O HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE VIOLAS NO BRASIL

O HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE VIOLAS NO BRASIL

“[…] Com estes dados e documentos e milhares de outros de história da arte, chegamos à conclusão de que guitarra italiana, guitarra espanhola, guitarra francesa, viola portuguesa, viola brasileira foram nomes diferentes de um mesmo instrumento”.

(Theodoro Nogueira, em Anotações para um Estudo sobre a Viola, A Gazeta, 24/08/1963)

            Viola, Saúde e Paz!

            Até chegarmos hoje à contextualização de uma Família de Violas Brasileiras Brasileiras (dedilhadas), postulação nossa ainda muito recente e pouco conhecida, foi segundo a História dos cordofones ocidentais, por fontes e estudos de vários pesquisadores. Levantamos centenas de dados até então pouco conhecidos e nunca antes retraduzidos e organizados cronologicamente em uma única pesquisa, como o fizemos. Um longo e tortuoso caminho foi traçado antes, por estudiosos, sobre as violas dedilhadas brasileiras, que foram nosso ponto de partida.

            É deste histórico que trataremos neste Brevis Articulus, aprofundando um pouco mais no assunto a partir de citações feitas antes em nossa monografia e nosso livro A Chave do Baú. Acrescentamos também que, ao chegarmos hoje aos primeiros seis meses destas “prosas”, trazemos de presente aos leitores a transcrição completa do pouquíssimo conhecido estudo Anotações para um Estudo sobre a Viola: Origem do instrumento e sua difusão no Brasil (destacado na abertura). Não deixaremos assim, “de cara”, o link para download, mas basta seguir na leitura que logo ele aparecerá… “Bora”?

            Ao que pesquisamos até agora, os estudos sobre violas no Brasil terão começado a partir dos folcloristas… Se, em 1941, Mário de Andrade (1893-1945) teria afirmado que “[…] Esse caso da viola brasileira acho tão complicado que ainda não me animei a estudar” – isso, em carta ao historiador potiguar Luis da Câmara Cascudo (1898-1986) -, já em 1943 Mário teria encomendado alguma pesquisa histórica sobre violas ao folclorista paulista Alceu Maynard de Araújo (1913-1974). Este, infelizmente, parece não tê-la concluído e publicado.

            Mário de Andrade parece ter influenciado outros, e teria tido algum sucesso, vez que no mesmo ano de 1943 (e dois anos antes de falecer), teria podido acompanhar publicação do musicólogo e folclorista carioca Luiz Heitor Correia de Azevedo (1905-1992): interessantes colocações sobre violas do artigo Violas de Goiaz, a partir de pesquisas de campo realizadas em Goiânia (GO) – publicado na Revista Cultura Política. Artigo curto, sem conteúdo histórico considerável, mas destaca-se que o termo “viola caipira” não estava ainda consolidado – longe disso, aliás.

            Depois disso, em 1955 chegaria a vez do já citado Maynard Araújo publicar detalhes sobre violas observadas em suas, então, substanciais pesquisas de campo – vez que declarou ter entrevistado um total de 818 violeiros (!): entre 1946 e 1948 (pelo interior de São Paulo) e, entre 1951 e 1953, “[…] pelos 4 ventos do Brasil”, segundo ele. Em 29/05/1955 publicou um resumo como artigo do jornal Correio Paulistano – Pensamento e Arte e, entre 1958 e 1959, detalhamentos em diversas publicações na Revista Sertaneja. É neste trabalho que comenta sobre o pedido de Mário de Andrade, e que estaria juntando dados, mas ainda estaria longe de terminar a pesquisa histórica solicitada. Realmente, suas poucas citações sobre origens da viola são equivocadas, a luz dos dados que hoje em dia temos à disposição. Mas suas pesquisas de campo são bastante úteis – comprovam, por exemplo, que haveria naquela época vários modelos de viola pelo Brasil. Também aponta que os modelos mais arcaicos, mais interioranos, eram bem diferentes do modelo industrializado, que curiosamente foi o que acabou por assumir o nome Viola Caipira.    

            Embora não parecendo ser fruto de um estudo aprofundado, cabe também citar, por causa da ordem de fatos, um depoimento feito em 1959 pelo ator e radialista mineiro Vicente Leporace (1912-1978), no encarte do LP Exaltação à Viola (Chantecler, CMG 2041). Foram músicas arranjadas pelo maestro paulista Élcio Alvarez (1922-1992) e interpretadas por orquestra e coro, com destaque para solos de viola do multi-instrumentista paulista Ângelo Apolônio – “Poly” (1920-1985). No texto do encarte, que não observamos ter sido muito considerado em outros estudos, Leporace apontou à época que “[…] até hoje não houve um dicionarista, um estudioso de lexografia que tenha prestado atenção maior à viola!”. Uma informação considerável, vez que realmente não encontramos citação do termo em dicionários até cerca de duas décadas depois de 1959. Leporace ainda levantou dúvida sobre o nome do instrumento (entre “viola brasileira” e “viola caipira”) e, talvez por isso tudo, resolveu postular um conceito próprio, um tanto lúdico, de “viola caipira”. A dicotonia de nomes acabou por ecoar bastante, aproximadamente nos 15 anos seguintes, segundo centenas de publicações que observamos (e listamos em detalhes em nossa monografia). A repercussão se espalhou a partir de músicos e pesquisadores cujas opiniões e trabalhos foram considerados interessants pela mídia. Entre eles,  além de Leporace, Elcio Tavares e Poly, também Theodoro Nogueira, Rossini Tavares, Guerra-Peixe, Renato Almeida, Mário de Andrade, Geraldo Vandré e outros.   

            É assim que chegamos, em 1963, ao nosso destaque: o pioneiro estudo do maestro paulista Ascendino Theodoro Nogueira (1913-2012). Com algumas citações a fontes de época em outras línguas, embora o maestro não tenha se aprofundado muito teria sido suficiente para ele perceber que, entre outros termos, “viola” era apenas um nome diferente, não um instrumento diferente de outros existentes. Theodoro citou alguns folcloristas e outros que o teriam ajudado na pesquisa, além das poucas fontes que teria conseguido à epoca para embasar seu estudo.

Infelizmente, o próprio Theodoro teria acabado por prejudicar a difusão de seus interessantes “apontamentos”, pois em 1971 os publicou (com algumas inserções e modificações) no encarte do LP Bach na Viola Brasileira. Assim, muito provavelmente por ter sido visto como uma resenha comum de apresentação de discos (como acontecido com Leporace antes), não teria chamado muito a atenção de pesquisadores contemporâneos. Vários pesquisadores nem chegam a citar o estudo de Theodoro e, entre os que o citam, observamos: Rosa Nepomuceno (1999, p.74); Saulo Dias (2010, p. 225); Rui Torneze (2010, p.7); Vinícius Pereira (2011, p. 93); Roberto Corrêa (2014, p. 169); Romildo Sant’anna (2015 [2000], p. 296); César Petená (2017, p. 15) e Laís Fujiyama (2018, p.7). Estes todos não apontam ter percebido que o texto de 1971 não era exatamente o original e, portanto, que suas diferenças quanto ao texto de 1963 são importantes. Entre as diferenças, vê-se a evidência da dicotonia de nome do principal modelo da Família das Violas durante o período e a importante participação de Theodoro na discussão (dada a importância de seu nome e a inusitância do uso de viola em músicas “eruditas”). Estes últimos detalhes, entre outros, nos levaram a buscar atestações e contextualizações deste importante e (até então) não divulgado capítulo da história de nossas violas. A década de 1960 até teria sido estudada, mas a teoria apresentada não se atesta pelos dados de época, principalmente pelo grande número de dados que levantamos.

É preciso ressaltar que a maioria das pesquisas brasileiras sobre violas se evidenciara, até agora, pelo viés do caipirismo, liderado por formadores de opinião muito importantes (e importantes por seus justos méritos). A visão muito secundada, de que o modelo Viola Caipira teria tido um avivamento exatamente na década de 1960 – lançada pelo Dr. Roberto Corrêa -, pelo menos em termos de nomenclatura é desatestada por dados de época, que, diferentemente, apontam que naquela década teria havido, na verdade, uma dúvida pública sobre o melhor nome para o modelo mais conhecido. Ou seja: até os dados apontados pelo grande violeiro e pesquisador atestam que havia vários modelos de viola, mas que o modelo mais conhecido não era ainda chamado de “Viola Caipira”. Leporace (não citado por Corrêa) já teria vislumbrado o fato em 1959 e isso se comprova ter durado até meados da década de 1970.

            A fim de presentear os leitores de nossos Brevis Articulus – e por termos conseguido fotos do estudo original pela generossíssima ajuda dos funcionários do Museu Zequinha de Abreu, de Santa Rita do Passa Quatro (SP) -, resolvemos publicar uma transcrição integral, com as ilustrações e com comentários nossos, inclusive juntando as diferenças observadas depois, em 1971. Deixamos o PDF à disposição para baixar gratuitamente em alguns dos diversos Grupos Facebook que monitoramos, como o grupo Viola Brasileira em Pesquisa. O acesso direto pode ser feito pelo link: https://www.facebook.com/groups/ViolaBrasileiraEmPesquisa/permalink/1331472464454176

            Seguindo, em 1964 o folclorista paulista Rossini Tavares de Lima (1915-1987) publicou o artigo Estudo sobre a Viola, na Revista Brasileira de Folclore, onde citou que Theodoro Nogueira “[…] foi o primeiro compositor a contribuir para a integração da viola caipira, sertaneja ou brasileira na música erudita atual”. Sem dúvida, portanto, Theodoro teria influenciado algo na criação deste artigo, mas as citações históricas foram poucas, sem apontamento das fontes e sem fundamentações.

            Embora sem aparente ligação com as violas, um estudo publicado também em 1964 viria marcar até os dias atuais o caminho das violas brasileiras: trata-se do livro Os Parceiros do Rio Bonito, do sociológo carioca Antônio Candido de Mello e Souza (1918-2017). Com indicação de ter sido fruto de pesquisa de campo culminada em tese de doutoramento, citações simples feitas no livro (sem desenvolvimentos científicos nem apontamentos de dados de época) apontam ter sido suficientes para que sejam consideradas como fatos. Parecem ser consideradas como “aval científico” à interpretações publicadas em textos artísticos e defendidas enfaticamente entre 1910 e 1945 pelo empresário cultural paulista Cornélio Pires (1884/1958). Candido ainda sugeriu ampliação do conceito para uma grande “região caipira” surgida a partir do século XVIII, que seria a “paulistânia” – sempre lembrando que era uma tese, e no livro as ligações são citadas sem aprofundamento científico. O tratamento é como se fossem “notório reconhecimento público”. Desta forma, Candido teria inagurado um entendimento coletivo ainda vigente, onde, simplesmente pelo sobrenome “caipira”, o modelo mais famoso das violas estaria ligado a uma “cultura ancestral”. Entre centenas de citações por pesquisadores, não se observa nem uma vez a tese de doutoramento de Candido, apenas o citado livro, onde detalhamentos e desenvolvimentos científicos simplesmente não existem. O importante estudioso inclusive parece ter publicado apenas este único trabalho sobre o tema, tendo mudado os rumos da carreira após não ter conseguido se eleger a Deputado por São Paulo – candidatura que aconteceu exatamente na época que teria depositado sua tese (década de 1950). Já o conceito “paulistânia”, descobrimos que teria sido baseado em textos do eugenista paulista Alfredo Ellis Jr. (1896-1974), que teve carreira política e até conseguiu levar os paulistas à guerra contra o restante do país com suas ideias, na década de 1930, mas jamais teria alegado ligação da “paulistânia” com o caipirismo antes da publicação de Candido.    

O nome Viola Caipira só viria mesmo a se consolidar, como hoje é conhecido, por ações comerciais de gravadoras, a partir de meados da década de 1970 – mas a maioria dos pesquisadores e outros adeptos do caipirismo sugere entender que teria existido “desde sempre” no Brasil. É como se todas as menções a “violas”, realmente registradas desde o século XVI, tivessem sido todas “violas caipiras” (ou que deste modelo moderno teriam sido gerados os outros modelos, embora comprovadamente mais antigos, diferentes e nunca citados por este nome antes).

Se fosse um simples equívoco, seria o de interpretar o passado como se fosse equivalente ao presente – mas isso aponta ser aspecto muito básico para que tantos pesquisadores não tenham percebido antes…

O que se pode dizer é que o entendimento coletivo chamado “caipirismo” acabou por tirar a atenção de estudos sobre outros modelos de viola e, principalmente, diminuiu a possibilidade de perceber dezenas (se não centenas) de evidências de que, na verdade, o que sempre existiu no Brasil, assim como em Portugal, é a presença de uma Família de Violas, com vários modelos diferentes, interligados por contextos musicológicos e históricos atestáveis. Esta postulação é inédita nossa, pelo menos por enquanto – pois pode acontecer de virem a querer “fazer de conta” que não a publicamos e tentarem tomar de nós qualquer crédito… Parece piada, mas é trágico, pois já aconteceram coisas semelhantes antes. Não é à-toa que adotamos o personagem de não ter “papas na língua”: é um tanto por autodefesa… e outro tanto, confessamos, por chatice, pirraça e brincadeira mesmo – por favor, desculpa aí…  

Felizmente não foram todos os estudos sobre viola que se prenderam ao caipirismo: por exemplo, em 1981 foi publicado o livro Viola de Cocho, um alaúde brasileiro, fruto de pesquisas da músicóloga paulista Dra. Julieta de Andrade. Outros dois estudos pioneiros são o de Cíntia Ferrero (sobre Violas Brancas, em 2007) e o de Cássio Nobre (sobre a Viola Machete, em 2008). Coincidência ou não, estes três modelos são abordados em dossiês de Reconhecimento como Patrimônio Imaterial…

Apesar da afirmação da Dra. Julieta de que todos os cordofones “teriam vindo dos alaúdes” (colocação consensualmente rejeitada pelos musicólogos mundiais, até porque os formatos de caixa são muito diferentes), do estudo dela “pescamos”, por assim dizer, dicas sobre variações de nomes de cordofones pelos séculos, por várias línguas de culturas diferentes – que depois atestamos ter sido originalmente do musicólogo alemão Curt Sachs (1881-1959), no livro The History of Musical Instruments. Aprofundamos, alargamos e desenvolvemos muito este princípio, mas, naturalmente, não “inventamos nada do zero”. Não podemos negar que graças a estudos pioneiros e corajosos (pouquíssimos considerados pela maioria) é que hoje atrevidamente chegamos a desafiar colocações tradicionais da musicologia, linguística, sociologia e outras ciências, com descobertas inéditas advindas de um banco de dados que nunca teria sido antes aplicado na História dos cordofones ocidentais. Atrevido? Sim… mas é tudo atestado cientificamente. Buscamos e organizamos muitos dados como não vimos ninguém ter feito antes. Somos honestos, mas de bobo só temos o jeito de andar e a chatice de ficar sempre provocando.

O nosso estudo partiu do pequeno acervo de estudos feitos por brasileiros sobre violas, de onde selecionamos estatisticamente os 13 mais citados. As datas de depósito apontam as primeiras décadas do século XXI e entre estes, então, importantes nomes, estariam, pela ordem cronológica: Rogério Budasz, Andréa Carneiro de Souza, Eric Martins, Cíntia Ferrero, João Paulo Amaral, Gisela Nogueira, Cássio Nobre, Adriana Ballesté, Sandro Dias, Marcus Ferrer e, curiosamente, o estudo sobre violões de Márcia Taborda (com vários apontamentos históricos sobre violas ainda inéditos, à época). Nas 13 “fontes-base”, principalmente, reinvestigamos todas as citações, checando-as uma por uma desde as possíveis publicações originais, ou as mais remotas que fosse possível. Estas fontes nos levaram a textos em diversas línguas europeias como latim, occitano, catalão, espanhol, francês e variações do inglês e do alemão pelos séculos. Retraduzimos tudo com atenção a detalhes às vezes não observados normalmente em traduções convencionais, por aplicarmos nossas experiências em visões musicológicas, de poeta/compositor e de escritor (análise de discurso, percepção artística, etc.). Várias descobertas e decisões investigativas sobrevieram destes processos, como a posterior ampliação de busca de registros sobre o termo “viola” em todas as línguas relativas, desde o latim do século II aC. – pois atestamos pouca consideração a violas dedilhadas pelo resto do mundo – e também a evolução da metodologia, que foi sendo testada e confirmada várias vezes. Esta tal “metodologia” nada mais é que a tal “Chave do Baú” que escolhemos para dar nome ao nosso livro. E ela abre mesmo, confiem.

Criamos assim uma visão bem embasada sobre o estudo das violas no Brasil. Um exemplo é uma corrente de busca por possíveis origens das violas citadas nos primeiros séculos: vários pesquisadores teriam buscado informações em estudos de portugueses, dos quais se destacam Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) e Manuel de Morais. Além das 13 fontes-base, esta corrente foi observada em estudos de Paulo Castagna, Marcos Holler, José Ramos Tinhorão e outros – mas, apesar da pista observada por Theodoro Nogueira em 1963 (que, conforme já dissemos, é pouco conhecida), nenhum outro pesquisador teria observado que as violas portuguesas (e, portanto, também as nossas) não teriam evidência de existirem realmente antes de meados do século XVIII, senão apenas um nome “viola” aplicado a vários cordofones similares, procedentes de culturas concorrentes de Portugal.

Pode parecer um detalhe muito pequeno, quase de semântica, mas a constatação desta particularidade nos guiou para evidências concretas de contextualizações historico-sociais que, por sua vez, revelaram verdadeiros “tesouros perdidos” por toda a Hhistória dos cordofones europeus. Inclusive nos levaram a um aprofundamento de estudo sobre nomenclaturas de instrumentos musicais que ainda não teria sido feito, nem por musicólogos, nem por linguistas nem por outros estudiosos de qualquer ciência… Sim, sim, não conseguimos evitar: somos atrevidos demais (pra não dizer arrogantes), mas é a pura verdade. Não por sermos “melhores” que ninguém, mas por termos vislumbrado caminhos que outros não apontaram ter percebido, e por isso mergulhamos neles, com muita dedicação. São basicamente estes os nossos méritos, além de tentar compartilhar as descobertas ao máximo, sobretudo com nossos pares que não tem muito hábito de leitura.

Nosso destaque final sobre a história dos estudos sobre viola no Brasil recái sobre os dois maiores formadores de opinião do meio, os doutores Ivan Vilela e Roberto Corrêa, ambos com carreiras multi-talentosas (como músicos, arranjadores, produtores, pesquisadores e outras atividades). As duas carreiras apontam início aproximadamente na década de 1980. Ambos naturalmente entraram na lista dos “13 mais”, porém com destaque, por serem, de longe, os mais citados e secundados até os dias atuais – não apenas em trabalhos sobre viola, mas de diversas outras áreas, tanto do Brasil quanto do exterior. Estas duas maiores referências (por seus inegáveis e múltiplos méritos) surgiram não só nas citações, quanto na origem de praticamente todos os principais eventos sobre a viola nas últimas décadas… Não duvide, cheque: nossa monografia consta de apontamentos individuais de uso do termo “viola” desde o século XVI até o ano de 2021 – “o bagulho é sinistraço”, não é brinquedo não…

Grandes poderes, maiores responsabilidades – diria o tio do Homem-Aranha (ou algum provérbio antigo não muito bem identificado hoje em dia): os doutoramentos depositados respectivamente em 2011 por Vilela e 2014 por Corrêa são, de longe, as fontes de informações históricas sobre as violas mais citadas – mas, na verdade, ambos tem foco no caipirismo, não em musicologia histórica. Ambos assumiram (sem sinal de qualquer contestação ou dúvida, muito menos de ampliação do desenvolvimento nem indicações de fontes de época) a interpretação pessoal de Cornélio Pires, reforçada pelas citações simples de Antonio Candido e mais de uma centena de grandes estudiosos que os seguem até os dias atuais (na maior parte, da área de sociologia). Sim, para algumas áreas é plenamente aceito que se baseie em citações de terceiros – mas para falar de História é desejável apresentar evidências de época. Em resumo, para os dois pilares da viola atuais, viola é a caipira, por ser da região caipira “paulistânia”, e é a mais importante posto que a mais conhecida. Ao assumirem suas opções pessoais de serem “caipiras com orgulho”, colaboram decisivamente para o afastamento coletivo de estudos sobre outros modelos e de constatações importantíssimas, que ficam embotadas por um entendimento coletivo que tende a considerar apenas o modelo de nome Viola Caipira nas equações investigativas.

De certa forma, “bom pra nós”, por terem deixado porteira aberta para nossas inéditas descobertas (nós, a princípio, infinitamente menos habilitados que eles e tantos outros) – mas, por outro lado, enquanto estes dois importantes nomes não estiverem dispostos a discutir e, possivelmente, rever algumas de suas colocações e entendimentos publicados, mais tempo levará para que a sociedade em geral descubra vários detalhes interessantíssimos sobre nossas violas. Nossas violas são tesouros em diversos aspectos, principalmente como testemunhas de mudanças histórico-sociais vividas por toda a história ocidental. Isso está muito longe de ser “pouco”, pode significar talvez até um recontar de alguns trechos da História (pelo menos, da História dos cordofones)…  

Temos a honra de conhecer estas duas “feras” há alguns anos e algumas vezes já abusamos da grande paciência e educação que têm, tentando interpelá-los diretamente: tudo indica que deve demorar algum tempo até que venham a público pelo menos discutir a hipótese de que pudessem ter estado enganados em alguns detalhes, ou que teriam deixado passar algumas coisas…

É importante citar que tanto Ivan Vilela quanto Roberto Corrêa (e, portanto, praticamente todos os que estudam e admiram violas) não negam a existência dos outros modelos – aí já seria demais também, né? Entretanto, normalmente os demais modelos são tratados como simples curiosidades, ou que teriam sido gerados a partir do modelo Viola Caipira… Neste caso, é pertinente repetir: o modelo Viola Caipira tem registros claros de origem a partir de 1900, por iniciativa de luthiers estrangeiros (Di Giorgio, Giannini e outros), que se basearam no formato das antigas guitarras espanholas. Foi desenvolvido na grande capital São Paulo (portanto, de “caipira”, no sentido de “interiorana” não tem nada). O nome “Viola Caipira”, embora com citações pontuais desde aquela época, resistiu a todo o período de surgimento e reafirmação do caipirismo, tendo vindo a se consolidar como nome do modelo, comprovadamente, só a partir de meados da década de 1970. Esta última informação cavamos inédita e trabalhosamente, a partir de centenas de publicações, utilizando, além da técnica estatística dos dados, contextos histórico-sociais que observamos também em toda a História dos cordofones ocidentais, não apenas no Brasil.

A boa notícia é que apesar do pequeno atraso causado pelo caipirismo, as violas apontam estarem a retomar o caminho normal. O Dr. Paulo Castagna, em 2017 (antes de conhecer e, honrosamente pra nós, ter revisado nossos estudos) já tinha apontado indícios de uma família de violas, não de um instrumento predominante (porém, sem maiores contextualizações e faltando modelos). Ivan Vilela já tem se apresentado há algum tempo usando o nome “viola brasileira”. Roberto Corrêa, após publicar alguns materiais envolvendo outros modelos desde 2016, vem se apresentando atualmente com vários deles juntos em um mesmo espetáculo, de onde pode-se acreditar que, com o tempo, “descobrirá uma forma” de contextualização histórico-científica de todos os modelo existentes. Quando encontrar esta forma, certamente deverá publicá-la em forma de estudo, pois é um pesquisador. Acreditamos inclusive que ambos vão acabar por aceitar até o modelo Viola 12 Cordas (da Família, o modelo mais rejeitado, cuja descoberta devemos todos aos esforços do professor e violeiro paulista Júnior da Violla). Com nossa metodologia científica, não há motivos para rejeitar nenhum dos modelos consolidados no Brasil que tenha lastro histórico e utilização por vários Estados – e o modelo Viola 12 Cordas tem tudo isso, mais até que o modelo Viola Caipira.  

Por nossos contatos pessoais, sabemos que vários pesquisadores já entendem nossas colocações, pois checaram os dados apresentados. Entretanto, terão ainda de encontrar alternativas de tratamento do assunto, vez que a adesão simples ao caipirismo rende ganhos interessantes com aulas, shows, palestras, etc. Aliás, o caipirismo sempre foi rentável para alguns, desde que surgiu – não temos como provar, mas parece ter sido criado para isso (e não há qualquer ilegalidade, se tiver sido). Estudos não precisam atrapalhar lucros – ao contrário, só podem é credibilizar mais as atividades.

Tudo aponta que estamos em uma fase de transição, como tantas que observamos em nossos estudos: a tendência é que em algum tempo a ciência prevalecerá (até aos atrevimentos e jocosidades dos nossos escritos). As pesquisas e entendimentos sobre as violas brasileiras tendem a retomar seu caminho de crescimento e podem vir a se tornar um grande orgulho nacional e internacional. Temos dito e vamos tentar acompanhar tudo – mais aí já serão outras prosas…

Muito obrigado por ler até aqui… e vamos proseando!

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas feiras. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro A Chave do Baú é fruto da monografia Linha do Tempo da Viola no Brasil e do artigo Chronology of Violas according to Researchers).

ARAÚJO, Alceu Maynard de. A Viola Cabocla [compilação de artigos]. Revista Sertaneja, São Paulo, v. 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13 e 14 – de jul. 1958/maio 1959. São Paulo: [internet], 1964

BALLESTÉ, Adriana Olinto.  Viola? Violão? Guitarra?: proposta de organização conceitual de instrumentos musicais de cordas dedilhadas luso-brasileiras do século XIX. 2009. Tese (Doutorado em Música) – Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2009.

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FERRERO, Cíntia Bisconsin. Na Trilha da Viola Branca: aspectos sócio-culturais e técnico-musicais do seu uso no fandango de Iguape e Cananéia SP. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, 2007.

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SOUZA, Andréa Carneiro de. Viola – do sertão para as salas de concerto: a visão de quatro violeiros. 2002. Dissertação (Mestrado em Música) – Centro de Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2002.

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TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

VILELA, Ivan. Cantando a própria história. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 2011.

VIOLLA, Júnior da. Viola de doze cordas: as seis ordens de uma ilustre desconhecida. [revisão de monografia]. São Paulo, ed. do autor, 2020.

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