26 Out, 2023

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais

“[…] instrumentos musicais são artefatos mediadores de relações sociais e percorrem ao longo do tempo carreiras simultaneamente musicais e sociais […] Se não levarmos em conta os cenários sociais das práticas instrumentais e os discursos sobre música, as carreiras dos instrumentos musicais parecerão fortuitas e arbitrárias…”

(Dra. Elizabeth Travassos, no livro Artifícios e Artefactos. Rio de Janeiro: Letras, 2006).

Viola, Saúde e Paz!

Em nossos atrevidos, mas inéditos e muito bem embasados estudos, chegamos a apontar algumas postulações. Estes estudos disponibilizamos em nossa monografia, em artigos científicos, no livro A Chave do Baú e nestes Brevis Articulus semanais aqui, que tratam de aprofundamentos, pois o acervo pesquisado é bem grande, em diversas línguas, sobre toda a História dos cordofones europeus. Algumas destas postulações se somam e se cruzam, completando-se. É o caso de duas que escolhemos destacar hoje: “instrumentos musicais mudariam conforme eventos de comoções sociais significativas, porém, ao mesmo tempo, alguns resquícios históricos tendem a resistir neles por muito tempo”.

 A tal História dos cordofones europeus teria seus primeiros indícios na influência dos gregos, que buscamos atestação em fontes de época desde os escritos em latim do século II aC. (Plautos, depois Cícero, Horácio, etc.). O cruzamento que apresentamos aqui é um pouco complexo, já que engloba dados de tantos séculos passados, mas o que constatamos é que, num quadro geral que a princípio poderia aparentar aleatoriedade, observamos coerências históricas. Várias.

Estas atestações de coerência histórica foram observadas em diversos instrumentos musicais, por diversas épocas, procedências e nomes. Mergulharemos aqui em três características históricas de cordofones:

1 – Número de cordas: é apontado normalmente em função de “ordens”, porque cordas montadas bem próximas, acionadas simultaneamente por um mesmo dedo (ou por plectros, que seriam pequenos objetos), seriam afinadas segundo a mesma nota musical. É tão comum que alguns autores confundem “cordas” com o que na verdade seriam “ordens de cordas”, que significa que uma dupla ou trio de cordas teria o mesmo valor de uma corda sozinha, esta dita “singela”. Muitos às vezes se referem a “cordas duplas ou triplas”, mas demonstraria certa falta de acurância (falta de precisão geral no trato da coisa), pois cordas não são como cabelos “de duas pontas”, são individuais; por isso, optamos sempre por apontar que seriam “duplas ou trios de cordas”. Pequenas diferenças, grande cuidado com o tema.

A coerência histórica seria que instrumentos europeus mais antigos apontariam armar em duplas ou trios de cordas, muito provavelmente por influência dos bons instrumentos árabes, mais evoluídos, como a família dos alaúdes (mandura / rebab, alaúde, teorba), que tinham caixa em forma de uma pera cortada ao meio (chamado formato “periforme”), em diferentes tamanhos. Não conhecemos ainda registros seguros sobre os motivos da preferência árabe por duplas de cordas, então preferimos não conjecturar. O fato é que eles teriam sido, e ainda são (!) exatamente assim. Com o passar do tempo, instrumentos europeus, ao contrário, teriam evoluído com caixas cinturadas; e alguns séculos depois passariam a usar cordas singelas, como, e com destaque, a guitarra espanhola moderna, apelidada de “violão” pelos portugueses. Um contexto histórico social aponta que a rejeição aos invasores árabes teria se expressado pela opção de formato de caixa diferente, rejeição cujo mais remoto registro explícito pode ser observado no extenso poema Libro de Buen Amor, de Juan Ruiz (estimado ao século XIV); entretanto, as duplas de cordas resistiriam por mais alguns séculos: em outro formato de caixa também em rejeição aos mouros, o formato arredondado, as duplas de cordas resistem até os dias atuais, como é o caso dos bandolins e guitarras portuguesas. Somente mais tarde outro contexto histórico-social viria apontar a citada mudança para cordas singelas das guitarras, acontecido em paralelo com a evolução das fases da Revolução Industrial (entre os séculos XVIII e XIX). Soma-se ainda o contexto da ascensão espanhola, uma espécie de “império de destaque” no território europeu entre os séculos XV e XVIII, cujas concepções influenciaram significativamente as culturas vizinhas (não à toa apontamos referências ligadas ao território europeu para exemplo).

Por isso, quando hoje vemos sobreviver violas dedilhadas portuguesas e brasileiras com cinco ordens duplas ou de cordas e formato cinturado como as guitarras chamadas barrocas (de entre os séculos XVII e XVIII), enquanto em toda a Europa este tipo de instrumento passou desde o século XIX para seis cordas singelas, podemos identificar que algo teria acontecido especificamente em Portugal: seria o contexto histórico-social da disputa com os espanhóis, expressa por vários capítulos desde o surgimento dos lusitanos como reino independente, lá nos idos do século XII. A própria “guitarra” portuguesa (único instrumento com esta variação de nome que teria caixa arredondada), com suas seis ordens, mas de cordas duplas, aponta a rivalidade, e atesta que instrumentos populares reagem a contextos histórico-sociais, tanto em características organológicas (formatos, cordas, afinações, etc.) quanto em nomes.

A “outra face da moeda” (ou “postulação cruzada”, como chamamos aqui), é que, apesar das mudanças acontecidas por contextos histórico-sociais, algumas características venceram os tempos, que é o caso das afinações em quartas, presentes desde os periformes instrumentos da família dos alaúdes, que passou por cinturadas: guitarras e vihuelas até o século XVI, guitarras barrocas até o século XVIII e contina nos violões e outros cordofones até os dias atuais. Ou seja: mudanças de formato apontam rejeição aos inimigos árabes, mas afinações e número de cordas persistem até hoje.  

2 – Evolução do número de cordas pelos tempos:  primeiro resumindo as origens dos cordofones, já desde os mais remotos registros escritos e das artes gráficas (desenhos, esculturas, etc.) observa-se que cordofones teriam evoluído a partir de harpas (nome consensual, de mais provável origem egípcia) que seriam, basicamente, estruturas ocas, muitas vezes tubulares ou chifróides, laterais a cordas que seriam presas e esticadas pelas extremidades. Estas harpas viriam a ter também versões “portáteis” (chamadas liras em grego e latim, nabla em hebraico / egípcio); depois, teriam vindo a apresentar caixas de ressonância também ao longo (paralelamente abaixo ou acima) das cordas, chamados hoje psalmorum (“saltério”, em latim). Só depois as liras surgiriam acopladas a caixas de ressonância destacadas das cordas (chelys em grego, testudo em latim), denotando o formato de cascos de tartaruga, muito provavelmente também em concorrência com a tradição árabe de formato de caixas.

Finalmente, depois disso, os cordofones teriam evoluído para instrumentos com braços, e, enquanto os antigos todos preservariam até hoje praticamente as mesmas características, os cordofones com braço se popularizariam. Entende-se que por causa desta popularidade teriam vindo a sofrer várias mudanças contextualizadas histórico-socialmente pelos séculos, principalmente em seus nomes, que mudariam em função de ações nacionalistas de povos que dominariam outros, conforme inclusive já citado aqui (gregos e romanos). Entretando, por outro lado, a tendência de continuidade histórica pode ser apontada nos cordofones com braço: primeiro se observam os de três cordas (como os ancestrais pant-tur sumério, pandur caucasiano, kethara assíria, kithara grega, nefer egipcio e outros), repetindo o que teria acontecido com liras e “saltérios” (cordofones mais ancestrais, sem braços, já citados) para depois irem aumentado em número de cordas, gradualmente. O mesmo tipo de evolução gradual a partir de três cordas (ou ordens) é observado, com o passar dos séculos, em registros históricos de alaúdes, guitarras, violinos e outros.

 

3 – Resquícios em nomes de instrumentos com braço em diversas línguas, por séculos. Estes são os resquícios nos quais mais nos aprofundamos, por não termos visto antes estudos consistentes neste sentido. Observamos, inclusive, uma tendência de bifurcações de nomes, em diversas línguas, e que refletem contextos histórico-sociais bem observáveis. Desde pan-tur (sumério) e kethara (assírio), aproximadamente 1800 anos antes da Era Cristã, passando por fandur / pandur (em dialetos antigos da região do Cáucaso), continuado em registros em grego (pandura, kithara), depois em latim (pandorion, cithara e outros), para finalmente bifurcações serem observadas durante a evolução histórica de registros nas principais línguas europeias, sucessivamente (como a bifurcação pelas iniciais em “v” ou “f”, entre outras, que já tratamos em outros Brevis Articulus).

Todas estas mudanças coincidem com eventos de grande impacto social, desde os assírios que subjugaram sumérios, depois fenícios comercializando pelo território hoje chamado europeu, até a influência grega, depois romanos, depois Igreja Católica, etc. Nas primeiras páginas do livro A Chave do Baú apontamos um cronograma destes eventos de grande impacto e as alterações acontecidas em instrumentos musicais populares.

Esta parte de nossos estudos, é sempre bom dar crédito, evoluímos consideravelmente a partir da visão pioneira do musicólogo alemão Curt Sachs (Real-Lexikon der Musikinstrumente, de 1913, e The History of Musical Instruments, de 1940). Sachs foi citado em alguns poucos estudos que conferimos durante o processo, mas achamos suficiente para aprofundarmos e buscarmos atestações, além de ir bem mais adiante. 

Assim, quando um instrumento muda de nome e/ou de características organológicas significativas (como formatos de caixa), mas mantém outras características (como armação de cordas, afinação, tamanho e outros), caracterizam-se que a alteração teria sido por motivação não técnica (como nacionalismo), vez que para o resultado final da execução musical não haveria muita diferença o formato de caixa. E também caracteriza que, apesar de parecer aleatório, estes dados que são de abrangência popular ainda pouco estudada além de por nós, resquícios muitas vezes podem atravessar séculos, apontando a tendência de continuidade dos instrumentos ao mesmo tempo que apontam, quando há mudanças, as comoções sociais que teriam testemunhado.

Exemplos: a já citada afinação em intervalos de quartas, utilizada em alaúdes há séculos, ainda se mantém em instrumentos de nomes bem diferentes, como guitarras… Só que “guitarra” guarda resquício do antigo nome latino cithara e/ou do grego kithara. Já armações com duplas de cordas (ou “ordens duplas”), também presentes nos antigos alaúdes, são observadas em vários instrumentos europeus de formatos de caixas e nomes diferentes como as vihuelas e depois as chamadas guitarras barrocas, ambas cinturadas e refletindo, em suas origens, rejeição espanhola contra árabes invasores… mas vihuelas guarda resquício do nome latino viola, observado desde o século XII; duplas de cordas ainda sobrevivem, como é o caso das peculiares violas dedilhadas portuguesas e brasileiras, assim como, antes, nos mandolins, agora bandolins (estes últimos, cuja alteração das caixas foi para arredondadas, também diferente das periformes mouras). A constância de variação de nomes, neste caso, sofreu mudança pela rejeição europeia, mas depois seguiu com variações próximas: das manduras árabes, para bandurria, depois bandola, mandola, mandolim, bandolim.  

Aliás, a constância organológica e de nomenclatura dos instrumentos árabes com braço, desde aproximadamente o século XIV até os dias atuais, enquanto os instrumentos europeus teriam tido várias modificações, atestam que alguns contextos histórico-sociais apenas os europeus teriam sofrido (em destaque, a natural rejeição aos próprios mouros, visto os europeus terem sido invadidos por eles, que por lá ficaram “de boa” por cerca de sete séculos).

Curioso, mas dentro da mesma observação e como exemplo, é um detalhe da história dos pianos. Estes, na parte interna das caixas, pode-se dizer que seriam como harpas, porém com característica dos antigos dulcimer (espécie de saltério ancestral, tocado por golpes de pequenos objetos, “pequenas pinças”). O sistema atual dos pianos se assemelha mais a pequenos “martelos”, acionados pelas teclas… Entretanto, seus antepassados (cravo, cravicórdio) utilizariam duplas de cordas (!) e seriam tocados por “pequenas pinças”; portanto, os pianos apontam ter evoluído de duplas de cordas para cordas simples, numa mesma coerência histórica acontecida nos cordofones europeus, a partir da guitarra espanhola, no mesmo século XVIII de consolidação dos pianos e em plena Revolução Industrial. Não pode ser coincidência, certo?

Mais interessante (e atestador, embora complexo) são instrumentos que já citamos por aqui algumas vezes, chamados de forma geral organas (que significa, em latim e em grego, apenas “instrumentos musicais”, ou seja, um nome genérico). Já tratamos em alguns Brevis Articulus, mas nunca é demais lembrar o capítulo especial representado por estes instrumentos. A mais remota citação, sumponiah (“sinfonia” em aramaico/hebreu/árabe), seria de um nome de instrumento mais provavelmente de sopro, que dataria possivelmente do século VI aC. vez que é citado no livro de Daniel, na Bíblia, mas já seria um empréstimo de συμφωνία em grego, depois simphonia em latim. Depois, no século VI (Boethius) e no X (no Musica Enchiriadis), “sinfonia” teria sido ligado a harmonia de vozes, diafonia. Depois, ali pelos séculos XI e XII, que é quando se teria conhecimento da mais remota escultura, as organas seriam cordofones grandes com características bem variadas, mas também teriam sido os mais remotos registros de antigas gaitas-de-fole (instrumentos de sopro, com vários tubos e com foles, naturalmente) e que anteriormente já teriam sido ligados ao nome organa. Uma confusão, não?

Juntando numa lista os resquícios das organas e/ou sinfonias pelos séculos: em flautas múltiplas, em instrumentos com foles, em cordofones (dedilhados e friccionados), teclados, manivelas… Ah, sim, o mais óbvio pelo nome, organum ou organa ligaria ao nome “órgão”, os modernos com teclados e até eletrônicos… mas lembrando que órgãos ancestrais teriam tido tubos, ou seja, as teclas acionariam sistemas pneumáticos. Por isso é possível entender porque o nome “sanfona” teria vindo de “sinfonia”, mas o instrumento hoje teria fole e teclas.

E porque o nome “viola” foi cair para instrumentos cinturados? Ora… organas eram cinturadas, e acionadas por uma roda. Como outros instrumentos, eram chamados também sambuca (um tipo ancestral de sabugueiro, utilizado como material desde as liras antigas), daí, sambuca rotata (“sambuca de roda”), depois vielle a roue (“viola de roda”, em francês”) e viola de roda em catalão… Depois, a roda (e as teclas, e a manivela) caíram de uso, o tamanho diminui e só restou… a “viola”: um cinturado com cordas!   

Há alegações até a hydraulos, instrumentos movidos a água e ar, bem ancestrais, mas aí entendemos ser equívoco: só poderiam ser ligados a organas (como observamos registro no século IX, por Aurelianus Reomensis) se considerar organa como nome genérico, “qualquer instrumento musical”. Muito apontam isso até hoje, mas hydraulos não eram “órgãos”, teria faltado estudar as origens e evoluções do nome “órgão” a partir de organa / organum, que enganam se não for observado o global da História.

Por último, incluímos por nossa conta e esforço de pesquisa o nome “harmônica”, que remete a “harmonia, sinfonia” e à “gaita” (no caso, “gaita de boca”). Gaita, do árabe alghaita, seria “palha” ou “palheta”; palhetas que seriam as divisões e pequenos objetos (plectros), tanto das gaitas quanto das sanfonas, quando de instrumentos de sopro, quanto em cordofones antigos como saltérios (sem braço) até cordofones atuais, como as famosas palhetas das guitarras elétricas… Opa! Já achamos um pequeno elemento comum a vários instrumentos bem diferentes, de várias épocas… mas há outro elemento comum mais importante. É só seguir lendo.

Tratamos aqui de características organológicas muito diferentes, certo? Em alguns casos, os nomes apontam relação, em outros, não: pelos séculos estas relações às vezes foram se perdendo, mas durante muito tempo mantiveram ligação clara. Aparentemente, não teriam nada totalmente em comum, certo?

Atestamos, entretanto, que desde os mais remotos registros conhecidos das “sinfonias” e depois das “organas”, os instrumentos indicam emitir mais de uma nota ao mesmo tempo. Este tipo de sonoridade, inclusive, sempre pôde ser identificado por qualquer pessoa, sem que precisasse ser muito conhecedor de música. E muitos não-especialistas em instrumentos musicais antigos registraram narrativas sobre eles, dando os nomes que entendiam ser mais adequados.

No caso das organas com cordas (as tais do século XI) e as gaitas-de-fole e até algumas flautas múltiplas, uma característica comum a mais é que apenas um dos sons apresentariam variações de notas, enquanto os demais (cordas e sopros) soariam soltos, nas notas originais, fixas. A sonoridade é bem típica, nestes casos.

De qualquer forma, percebeu a continuidade, mesmo com a pulverização de formatos, tipos e nomes diferentes? Os instrumentos antigos, mesmo com diferentes formatos, maneiras de tocar e/ou de nomes, seriam instrumentos capazes de emitir “sinfonias”, ou seja, mais de uma nota musical ao mesmo tempo. São hoje chamados “instrumentos de harmonia”, ou “harmônicos”. Esta característica agrega também o conceito teórico muito estudado até hoje, de organum como “harmonia de vozes, sinfonia, diafonia”, ou seja, “mais de uma voz ou som ao mesmo tempo sendo emitida”. Entendemos que não pode ser coincidência.

Ainda um adendo final, sobre alterações de significados de nomes pelos tempos, em diversas línguas: o mais remoto nome observado, sumponiah em aramaico, aponta ter sido o nome de um instrumento, num empréstimo do grego symphonia (este onde sym seria algo próximo a “inclusão, aumento, soma” e phonia “vozes, sons”). A partir daquele nome em aramaico / grego, pelas diversas circunstâncias, teríamos chegado hoje ao significado de “sinfonia”, mais abrangente, em várias línguas ocidentais, assim como influências em vários nomes de instrumentos musicais (como em “sanfona”). Algumas vezes a consolidação de um nome altera significados anteriores, até por equívocos repetidos por vários séculos, que nunca teriam sido questionados, pesquisados corretamente e corrigidos.

Um exemplo que observamos, mas não vimos em outros estudos, é chamar antigos saltérios de “cítaras”: saltérios seriam cordofones sem braços, e cítara, conforme já descrevemos, viria de nomes de cordofones já com braço (kethara-kithara-cithara). Consideramos equivocado e prejudicial aplicar nomes mais modernos e/ou traduções a instrumentos antigos, mas, neste caso, a consolidação parece tentar corrigir entendimentos equivocados, pois durante séculos se observa a confusão entre “cítaras”, até por linguistas (como dicionaristas, “lexicógrafos”). Cítara, hoje, é convencionalmente nome de instrumentos sem braços, mas o mais correto seria de ser apontado para instrumentos com braço. Há outros exemplos similares, fazer o quê? Paciência.

Mas é ou não é interessante? Pirou sua cabeça também? O nome organa era um genérico, espalhou-se por instrumentos diferentes, aqui e ali com resquícios históricos atestáveis (conforme nossa postulação, de que a história dos instrumentos aponta coerências e constâncias, inclusive nos nomes). Teria alguma lógica e seria possível dissecar as confusões feitas por narradores antigos, que teriam observado pontualmente algumas características, mas sem visualizar o todo, o geral da História. E hoje, podemos “amarrar tudo” comparando várias histórias de instrumentos, que atestamos teriam sido também mudanças por contextos histórico-sociais, mas mantendo alguns resquícios… Só que aí são outras prosas!

Muito obrigado por ter lido até aqui, e vamos proseando…

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, do qual elabora aprofundamentos às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes, centralizadoras das centenas pesquisadas:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG – Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

ARAÚJO, João. A Chave do Baú. Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2022.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

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O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú

            Viola, Saúde e Paz!

Por acaso conhece o nome onomatorganologia?  E separado, onomato-organologia, já ouviu falar?

Pois é… em Primeiro de abril de 2023 já escrevíamos por aqui os Brevis Articulus, onde apontamos aprofundamentos sobre o vastíssimo banco de dados que levantamos e organizamos e que acabaram por culminar em nosso livro A Chave do Baú. Na verdade, tínhamos começado aqui três meses antes, em janeiro. Mesmo assim, por ser citado como “dia da mentira”, brincamos naquele dia, pelas redes sociais, que teríamos “inventado um embrião de uma nova ciência, inspirado num olhar científico milenar” (que foi o título da postagem). Com nome em grego e tudo: zoeira total…

Mas… já ouviram falar que precisamos ter cuidado com o que desejamos, pois pode acontecer? Pois é… agora, apenas seis meses depois, estamos no caminho de conseguir aprovação científica do termo não como “nova ciência” (aí já seria demais), mas como uma técnica metodológica, desenvolvida a partir de outras metodologias existentes. O nome, aquele mesmo, só que em separado: onomato-organologia. Por que inventar um nome? Ora… porque somos o “pai” da “criança”, que não tem “mãe” humana: não acha que temos o direito de batizar? 

Bom, o Tempo é que é, de fato, o verdadeiro “pai” nestes casos, onde a “mãe” seria a Ciência. Então, enquanto esperamos para ver se o Tempo vai confirmar nossas postulações, resolvemos revisar e trazer para cá o texto original, a “zoeira”, a raiz brincalhona sobre aquele que é, falando sério, o segredo por trás de A Chave do Baú, pois este título na verdade se refere à metodologia desenvolvida e lançada para desvendar segredos históricos, “tesouros” sobre instrumentos musicais. Nosso livro, portanto, poderia ser chamado de “onomato-organologia”, só que ficaria bem menos charmoso.

Segue o texto: apontamos a nós mesmos entre aspas, trazendo o tal em primeira pessoa, como foi escrito, para deguste geral e registro histórico aqui:

“Onomatorganologia? Não, você nunca ouviu falar, porque acabei de inventar. Achei divertido lançá-lo exatamente em um “primeiro de abril”, e utilizando linguagem coloquial, brincalhona… Fala a verdade, o academicismo às vezes não cansa um pouco? Por outro lado, muitos gostam de um texto leve, despretensioso, “engraçadinho”… E além disso, estamos numa rede social, então relaxa. E curta (“curta, comente, compartilhe, se inscreva no canal, clique no sininho”, et cetera).

“Onomatorganologia” não “vem” do grego, eu é que quis trazê-lo de lá, porque quis e pronto: onoma, “nome”; organo, “instrumento musical”; logia (a partir de logus), “estudo, ciência, escrita”. Seria, se ou quando vier a existir, “a ciência que estuda o desenvolvimento histórico-social dos instrumentos musicais com ênfase em seus nomes”… mas, por enquanto, me dedico mais aos “cordofones”, que quer dizer “instrumentos musicais de cordas”.

Uma besteira sem tamanho, não é? Afinal, já existem ciências que estudam palavras, entre as chamadas “linguísticas”, especialmente ramos como a etimologia (etimo, “origem”), filologia (filos, “amor”) e a abrangente lexicografia (lexico, “conjunto”). E também já há ciência que estuda características dos instrumentos musicais, a “xará” com nome mais curto, organologia, ramo da musicologia.

Sobretudo, convenhamos: quem sou eu “na fila do pão” para aventar a questionar ciências consolidadas há tantos séculos? É óbvio que só posso estar querendo aparecer…

Bom… eu sou apenas um “curioso”: periergos (em grego), curiosi ou curiosus (em latim), neugierig (em alemão), inquisitive (em inglês), curiós (em catalão), curieux (em francês)… Um curioso em vários idiomas, mas nada mais que um curioso, que não tem preguiça de ler e refletir.

Também sou brasileiro, terra onde vejo ser cultivada popularmente a cultura da bipolaridade, quero dizer, onde só se pode gostar algo se for “A” ou “B”: político, religião, time de futebol… só pode “preto ou branco”, “homem ou mulher”, “bom ou mal”… Me cresci (sobretudo, no abdômen) não vendo muitas considerações de mais de duas posições antagonicamente opostas para cada situação, embora, curiosamente, veja grafias diferentes para uma palavra só, como “abdôme”, “abdômen”, “abdômem” (com ou sem acento circunflexo)… Este é o meu país, minha língua, somos nós. Cheios de incoerências, mas se a gente falar sobre elas, podemos ser mal entendidos, atacados. Mesmo no meu caso, que demonstro todo dia que amo, bem mais do que a maioria, o nosso país, nossa língua, nossa cultura maluca.

Posso dizer que sou anarquista: ser anarquista no Brasil hoje é estudar, é ler e refletir por conta própria; é ver que o radicalismo da bipolaridade só pode estar errado, pois gera divisão, violência, argumentos estúpidos e sem fundamentos. Ser anarquista é descobrir que quem procura o Conhecimento, sem preguiça e com honestidade, pode achá-lo; que a Ciência nunca foi estática, resolvida, definitiva, ao contrário, sempre evolui, ad infinitum (e sim, as citações em outras línguas, principalmente em grego e latim, são para tirar sarro mesmo, ou “me amostrar”, como se diz em algumas das variações regionais brasileiras).

Pois bem… Se a Ciência sempre evolui, porque devemos acreditar que as ciências existentes seriam perfeitas, inquestionáveis? Afinal, o próprio substantivo “ciência” (significando “conhecimento”) passou a existir só após determinada época, em substituição ou complemento ao termo antes usado, “filosofia” (do grego philo, “amor” + sophia, “conhecimento”), termo que era “tudo” antes. O conceito atual de “Ciência” seria então uma evolução ou dissidência de “filosofia”, que cresceu ao ponto do conceito original hoje ser considerado apenas uma das muitas “ciências”…

Convenhamos mais uma vez: “filosofar” em pleno “primeiro de abril” merece um Nobel, não? Eu sei, eu sei: só não sou perfeito porque sou humilde, é meu principal defeito. O outro, é ser mentiroso (às vezes!).

Mas chega de encher linguiça: os ramos da linguística são excelentes, mas tem por padrão, na maioria das vezes e há séculos, estudar cada língua (ou grupo de línguas) em separado, com teorias sendo mais valorizadas que registros de época e sem aprofundamento em outras ciências. Aprofundamentos que seriam difíceis mesmo, pois palavras são usadas para tudo: já pensou se um dicionarista (“lexicógrafo”) fosse estudar a fundo todas as Ciências envolvidas em cada palavra, de cada língua, de todas as épocas? Cientificamente, mas brincando, pode-se dizer que “não rola”.

Pois bem: a linguística ainda não postulou origens confiáveis do termo “viola” e, atrevidamente, afirmo que dificilmente vão descobrir usando as metodologias convencionais, pois temos mostrado que o termo teria surgido a partir de várias línguas diferentes, ao mesmo tempo. Já a organologia, muito boa também, ainda não conseguiu consenso mundial de parâmetros, principalmente porque instrumentos musicais populares (como as violas) sempre foram uma bagunça, poucos tem paciência de os estudarem a fundo. Pelo mundo, aliás, poucos tem ideia do que sejam violas dedilhadas…

Sim, minha empreitada começou a partir das violas dedilhadas, que não são guitarras e este nome só existiria na língua portuguesa (ponto para o curioso, está na vanguarda mundial).

Como também sabemos aqui que “aprender com os mestres antigos” seria saudável, fui consultar pelo mundo quem estudara cordofones, mas os mestres estrangeiros praticamente só teriam estudado violas tocadas por arco, e os de língua portuguesa teriam se atido (ops… desculpe, termo erudito demais); vou melhorar: teriam “se baseado apenas” nos próprios umbigos, para ser honesto, mas sem querer ser desagradável nem rude. A verdade é que pouquíssimos teriam procurado vestígios das nossas violas na História ocidental dos cordofones… Mas que “os há, os há” (aqui vou manter, achei que ficou legal o eruditismo, brinquei com las brujas, percebeu?).

Outrossim… (putz, de novo, sorry)… Entretanto… (que m…!)… “Mas” vários mestres teriam buscado coerência em datas remotas de registros de nomes de instrumentos! Boa ideia! De onde tantos teriam tirado isso? Quase nenhum entrega a rapadura… Talvez, porque tenham ido por caminhos instintivos: quando é só instinto, mesmo estudiosos costumam não saber explicar. Acontece muito.

Fuça daqui, fuça dali, descobri que o filósofo grego Platão, cinco séculos antes de Cristo, teria partido de ideias mais antigas ainda, que depois foram evoluindo (!) até o que se chama hoje de Metodologia “Dialética” (“diálogo”, “debate”): a “arte de pensar, questionar e hierarquizar ideias”… Ah, aí eu exultei quase orgasmicamente! A principal postulação seria algo como: “… nada deve ser estudado sem considerar os fenômenos circundantes ao objeto de estudo”! Finalmente, encontrei quem falasse a minha língua!

É isso. Quer estudar algo? Fique de olho no que está rolando em volta daquilo. E o que rola com instrumentos musicais? Depende da época, região, utilização deles pela sociedade, nomes que foram tendo, evolução de formatos e características… Tudo isso que circunda os instrumentos fazem parte deles (e, no caso, uma circuncisão como a peniana não é o mais recomendado, nem tem nada a ver).

Naturalmente, os mestres também estudavam nomes antigos por serem, os nomes e eles também, “diferentões” (leia-se “anarquistas”, se concordar). E também porque os mestres também gostavam de se amostrar via outras línguas. Nem vem: os caras eram humanos, que não me venham com argumentos semânticos contra um escritor, poeta, compositor. Os anarquistas antigos, como eu também, sabemos que “se amostrar” dá trabalho, mas é divertido e afasta alguns invejosos, que gostam de “duvidar” ou talvez a eles incomode que a gente estude tanto. E isso tudo vem de séculos já.

Buscar nomes remotos, em línguas antecessoras ocidentais, ajuda a identificar e entender o que rolava desde as respectivas épocas passadas… O complicado é que há poucos registros, às vezes pouco legíveis, feitos muitas vezes por quem não entendia nada de música, de linguística, de sociologia (mas achava que entendia e gostava de escrever sobre música). Se liga: não existia nem luz elétrica, muito menos as Ciências como são hoje… Só existiriam os “achistas”, essa praga sempre parece ter existido.

Sim, o caminho é este: os fenômenos circundantes são vários e os dados não são perfeitos: bipolaridade, portanto, nem pensar, não cabe! É desafiante, multi-possível (com permissão de inventar, anarquicamente, alguns termos como este). Alguns “fenômenos circundantes” são bem óbvios e já são observados há algum tempo, embora superficialmente: aspectos musicológicos (naturalmente), somados com históricos, sociais, linguísticos e… matemáticos! Sim, porque quando não se tem todos os registros, arbitra-se pela maioria estatística entre os que se consegue para aproximação da realidade. A matemática é chamada “exata”, mais nada seria mais paradoxal: nela existem limites de funções, números complexos, a própria estatística e outras técnicas que apontam não a realidade exata, “nua e crua”, mas as melhores aproximações científicas.

Não: não encontrei linguistas dispostos a aceitar o que a musicologia explica (e que o curioso aqui, modestamente, sabe alguma coisa por ter cerca de 45 anos de vivência atenta). Também não achei muitos musicólogos que estariam tão dispostos a estudar hipóteses de outras ciências, sobretudo acatar História e Sociologia como fundamental em suas equações investigativas (e dá trabalho). Sobretudo, não encontrei ninguém que apresentasse um banco de dados amplo, sem preconceitos, sem bipolaridades e organizado cronologicamente (que é o que se entende que apontaria a Metodologia Dialética).

Na real? Um monte de cientistas brilhantes, mas ensimesmados nas próprias Ciências, culturas e épocas. E quase nenhum sabe nada sobre violas dedilhadas… A solução foi pegar um pouquinho de cada um, pois não é de se desperdiçar tanto conhecimento, talento e dedicação deles.

Por isso, ciências e entendimentos enferrujados a mim não serviriam, individualmente, mas pego um pouco de cada um. Só se (ou quando) se evolui  a partir deles, abrindo ao máximo o compartilhamento com outras ciências e visões, passam a valer. Ou, talvez, possa eu mesmo inventar uma nova ciência (ou técnica)? Aí já parece gaiatice de primeiro de abril…

O curioso aqui escreve textos, poemas, música na pauta e sem ela, toca um pouco de vários cordofones, lê fluentemente em algumas línguas, entende um pouco de matemática que estudou parcialmente na faculdade, estuda história e sociologia… Lê e estuda feito louco. Na verdade, estudo sobre muita coisa como um maluco e sou anarquista por natureza. Só isso”.

É isso, foi este o texto brincalhão de 01/01/2023. Agora, se nossa postulação séria for aprovada por “pares” da Ciência (professores doutores de Universidades), serão outras prosas… Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando!

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, do qual elabora aprofundamentos às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes, centralizadoras de centenas pesquisadas:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG – Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

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5 Out, 2023

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

            Viola, Saúde e Paz!

Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis Articulus uma espécie de “regra” que postulamos cientificamente, a partir de nossos estudos e descobertas. Não: o que dizemos não é confirmado (ainda) por estudos convencionais sobre as palavras como a etimologia (origens), lexicografia (conjunto), filologia (contextos). Nosso estudo é bem específico e aponta que, pelo menos quanto a instrumentos musicais populares, seus nomes (e outras características) na grande maioria das vezes mudam conforme eventos de grande impacto social.

            Sim, são colocações “atrevidas”, pioneiras. Não apenas porque “somos ninguém”, mas também porque estamos a questionar apontamentos de gente muito séria, já de séculos, e não apenas das citadas áreas linguísticas quanto da própria organologia (a parte da musicologia dedicada à classificação dos instrumentos musicais). Carinhosamente até criamos o nome provisório onomato-organologia… Porque vai que um dia possa se tornar mais um ramo de Ciência? Como “pai”, entendemos ter direito de dar nome à criança.

Entretanto, não somos tão “Dom Quixote” (como gosta de brincar o violeiro Gyba Reis): há estudiosos também muito sérios, nestas áreas científicas citadas e em outras, que veem alguns aspectos como nós, como por exemplo, que registros históricos são base fundamental de todo estudo e que é necessário aplicar o máximo de visões diferentes que for possível. Esta última colocação viria desde o filósofo grego Platão, de quem emprestamos a fundamentação metodológica Dialética para nossas colocações. Não estamos no “mundo dos castelos de vento”, e sim com os pés bem firmes no mundo da Ciência, e no que há de mais moderno atualmente.

            Diversidade não falta ao estudo de “instrumentos musicais”: são citados desde os mais remotos registros escritos que se tem notícia (sumérios e gregos) e tem indicação de terem existido desde bem antes, desde o início da Humanidade, segundo desenhos, esculturas e similares. Além disso, apontam terem vindo sempre mudando, nas mãos dos humanos. Daí nossa segurança em apontar que fatos históricos e sociais, juntos, precisam ser confirmados por toda teoria, de qualquer área da Ciência. Se não são confirmados, é “escreveu não leu…” (vocês devem conhecer o ditado popular).

            Só que é complexo… E o ser humano (mesmo os estudiosos) tem tendência a gostar mais de explicações diretas, rápidas, concisas. Ainda mais hoje em dia, quando, se precisar de duas frases para explicar alguma coisa, a maioria já “rola a tela” e vai procurar um meme com gatinhos, não é? Paciência. O fato é que, num buraco que já seria “mais embaixo” (outro ditado popular), mergulhamos até o fundo e ainda escavamos além, buscando o antes, o fundo do mais fundo do buraco.

            Sim, que temos que considerar alguma quantidade de dispersão pela oralidade nos nomes, como em todas as palavras. A escrita já existiria, mas poucos saberiam ler e escrever pelo mundo, nos primeiros séculos, portanto no início a maior parte da transmissão teria se dado “boca-a-boca”. Uma dispersão oral por línguas bem diferentes, como por exemplo as “europeias” e as “árabes”, que inclusive tem alguns sons que um não consegue reproduzir do outro. Este mesmo fato, entretanto, aponta que o comportamento quando aos nomes de instrumentos musicais teria sido diferente dos de outras palavras, embora linguistas parecem nunca ter considerado assim. E pense conosco: por que raios um árabe e um europeu teriam precisado interagir, por que cada um não ficou no seu próprio lugar, falando só nas suas línguas?

Bom, se gosta de respostas simples, aqui tem uma: todas as vezes que interações de povos muito diferentes aconteceram na História da Humanidade foi devido a eventos históricos que causaram impactos nas sociedades como invasões, calamidades e outros. Nas primeiras páginas do livro A Chave do Baú apontamos inclusive um apanhado sobre estes eventos (e os impactos observados em instrumentos musicais).  

Primeiro (e é importante chamar a atenção para isso), não teria sido por coincidência que onde se constatam os mais remotos registros de escrita houve também desenvolvimento maior que nas demais regiões. Sim, pode conferir: quem “escreveu e leu”, aponta também ter feito descobertas e invenções pioneiras como a roda, utilização do fogo e várias outras constatações de desenvolvimento do humano primitivo. E até hoje, onde há mais desenvolvimento, há interesse (inveja?) de outros povos. Sumérios, então, tiveram menos sorte que egípcios: tanto foram invadidos e saqueados até que a civilização foi extinta, restando só o que a arqueologia ainda está a tentar descobrir e traduzir por completo. Entendeu nosso ponto de partida “História e relações Sociais”?

Depois teria havido uma grande interação, com grandes impactos para várias sociedades então distantes e diferentes, mas que não teria sido tão violenta: os fenícios, ali pelo século XVII aC., teriam saído a navegar pelo Mar Mediterrâneo a fora, com fins de comércio. A mistura de línguas foi tão latente que a eles devemos o início de investimento num conjunto de códigos (letras, palavras) que pudesse ser utilizado como padrão, como facilitador das comunicações. Dos fenícios, depois os gregos (já entre os séculos XVIII e II aC.) herdaram o costume de “visitar” as mesmas terras e de querer inventar uma língua mais geral, o que realmente inventaram; isso foi até que um macedônio de sangue mais quente, Alexandre chamado “o grande” (já no século IV aC.) dominou a Grécia e depois partiu para dominar e explorar pela força o que tivesse de valor onde os gregos tinham “visitado” antes. Em seguida, de Alexandre os romanos herdaram a sede de conquistas e do alfabeto grego derivaram o latim, que inclusive tentaram impor a toda a vasta região dominada, esta que ainda aumentaram, sempre buscando “ao infinito e além”.

Pronto: assim tentamos explicar, em palavras simples, porque linguistas classificam como “tronco indo-europeu” línguas tão diferentes, de povos tão distantes, como asiático-árabes (onde ficava a Suméria) e de toda a atual Europa, inclusive seus limites mais longínquos como o Norte (Grã-Bretanha), diversas fronteiras com a Rússia, etc. Para nossos estudos, destaca-se a diferença causada pela maior ou menor influência do tal latim, que subdivide línguas indo-europeias até hoje entre “germânicas” (inglês, alemão, holandês, etc.) e “latinas” (italiano, francês, espanhol, português, etc.).

Os nomes de instrumentos musicais que viajaram com povos diferentes para o território hoje chamado europeu foram sofrendo mudanças por causa das diversas línguas que começariam de fato a progredir só após quedarem livres de Roma (século V), apesar da Igreja Católica ainda ter mantido o latim por praticamente todo o território. Por isso é como já citamos, algumas daquelas línguas foram mais e outras menos influenciadas pelo latim, mas todas foram. E daí, a partir do século VIII, ocorreu mais um evento de grande impacto, a Invasão Moura no território europeu. Esta foi decisiva para nossos estudos, pois levaram cordofones que inspirariam (no contexto histórico-social de reação aos invasores) o surgimento e evolução dos instrumentos europeus.

Para estudar os instrumentos tantos séculos depois, há ainda outro complicador de origem humana: uma mania que as pessoas tem, há séculos, de inventar significados para palavras (às vezes, nem procuram direito algum registro, se a “invenção” for criativa e agradável aos que gostam de respostas fáceis). Já fizemos até um ensaio a respeito, em nosso livro A Chave do Baú: uma série de nomes, de diversas línguas, que com o tempo foram sendo considerados por significados que “parecem muito” terem sido aquilo, vistos séculos depois. Desde Isidoro de Sevilha, no século VI, que apontou alguns significados sem ligação com registros antigos em sua Etymologiarum sive originum (“Etimologias ou Origens”, que conferimos tanto por Lyndsay quanto Gerberto, ver nas referências) até um dos maiores organólogos do mundo até agora, o alemão Curt Sachs, em seu The History of Musical Instruments (“A História dos Instrumentos Musicais”), já na década de 1940. Sachs apontou (à página 274), tradução de pan-tur (cordofone sumério de três cordas, já com braço e caixa de ressonância) como “pequeno arco”, porém, a atestação de instrumentos tocados por arco só viria a ser registrada bem mais tarde pelo mundo. Sachs também foi dos que usaram genéricos como o inglês fidle, o alemão fidel e o latino fidula para descrever todos os instrumentos tocados por arco: estes termos simplesmente não tem registros antes do século IX, de onde viria fidula, do clérigo alemão Otfried de Weissenburg em seu Liber Evangeliorum (“Livro dos Evangelhos”). O problema é que aquela fidula simplesmente não aponta ter sido tocada por arco… Entendeu a bagunça? Chamam os friccionados por arco por um genérico que teria sido, na origem, nome de um dedilhado. Defendemos que criar e perpetuar genéricos é um grave equívoco, só complica mais o que já é complexo por natureza, que são os nomes em suas línguas originais. Mas, por enquanto, parece que só nós teríamos percebido e desenvolvido sobre isso.

São estas complexidades que decidimos estudar e desvendar. A fim de não sermos enganados pelas verdadeiras “cascas de banana” que até estudiosos muito sérios e competentes jogam no caminho, desenvolvemos uma busca pelas mais remotas fontes a partir de diferentes línguas, épocas e tipos de estudo; retraduzimos com olhar bem atento, organizamos cronologicamente e trabalhamos com a média estatística deles (em outra Ciência envolvida, a Matemática), de olho nos registros históricos e nos impactos sociais dos povos envolvidos. Não, não é algo de se explicar por poucas frases. Longe disso.

Entendemos serem normais nossas descobertas pioneiras, pois no considerável acervo que levantamos pouquíssimos parecem ter intuído algo no sentido de abraçar toda a complexidade, e nenhum teria apontado contextos e metodologias atestáveis como procuramos fazer. Entretanto, intuições e apontamentos bem fundamentados de linguistas e musicólogos de várias nacionalidades como Ambros, O’Curry, Engels, Martinez e, com destaque, do próprio Curt Sachs, foram cruciais para desenvolvermos e atestarmos nossas visões. Ao mesmo tempo, lacunas de tantos pesquisadores competentes ajudam a atestar que nossa visão não teria sido aplicada antes. E sim, também como teria dito Platão, em A República, o que fazemos é apenas apontar o olhar, algo que todos tem, para outros “ângulos mais atestáveis” (assim dizemos nós, mas Platão teria dito “ângulos mais corretos”).

Um ditado popular apontaria que “toda regra tem exceção”. Entretanto, cientificamente, entende-se que se uma exceção não foi prevista na regra é porque a regra não teria sido bem elaborada. A exceção, portanto, testa a regra (ou, no nosso caso, até “atesta” a tal). Naturalmente (e estatisticamente) pensando, se há um número grande de “exceções não bem explicáveis” é porque a regra pode ser furada, portanto, analisar possíveis exceções deve fazer parte de todo bom desenvolvimento. Neste Brevis Articulus vamos analisar algumas possíveis exceções interessantes que encontramos.

Nosso começo sempre foi a partir das violas dedilhadas. Dos portugueses observamos anomalias que já deciframos por aqui, como a consolidação de “violas e violas” (ou seja, dois instrumentos bem diferentes com o mesmo nome) e uma “guitarra portuguesa” com caixa arredondada. Essas coisas só teriam sobrevivido na língua portuguesa. Outra anomalia (ou “exceção”) é próprio nome forte “viola”, preferido pelos portugueses em detrimento aos dos demais cordofones, que se tornou a origem de nossas violas dedilhadas. Tudo isso é explicado pela característica histórico-social particular dos portugueses, com atestação em dezenas de registros. E se mostra coerente com casos curiosos surgidos depois, e em consequência, como o surgimento real do modelo Viola de Cabaça no Brasil só a partir da década de 1980, após uma lenda ter sido criada no século XIX (ver Rebello), equivocadamente apontando origem ao século XVII (ver Mattos): isso atesta que o nome “viola” prevaleceu por muitos séculos nas mentes e para novamente só bem depois ter originado um instrumento de fato (além de, no caso, “cabaça” também ser um nome forte). Outro caso, o da Viola de Buriti, que nem tem caixa cinturada, mas que, além de consolidada com o mesmo “nome forte”, é tocada até hoje tanto dedilhada quanto friccionada por arco, evidência da raiz nas vihuelas espanholas. E ainda a consolidação do nome “viola caipira”, na verdade só a partir da década de 1970, mas que antes de nossas descobertas e denúncias, popularmente se jurava que seria anterior, relativo à uma “cultura” representada pelo termo “caipira”… Este termo que só a partir do século XX começou a ser interpretado e defendido como se fosse de origem indígena direta, mas que já atestamos que nunca teria sido.

Tantas possíveis “exceções” (se considerarmos em paralelo à História Ocidental dos cordofones) talvez sejam o motivo de lá fora não serem muito estudadas nossas violas, mas, na verdade, o fato é que tudo isso atesta e confirma nossa metodologia, nossa visão.

Há vários outros exemplos pela História dos Cordofones que analisamos bem mais profundamente que os demais estudos encontrados. Quase todos já mereceram aqui Brevis Articulus específicos (afinal, esta ação é para apontar aprofundamentos). São “prosas passadas”, por exemplo, o caso das ORGANAS, destaque por serem antecessoras dos cordofones cinturados e seu nome ser, de longe, o mais alastrado e confundido pelos séculos. Há também o caso das cítaras, hoje entendidas como espécie de saltérios (cordofones com caixa ao longo das cordas, sem braços).

Não somos malucos de ir contra consolidações ocorridas naturalmente pelos povos, depois de longos períodos (até porque é científico, é estatístico), mas “cítara” não faria sentido e nem teria existido antes do domínio dos romanos, que claramente teriam convertido kithara do grego para cithara (assim como várias outras palavras iniciadas com “k” para “c”). Estes foram, por séculos, nomes de instrumentos já com braços, posteriores aos saltérios antigos e é assim que devemos vê-los, conforme o período referenciado. O fato de terem hoje “nomes de valor retroativo ao tempo” (o que é impossível), atestam dois aspectos de nosso desenvolvimento: o contexto histórico-social da imposição do latim pelos romanos e a falta de precisão histórica por estudiosos e pessoas comuns, que nos trouxeram à citada (e respeitada por nós) consolidação popular. Ou seja, não se discute com fatos históricos: atesta-se, analisa-se e se considera na equação (senão, vira teoria furada).

Outra interessantíssima “prosa passada” é o grande capítulo das guitarras espanholas, com seu histórico de manterem um mesmo nome desde o século XIV (pequenos cinturados com 4 ordens de cordas), passando para 5 ordens entre os séculos XVII e XVIII (as famosas assim chamadas “guitarras barrocas”) e para 6 cordas simples a partir do século XIX (o mais famoso ainda, e assim chamado “violão” pelos portugueses). Sim, o nome guitarra viria a ser sucessor de kithara e cithara, lembrando que o “c” em latim, que não existia em grego, também substituiu a letra gama, que teria som de “gh”. Este pequeno dado histórico-linguístico deixa um pouco menos complexo entender porque dois caminhos paralelos anteriores ao termo guitarra (que chamamos “bifurcações de nomes”) surgiram entre línguas germânicas (cittern / gittern) e latinas (cistro, cistre, cedra, cétula, etc.). Quando adicionamos a visão organológica na equação dá pra entender porque teriam surgido antes, em algumas regiões, instrumentos chamados guitarra (e as diversas variações citadas) com caixa arredondada, e não cinturada, mas que a partir do século XVII todos teriam aderido à opção lançada pelos espanhóis… Menos os portugueses, que teriam então tentado fazer um impossível “retorno ao passado” exclusivo, particular, pela nomenclatura de suas guitarras portuguesas, de caixa arredondada. Não, não foi natural aquilo, é anômalo, é exceção. Quando inserimos contextos histórico-sociais fecha-se o quadro, por atestarmos nomes e formatos sofrendo interferência (entre outros contextos, Hyspania em ascensão no século XVI, lusitanos portugueses em concorrência explícita desde que se lançaram como reino independente no século XII, e por isso aproximando-se historicamente mais dos italianos e ingleses, etc.).

Ainda entram na mesma equação outras “exceções atestativas”, como as chitarras italianas, surgidas no século XVII e já cinturadas como as guitarras espanholas (porém sem aderirem diretamente ao nome espanhol) e não arredondadas como as antigas cétulas deles. Também a lacuna deixada pelos espanhóis ao redesignarem o nome guitarra para cinturados de 5 ordens, abrindo caminho (a partir do mesmo século XVII) para surgimento de outros nomes para cinturados pequenos, de 4 ordens, como machinho, machete, braguinha, rajão e até cavaquinho e ukulelê; ainda depois (a partir do século XIX), ao redesignarem guitarra para seis cordas, deixaram espaço para o verdadeiro surgimento das violas dedilhadas portuguesas, que simplesmente mantiveram o nome preferido “viola” para a armação já utilizada, de cordas duplas, das antecessoras guitarras de 5 ordens. Percebeu as exceções atestando a regra?

Ainda um pouco de carona nesta longa e importante fase das guitarras espanholas, desvendamos o novelo também das vihuelas deles, que teriam caído em desuso, junto com as guitarras menores, no já tão citado século XVII, pela preferência pelo nome forte guitarra para um novo instrumento com 5 ordens. As vihuelas, na verdade, teriam continuado organologicamente como eram, inclusive com nome único para dedilhados e friccionados por arco: só que, para o nome, teria surgido a variação viola na península itálica, nos séculos XV e XVI (ver Tinctoris, Lanfranco, Ganasi) e em Portugal no século XVI (ver Oliveira e Morais). Já das violas de arco italianas (já que as dedilhadas mudaram de nome para chitarras), surgiria depois a família dos violinos atuais, mas não sem um acréscimo de complexidade, pois entre o surgimento do nome então genérico violino (“pequena viola”) até sua consolidação atual ter-se-iam passado aí cerca de 300 anos, só começando mesmo em meados do século XVIII.

Um dos mais fortes contextos histórico-sociais teriam sido as fases da Revolução Industrial (entre o início do XVIII e início do XIX) e naquele período praticamente todos os cordofones europeus mudaram muito. Não, nada teria sido aleatório. Mesmo o complicado cenário (de registros em tantas línguas diferentes e por tantos séculos) se demonstra contextualizável por nossa metodologia, nossa nova maneira de olhar.

Por fim, outra evidência atestável é que a possível aleatoriedade (que parece ter sido o entendimento geral antes de nós) coloca-se em xeque pela atual padronização, em praticamente todas as línguas, de nomes como o espanhol “guitarra” e italiano “violino”. E até as violas de arco das orquestras, conforme demonstramos em A Chave do Baú, apontam estarem num caminho de padronização ao nome “viola” em diversas línguas.

Em mais uma “exceção atestativa”, este nome viola sofreu interferência de outro período de transição na península itálica, quando foram chamadas da braccio e alto (este último, a partir de contralto, a segunda voz menos aguda entre as femininas). Os termos italianos braccio e alto influenciaram outras línguas, mas que nos últimos anos apontam estarem a retornar ao mais original, ao latino VIOLA (observável desde o século XII, influenciador portanto do occitano, do catalão e outras línguas, até chegar ao espanhol vihuela). Retornos ao uso de nomes originais em várias línguas é o contrário de ser aleatório, pois as línguas continuam diferentes e cada vez mais consolidadas (assim como o natural nacionalismo dos países) … E é aí que entra o contexto histórico-social: embora a globalização, pelas comunicações, já venha sendo observada há alguns séculos, houve no meio do caminho histórico o forte período da Revolução Industrial (quando nomes viraram “marcas”, para melhor vender os produtos). Passado o período mais forte, o que se vê é uma globalização absurda (on line, em tempo real), mais forte que o próprio capitalismo consolidado (embora também motivada e alimentada por ele, enquanto ampliação de mercados). Os instrumentos não poderiam deixar de continuar reagindo a episódios assim.

A evidência final é uma premonição, que talvez não estejamos vivos para atestar: com a recente pandemia, que afetou muito a vida de muitos, a tendência é que instrumentos musicais reajam, que reflitam isso de alguma forma. Como será, não sabemos… Mas quem sabe a próxima reação já esteja a começar conosco, e seria um período de requestionamentos, reestudos e reescrita da História dos Cordofones? Isso, sem dúvida, é papo para outras prosas (e esperamos poder contá-las!).

Muito obrigado por ler até aqui… E vamos proseando!

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, cujos aprofundamentos aponta às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG – Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

Referências:

AMBROS, August Wilhelm. Geschichte der Musik. v. 2. Leipzig: F.E.C Leuckart, 1880.

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Novello, Ewer & Co., 1883.

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Veneza: s/n, 1542.

GERBERTO, Martino. De Cantu et musica sacra. v. I e II. [Württemberg]: San-Blasianis, 1774.

GERBERTO, Martino. Scriptores Ecclesiastici De Musica Sacra Potissimum. v. I a III. [Württemberg]: San-Blasianis, 1784.

LANFRANCO, Giovani.  – Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LINDSAY, W. M. Isidori Hispalensis Episcopi Etymologiarum sive Originum. Oxford: University Press, 1911.

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tese (Doutoramento em História da Arte) – Fac. de Geografia e História, Univ. Complutense de Madrid. 1981.

[MATTOS, Gregório de]. Literatura Brasileira – Textos Literários em Meio Eletrônico – Crônica do Viver Baiano Setecentista. [separata de] Obra poética. 3ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1992b

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXII, Zaragoza [Espanha], v1, nº1, p. 393-492, jan./dez. 1985.

O’CURRY, Eugene. On the Manners and Customs of the Ancien Irish. v. 1 e 2. Edinburg / New York: Williams and Norgate, 1873.

 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

OTTFRID, Von Weissenburg. Evangeliorum [Gospel Book]. [exemplar da Biblioteca da Regia Monacensis, Bavária]. s.l, s.n, [ca.863-ca.871].

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. A República Platão. 9ª Ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1949.

REBELLO, Manuel Pereira. CABRAL, Alfredo do Valle (pref.). Obras Poéticas de Gregorio de Mattos. Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882.

SACHS, Curt. Real-Lexikon der Musikinstrumente. Berlin: Julius Bard, 1913.

SACHS, Curt. The History of Musical Instruments. New York: W.W & Company, 1940.

TINCTORIS, Johannes. De Inventione et usu musicae. [Naples]: EMT [internet], [1486].

TYLER, James; SPARKS, Paul. The Guitar and its Music: from the renaissance to the classical era. Nova Iorque: University Press, 2002.

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