edição de 1897 da Armenische Grammatik (“Gramática Armênia”), do filólogo alemão Johann Hübschmann (1848-1908), que naquela região pertencente ao Cáucaso outra bifurcação teria surgido, claramente a partir do antigo PAN-TUR sumério: as variações PANDUR / PANDIR e FANDUR / FANDIR seriam atestáveis por registros, assim como o atual PANTURI. Próximo da KETHARA assíria, o nome KIT’ARR (կիթառ), enquanto na Pérsia teriam sido observados vários registros de TÃR, como SETÃR, que significaria “três cordas”.
A re-bifurcação pelas iniciais “p” e “f” seguiria com reflexos posteriores em textos dos grego – exploradores do Cáucaso desde o século VIII aC. Julieta de Andrade e Rosário Martinez, por suas fontes e pesquisas, já tinham observado: παμντόρα (“PANDURA”) e φαντούρα (“PHANDURA”) teriam seus registros, mas também sobreviveria uma variação da antiga KETHARA assíria: a KITHARA (κιθάρα) grega.
Dos gregos aos romanos, a partir de II aC., ao invés de KITHARA seria observado CITHARA e algumas poucas vezes GUITERNA / QUINTERNA. De CITHARA teria surgido mais tarde a bifurcação CISTRO / CEDRA, que algumas vezes dava a impressão de dividir os instrumentos entre os de caixa arredondada e os de caixa cinturada – mas as variações CETULA e CITOLA também apareceriam, utilizados indistintamente quanto a formatos. A partir de PANDURA, teríamos PANDORION e alguns poucos registros de TAMBURA; só PHANDURA não parece ter sido entendido assim pelos romanos, porém estes introduziriam os já citados genéricos FIDES e seu diminutivo FIDICULA, que entrariam para a lista das bifurcações iniciadas com som de “f”. Mais tarde, nos séculos IX e X, dois registros isolados de FIDULA (muito provavelmente uma redução de FIDICULA), até que no século XI teriam sido observados PHIALA e VIDULA – este último, o mais remoto registro conhecido da nova bifurcação que nos traria até “VIOLA”...
Entretanto, enganar-se-iam os estudiosos que apontam que a bifurcação pela inicial “v” anularia a outra vertente iniciada em “f” – que a esta altura, já viria de mais de 15 séculos! O já citado “auge do Trovadorismo” (séculos XII e XIII) traria uma avalanche de nomes parecidos para cordofones também similares, em diversas línguas claramente em evolução pelo território europeu, mas podem ser observadas as bifurcações se mantendo. Depois da citada PHIALA, vê-se no século XII: FIDIL ou FIDLI (em anglo-saxão ou irlandês), FIGHILE (em alemão) e FIGELLA (em texto em latim); no século XIII: FIÐELE, transcrito FIDELE ou FITHELE (em anglo-saxão); no século XV: FIGEL (em alemão), FIDELLA (em latim). A este caminho, juntariam-se a partir do século XVII os já citados genéricos fiddle, fidel e fidula e finalmente FIOLA, observado em latim no século XIII e que é nome de violas de arco ainda utilizado no País de Gales. Como se demonstra, a bifurcação ainda segue representada, sem ter sido substituída, basta observar as diversas línguas relacionadas.
E o caminho das iniciais em “v”? Pela ordem, após VIDULA teria sido observado também um grande caminho. No século XII: VIOLA e depois VIELLA (em Latim), VIOLLE e VIELE (em Francês), VIDELE (em Alto-Alemão médio), VIOLA (em Catalão), VIHOLA, VIOLA, VIEULA (em Occitano). No século XIII: VITULA (em Latim), VIELLE (em Francês), VIELLA e VIULA (em Catalão); VIULHA (em Occitano), VIHUELLA, VIOLA e variações (em Espanhol), VIOEL (em texto em Latim, por belgas). No século XIV só teriam sido observadas duas novas variações: VIOLE (em Francês) e VIUOLA, depois VIOLA (em Italiano). No século XV: VIULE (em Catalão), VIOLA, VIOLLA (em Português); VIOL, VIALLE e variações bem próximas, em inglês, só teriam sido observadas a partir do século XVI. Este é o caminho que se consolidou e que hoje aponta para um reverso, com o nome VIOLA passando a ser usado no original cada dia mais em diversas línguas, sem traduções – assim como “violino” (original italiano) e… “guitarra” (original espanhol).
Sim: o “concorrente mais antigo” das violas também continuou seu caminho até os dias atuais (atestando que a tendência é de continuidade das bifurcações), desde o mais remoto registro que se tem conhecimento, no século XIII (Libro de Apolonio). No século XIV uma proposta de bifurcação por procedência e formato feita por Juan Ruiz (Libro de Buen Amor) ficou famosa: GUITARRA MOURISCA / GUITARRA LATINA, que acabou culminando na preferência pelo formato cinturado. A partir do século XVII, quando GUITARRA foi escolhido como nome preferido para dedilhados na Espanha, teve variações como GITTERN e GUITAR (em inglês); GUITERRE ou GUITARE (em francês) e GUITARRE ou GITARRE (em alemão) e a variação um pouco diferente, CHITARRA (em italiano). A bifurcação que levou até GUITARRA teve também um caminho diferente, não em termos de nomes, mas de formatos, antes da citada ascenção das guitarras espanholas: após os termos em latim CETULA e CITOLA, surgiriam em línguas não latinas as variações CITHERN / GUITTERN como nome de instrumentos de caixa arredondada (de onde teria vindo a Guitarra Portuguesa). Esta temporária bifurcação de significados se normalizou, chegando os instrumentos arredondados a serem chamados hoje de cistros ou cistres (como bem antes teria sido, em latim), menos em Portugal, que aproveitou a rivalidade com a Espanha para permanecer com sua única “guitarra” não cinturada que se saiba.
As últimas bifurcações observadas teriam se originado na Itália: nomes de violas em várias línguas passaram a apontar os grupos de letras “alt” e “brac”, relativos a ALTO (de contralto) e BRACCIO (“braço”, em italiano). Tendo as violas de arco evoluído bastante a partir da Itália, estes dois nomes antigos influenciaram outras línguas – assim como a bifurcação que dá nome a outros cordofones do mesmo naipe nas orquestras: violino e violoncello. Os nomes com sobrenome mais remotos observados na Itália, a partir do século XV, seriam viola da braccio e viola da gamba. Gamba significa “perna”, daí se constatam os dois tamanhos mais remotos das violas. Apesar de ter-se tornado o mais famoso, VIOLINO só teria registros a partir do século XVI e só se consolidaria a partir do século XVIII.
Também sem se bifurcar pelo nome, VIHUELA significava tanto dedilhados quanto friccionados pelo menos desde o século XIV até o século XVI, na Espanha – assim como VIOLA, na Itália, no século XV e, em Portugal, do século XV até os dias atuais. Esta, pois, a origem da bivalidade que ainda temos no Brasil.
Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando!
(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro A Chave do Baú é fruto da monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil e do artigo Chronology of Violas according to Researchers).