14 Dez, 2023

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

I have chosen this fiddle among the many, because it is a good illustration of the oval vielle of the twelfth, thirteenth and fourteenth centuries, and because the name “viola” is written in the MS. just above it.

(“Escolhi este fiddle entre vários porque é uma boa ilustração da viola oval [?] dos séculos XII, XIII e XIV, e porque o nome “viola” está escrito no MS, logo acima).

[Kathleen Schlesinger, no livro Instruments of Modern Orchestra and Early Precursors of Violin, 1910, p.393].

Viola, Saúde e Paz!

No processo de aprofundamentos das pesquisas, característico destes Brevis Articulus que aqui publicamos, chegamos à checagem de algumas fontes pouco citadas por estudiosos pelos tempos, como é o caso da musicóloga britânica Kathleen Schlesinger (1862-1953), da qual só vimos uma citação, na Encyclopédie de la Musique, de 1925, coordenada pelo musicólogo francês Albert Lavignac (1846-1916).

Para nossa surpresa, é um trabalho primoroso, repleto de análises e reproduções de desenhos a partir de manuscritos, alguns bem raros. No início do século XX, a então curadora do Museu Britânico teria sido bem respeitada por suas publicações. Talvez, com o passar do tempo, possa ter sido menos citada por ter sido mulher: infelizmente, a estatística de nosso banco de dados, construído a partir dos estudos mais citados desde o século XV (e fontes citadas nestes), aponta número bem menor de autoras. Entretanto, atestamos que fizemos descobertas muito importantes exatamente nestes estudos “femininos” pouco lembrados.

Mas talvez Schlesinger tenha sido pouco citada também por algumas posturas particulares que teria escolhido. Por exemplo, é a única que observamos que teria inventado e adotado a nomenclatura guitar-fiddle para designar o principal conjunto de antecessores do violino… Ela mesmo explicou que era um nome moderno, de cunho próprio (além do próprio termo fiddle não deixar de ser um genérico moderno, inventado para nomear qualquer friccionado por arco)… mas é uma colocação infeliz, pois são dois nomes ligados a formas de tocar bem distintas (dedilhada e friccionada por arco). A tendência esmagadora dos estudiosos é separar categoricamente estas duas classes de instrumentos. Separam até demais, diríamos se fôssemos perguntados.

Parece que o conservacionismo (assim como certa forma de usar nomenclaturas) impera na musicologia há muitos anos, assim como em outras áreas. Isto serve inclusive como alerta para nós, que esperamos, então, certa resistência a nossos questionamentos atrevidos, com embasamentos inéditos, vários deles baseados em estudos de nomes, que nunca vimos terem sido feitos tão profundamente antes…

Outra surpresa encontrada no livro da inglesa foi o exemplo em destaque na abertura, até certo ponto atestador de algo que constatamos por centenas de apontamentos: a maioria dos estudiosos europeus, embora excelentes como Schlesinger, teriam se equivocado nas análises, ao considerar “violas” apenas como instrumentos friccionadas por arco, deixando assim as violas dedilhadas fora das equações investigativas.

De certa forma, “é bom para nós”, pois nos deixaram então um caminho ainda inédito na musicologia ocidental (e por isso mergulhamos fundo nele).

No apontamento da pesquisadora (assim como no restante do livro) observa-se como ela na verdade veria todas as vielles (“violas”, em francês), por todo o território europeu, dos séculos XII ao XIV. A base seria aquele instrumento, que ela teria visto em um manuscrito (identificado como Sloane 3983), referente à região belgo-francesa Flandres do século XIV e que, segundo ela, seria um fiddle (ou seja, “um instrumento tocado por arco”). Um dos principais argumentos para ser chamado por este nome seriam dois furos no formato da letra “C” vistos na caixa de ressonância metade ovalar, metade achatada como um quadrado com os cantos arredondados. Segundo ela, instrumentos tocados por arco não teriam bocas redondas nas caixas, o que é uma tese que até poderia justificar o desenvolvimento acontecido pelos séculos, mas não atesta que todos os instrumentos teriam sido assim no passado, principalmente durante um grande período de transição… Um período pouco observado em estudos antigos, mas teria existido.

O desenho não indica como teria sido o fundo do instrumento, se liso ou abaulado. Quatro cordas, que passariam por um cavalete onde se veem cinco furos representados (?) e que se estenderiam pelo tampo, onde não se vê em detalhes, mas parece que as pontas seriam fixadas na lateral ou fundo. Na cabeça, na forma de trevo de três folhas, apenas três tarraxas grandes, desenhadas de forma livre, artística.  O suposto arco não constaria do desenho. O manuscrito, escrito em latim, apontaria literalmente o nome viola que, embora a pesquisadora não tenha citado o mais remoto registro conhecido, demonstrou saber que teria surgido realmente a partir do século XII (certamente pela estatística dos manuscritos que pesquisou, e foram muitos).

Nós, atrevida e pioneiramente, afirmamos: “ledo engano coletivo da grande maioria dos estudiosos!”. Apontam só violas de arco, muito provavelmente, porque a família dos instrumentos tocados por arco se tornou “erudita”, de participação importante nas orquestras, estudada nas escolas, etc… enquanto as violas dedilhadas seriam apenas “instrumentos populares”.

Dizemos “a maioria dos estudiosos” porque, além dos poucos estudos específicos sobre violas e vihuelas dedilhadas, em mais de uma centena dos mais citados estudos europeus que investigamos, apenas três teriam citado as dedilhadas, e sempre com poucas linhas, como curiosidades. E, também curiosamente, observamos só uma citação por século (!), e todas em inglês, significando talvez que cada estudioso possa ter influenciado a citação do secundante, mas nenhum teria levado a pesquisa mais a fundo. Isso acontece mais do que precisaria. São elas, as citações: Carl Engel (Researches into the Early History of the Violin Family,1883, p.122) chegou a citar até as violas brasileiras; Curt Sachs (The History of Musical Instruments, 1940, p.274) e Tyler & Sparks (The Guitar and its Music, 2002, p.191) citaram apenas violas portuguesas dedilhadas. Nem precisamos contar que sabemos disso porque saímos “caçando de vela acesa” nossas violas pela História, né? Sobre-entenda-se.

Não: nem todas as “violas” (e variações deste nome surgidas nas línguas relacionadas) seriam tocadas por arco. E isto teria origem, na verdade, desde o século X até os dias atuais. No caso, hoje em dia, só na língua portuguesa, mas “bom pra nós também” que os portugueses, por nacionalismo, teriam optado por esta forma anômala e exclusiva de chamá-las, enquanto o resto da Europa, a partir do século XVII, teria optado por chamar dedilhados semelhantes de variações do termo espanhol guitarra. Contexto histórico-social, no popular: portugueses e espanhóis “nunca se bicaram”, é fato.

Vários estudiosos (inclusive a própria Schlesinger, por seus manuscritos) atestam por milhares de registros (escritos, desenhos, esculturas), colhidos por toda a Europa, que os arcos só teriam registro no território europeu a partir do século X e que os primeiros instrumentos nos quais teriam sido utilizados arcos (rabecas, rotas, gigas) teriam sido apenas dedilhados antes. Estes teriam passado a ser tocados de ambas as formas por um longo período de transição (o tal que falamos que existiu, lembra?) e sendo, enquanto isso, chamados pelos mesmos nomes.

Dada a interpretação muitas vezes equivocada destes dados, embora a nós trazidos exatamente por grandes pesquisadores europeus, não nos custa resumir aqui como alguns deles os apontaram em seus estudos:

REBEC, CROUTH, GIGUE (em texto em francês) seriam os apontados pelas pesquisas de Paul Garlant, na Encyclopedie de la Musique de Lavignac (1925, p.1760);

REBEC, ROTTE, GEIGE (em texto em inglês) apontariam as conclusões de Carl Engel (Researches into the Early History of the Violin Family,1883, p.152);

REBEC, CROWTH, GIGE (em texto em alemão) seriam os apontados por Curt Sachs (Real-Lexikon der Musikinstrumente, 1913);

RABÉ, ROTA, GIGA (em texto em espanhol), por Rosario Martinez (tese Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos, 1981, p.888).   

É importante denotar que o fato de registros conhecidos apontarem “a partir do século X” não comprova que os arcos não fossem utilizados ou pelo menos conhecidos antes, por todo o território; mas atestam, pela estatística, que àquela época estariam ainda bem no início do tal período de transição.

O que, entretanto, observa-se que não teria sido bem considerado pelos estudiosos é que, ainda durante o longo período, entre os séculos XII e XIII, é que se conhecem registros do nome “viola” (com a característica de terem surgido em variações próximas em várias línguas), quase simultaneamente e com bem mais registros que guitarras e outros cordofones que sempre teriam sido dedilhados. O contexto histórico-social deste surgimento teria sido o auge do Trovadorismo, em que artistas viajavam pelos vários reinos existentes, narrando poeticamente várias características e costumes da época, com mesclas do latim popular e línguas e dialetos ainda em ascensão. Isso incluiria, por exemplo, o nome viola de registros mais remotos em latim, occitano, catalão e ainda em espanhol (neste caso como variação de viuela); violle e viele em francês; videle em alemão antigo; fidele em inglês anglo-saxão e outras variações próximas.

Embora ainda na fase de transição, a maioria dos estudos (antes dos nossos) parecem ter concluído que a separação seria latente e indiscutível, considerando “violas” como friccionados desde sempre… E o que é pior, e que aponta que teriam sido traídos por visões modernas e pouco precisas: ao não considerarem violas dedilhadas nas equações investigativas, vários estudiosos apontam que alguns instrumentos com registros anteriores ao século XII (!) também teriam sido como violas friccionadas por arco, mesmo que não existam indicações claras naqueles registros, como os de nomes latinos vidula e phiala (século XI) e principalmente fidula (século IX). O levantamento, retradução e organização das fontes nas línguas originais foi inclusive a motivação de nosso artigo Chronology of Violas according to Researchers (Ferreira, 2023).

Em nossa reinvestigação atenta observamos, sem ter sido apontado por tantos outros estudos, que, por exemplo, o nome phiala realmente apareceria ligado a arcos, mas com ressalvas: […] Arcus dat sonitum phiale, rotule monochorde (“O arco [é usado para] gerar som na phiala, um monocórdio com rodas”) seria o registro mais remoto com alguma descrição, porém já do século XIII (!), da Summa Musicӕ, creditado a certos “Perseus e Petrus” (?-?). Além de não ser atestação válida (um instrumento ainda seria igual por cerca de 200 anos, em outra região, mesmo citado pelo mesmo nome?), não há outra evidência de que “violas” teriam sido monocórdios em qualquer época: aquela phiala do século XIII tem probabilidade maior, portanto, de ter sido uma grande trombeta marina, com a citada “roda” servindo para locomoção do instrumento. É um monocórdio bastante citado, normalmente tendo mais de dois metros de comprimento.

Já sobre fidula, observado em poema do padre alemão Otfrid ([863-871]), observa-se que teria sido entendida como palavra original alemã, mesmo que não tenha sido observada em nenhum outro registro antigo nessa língua. Entretanto, somado ao registro de fiþele (transcrito fidele / fithele), de manuscrito em inglês do século XII, a fidula teria originado os entendimentos modernos de genéricos para instrumentos de arco fidel (em alemão) e fiddle (em inglês). Hoje, mais utilizados como sinônimo de “violino” e/ou “violino rústico, rabeca”. Só que nem aquela fidula do século IX, nem as citações de fidele / fithele conhecidas, até o século XIV, tem evidência de terem sido instrumentos tocados por arco. Encontramos apenas mais uma citação antiga de fidula, no século X, mas em texto em latim De Musica do padre e musicólogo francês Odo de Clúnia, que apontou cithara sive fidula, ou seja, que a fidula seria como uma citara, instrumento dedilhado… percebe a gafe?  

Alguns estudiosos importantes até reconhecem que a fidula original não teria sido tocada por arco, mas, interessantemente, ainda assim utilizam largamente fiddle como genérico para friccionados em seus textos. O já citado Carl Engel chegou a fazer um pequeno desenvolvimento, com apontamento de fontes a partir do século XIV, onde de certa forma defendeu (ou justificou) o uso genérico, tanto em alemão quanto em inglês… só que as fontes originais inglesas indicadas apontariam, na verdade, o já citado fiþele, transcrito fidele ou fithele. Daí até fidel e fiddle há um coeficiente de adaptação / tradução. Não rastreamos profundamente, pois consideramos a prática equivocada, mas vimos que em fins do século XVIII John Hawkins não usaria o genérico fiddle, mas chamaria os tocadores de fidlers (A General History of the Science and Practice of Music, 1776); e poucos anos depois, Charles Burney (A General History of Music, 1782) já usaria muito o tal genérico.

Outro genérico muito utilizado pelos da língua inglesa, um pouco antes de fiddle, é viol: parece viola, mas não é, né? Entendemos que não seja por preguiça de acrescentar uma letra a mais, e sim evitar termos em outras línguas. Traduzir, porém acrescentando um certo sentido de nacionalismo, já vimos antes na História (as nossas violas, na verdade, teriam sido apenas um nome antes, já demonstramos por aqui algumas vezes). Aliás, mudar (depois de algum tempo) de viol para fiddle também aponta nacionalismo (o segundo nome tem mais “cara de inglês”).

Este termo viol lembramos tê-lo observado pelo muito citado musicólogo alemão Michaele Prӕtorio “Michael Praetorius” (Syntagmatis Musicis, de 1619). Chamou a atenção porque o autor, escrevendo a maior parte das vezes em latim, acrescentou muitos termos também em alemão, e vez ou outra “escorregavam” alguns em italiano e francês. No caso, observamos viol de bracie e viol bastarda (como num “italiano pobre”, ou “estilizado”). Talvez seja o mais remoto registro, e talvez tenha sido criado por engano, de grafia ou de gráfica, pois não seria exatamente de nenhuma língua europeia, muito menos do inglês, já que se aproxima da forma latina. Não nos interessa tanto investigar, como já dissemos, mas o certo é que os ingleses parecem ter gostado do nome, e desde pelo menos Christopher Simpson (The Division-Violist, 1659) veio sendo usado como se fosse “viola” e às vezes como genérico, até fiddle passar a dominar.  

De nossa parte, embasados em nossos estudos sobre nomenclaturas, apontamos que o uso de genéricos, assim como traduções e aplicações de nomes modernos a instrumentos antigos é altamente prejudicial, causando inúmeros equívocos de entendimento. Nomes de instrumentos pelos tempos já são complexos de entender por si mesmos, sem precisar de mais confusões agregadas. Por outro lado, nomes em suas formas / línguas originais carregam resquícios históricos interessantes, que não deveriam ser ocultados, e sim destacados.     

Alguns instrumentos, como as rabecas, com o passar do tempo se consolidariam exclusivamente como tocadas por arco, enquanto suas “irmãs”, as mandoras, seguiriam só como dedilhados. Já as violas, a maioria delas também passaria a ser tocada por arco, mas não todas… Se olharmos com bastante atenção e buscando o máximo de abrangência, na História Ocidental as “violas” jamais teriam deixado de ter seu nome ligado à ambas as formas de tocar, e não apenas a uma, além da bivalidade ser claramente apontada em alguns registros.

Para tanto, é preciso ter muito cuidado nas análises e não se deixar levar por suposições, traduções e muito menos concepções já modernas: apontamos que a fase de transição teria sido especialmente longa em algumas regiões, porque no século XIV ainda haveria citação de vihuelas de arco e vihuelas de pendola (dedilhadas) pela Espanha, bivalidade que duraria pelo menos até o início do século XVII, conforme se observa desde o Libro de Buen Amor, de Joan Ruiz (estimado ao século XIV) até Juan Bermudo (Declaracion de los Instrumentos Musicales,1555) e Domenico Cerone (El Melopeo y Maestro,1611).

O nome vihuela para instrumentos dedilhados cairia em desuso pelos espanhóis, mas nos séculos XV e XVI haveria “violas e violas” na Itália, ou seja, instrumentos de mesmos formatos e armações de cordas que as vihuelas espanholas, e também tocados de ambas as formas. Neste caso, a conferência precisa passar pelo menos por Tinctoris (De inventione et uso musicae, ca.1486), Francesco Milano (Intavolatura de Viola o vero Lauto, 1536) e Silvestro Ganasi (Regola Rubertina, 1542).

Pelo menos mais dois registros do século XVI apontam a utilização de um mesmo nome para dedilhados e friccionados por arco: o alaudista alemão Hanz Judenkünig (1450-1526) utilizaria o nome geige com a mesma bivalência, tanto em alemão quanto em latim, em seu método Utilitis et Compendiaria Introducto (ca.1523) e, em inventários do Rei Henrique VIII, falecido em 1547, a anotação […] Gitterons […] caulled Spanishe Vialles (“Gitterons chamados Vialles Espanholas”), onde gitterons aponta para “guitarras”, instrumentos dedilhados. Esta citação faz parte de manuscritos pesquisados pelo musicólogo inglês Francis Galpin (Old English Instruments, 1911) que, “interessantemente”, apontou as vialles como friccionadas por arco… (para quem não sabe, Galpin foi um excelente pesquisador, respeitadíssimo, mas…).

No século XVI e XVII, as violas portuguesas teriam significativos registros, que entende-se que estudiosos possam ter desprezado, a princípio, pelos desenhos representarem na verdade guitarras “chamadas de violas”; entretanto, a partir do século XVIII, as violas portuguesas começariam a ter características diferenciadoras das guitarras, culminando no fato de que, do início do XIX até os dias atuais, tanto em Portugal quanto no Brasil, as violas dedilhadas passariam a efetivamente “existir”: não seriam mais apenas um nome sem correspondência a instrumentos distintos, pois os espanhóis abandonaram o formato com duplas de cordas e resignificaram o nome “guitarra” para um instrumento de seis cordas simples, apelidado “violão” pelos portugueses. Assim, a partir daquela época, guitarras e violas teriam se tornado bem diferentes, mas estas violas dedilhadas não entrariam nas equações investigativas de muitos estudiosos. E olha que nós checamos…  

Ou seja: seguiram havendo continuamente instrumentos com nome de “viola” (ou vihuela) que seriam bivalentes (quer dizer, um mesmo nome para instrumentos tocados de forma diferente). Qualquer tipo de registro onde o arco não fosse representado ou citado não comprova que os instrumentos teriam sido tocados por arco… e muito menos que em todas as regiões e épocas teriam sido tocados só daquela forma.

Nem curiosidades históricas (ou exceções) teriam chamado a atenção de outros estudiosos pelos tempos, como as chamadas “lira bizantina” e “lira de braço”, que tinham nome de dedilhados, mas eram tocadas por arco. Talvez, como dissemos, registros não tenham sido considerados por serem exemplos de instrumentos populares, que não faziam parte das orquestras e do círculo erudito como as violas de arco.

Não é primazia nossa estudar violas dedilhadas. Há alguns estudos (que naturalmente conferimos à exaustão) sobre: vihuelas espanholas, cujo nome caiu em desuso no século XVII; sobre as violas italianas dedilhadas (que passariam a ser chamadas chitarras também a partir do mesmo século XVII) e sobre as violas portuguesas e brasileiras, que tecnicamente só se pode dizer que existam desde o início do século XIX. Nossa primazia está em analisar todo o conjunto ocidental, tanto histórico quanto de variedades de fontes e estudos em todas as línguas concernentes, contextos histórico-sociais, investigar e contextualizar a grande variação de nomes, e de desenvolver uma técnica metodologia consistente. Tudo “junto e misturado”, a partir da “chave do baú” (que é a técnica metodológica que desenvolvemos, e estamos a chamar de onomato-organologia)… Mas aí já são outras prosas… 

Muito obrigado por ler até aqui, e vamos proseando…

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, do qual elabora aprofundamentos nos Brevis Articulus às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes, centralizadoras das centenas pesquisadas:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG / Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

ARAÚJO, João. A Chave do Baú. Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2022.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

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7 Dez, 2023

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu

 

“[…] Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos mouros, o português denominou-o no aumentativo de viola, instrumento-rei.”

(Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954)

Viola, Saúde e Paz!

Segundo a internet, Luís da Câmara Cascudo (1898 / 1986) teria sido historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado e jornalista brasileiro. Teria vivido sempre em Natal, no Rio Grande do Norte e, por seus inegáveis méritos, é muito respeitado. Sua obra-master, o Dicionário que destacamos na abertura, teria levado cerca de 15 anos para ter a primeira edição concluída e depois ainda teria sido bastante incrementado, visto que a edição que tivemos contato, de 2005, traz referências até do ano 2000.

Um trabalho respeitável, sem dúvida alguma: teriam sido muitos anos pesquisando, Cascudo teria lido muito, consultado centenas de pessoas, feito viagens. Entretanto, como infelizmente se tornou comum nas publicações sobre folclorismo, vários de seus apontamentos não indicam fonte, nem desenvolvimento: há afirmações de cunho pessoal, às vezes divagações, ou fruto de intuições, como o trecho em destaque. Não é recomendável, pois tais comportamentos às vezes geram lendas, como a óbvia indicação de que “violão” seria aumentativo de “viola”: só que etimologia de verdade nem sempre funciona assim, na base do que “parece mais óbvio”.

Entendemos ser, na verdade, até leviano tratar a origem de palavras desta forma, mas infelizmente as pessoas comuns fazem e apreciam que seja feito, assim como apreciam lendas (outro combustível amplamente utilizado pelos folcloristas sem indicação clara para que as pessoas não sejam enganadas). Ninguém deveria agir assim, muito menos um “historiador, sociólogo, antropólogo, etnógrafo”… mas é verdade também que muitas pessoas parecem querer ser enganadas, gostam de acreditar em suposições e lendas como se fossem verdades. Então… segue o andor.

Por outro lado, talvez por ter pesquisado tanto, às vezes algumas intuições tem algum fundamento e são passíveis de atestação, como, no mesmo trecho, a de que o violão teria vindo da Espanha e que haveria disputa com mouros. Outro trecho bem apontado, no caso, na frase final do mesmo verbete, seria: “[…] Não conheço referência ao violão, anterior ao século XVIII”. Realmente não haveria, mas para afirmá-lo é preciso contextualizar, desenvolver, apontar fontes. Já outras alegações do tipo “o violão é urbano, a viola é interiorana”, possivelmente inspiradas no que Cascudo tenha lido de Amadeu Amaral (livro A poesia da Viola, de 1921) é totalmente desprovida de atestação, vez que o violão acabou por atingir a preferência também nos rincões do Brasil, a partir de 1840, enquanto as violas, embora em menor número, nunca deixaram de existir nos grandes centros urbanos, como Vila Rica (maior centro urbano durante o Ciclo do Ouro), Rio de Janeiro, São Paulo e outros. E as violas não são originárias do Brasil, seja do interior ou dos centros urbanos: vieram de Portugal e, assim como lá, aqui foram evoluindo conforme o tamanho e outras características da diversidade cultural.

É preciso, pois, ler com bastante atenção e conferir informações sempre, comparar por vários dados de época e contextos, para não sair espalhando lendas… mas, infelizmente, até estudiosos deixam de conferir (por equívoco ou por conveniência).

Para um aprofundamento um pouco maior, como nos propomos a fazer aqui nos Brevis Articulus, sobre as origens do “violão” precisamos antes repassar algo que já citamos no livro A Chave do Baú: a histórias das guitarras espanholas, com curiosos capítulos desde cerca do século XIII (citação em cancioneiros ibéricos) até a já citada consolidação do instrumento, a partir da década de 1820.

Pensa que confundimos guitarra com violão? Não… Na verdade, buscamos certa especialização pioneira no estudo de nomes de instrumentos: “violão” é um dos apelidos que os portugueses teriam inventado para as guitarras espanholas desde a época da última transição delas, como dissemos, bem apontada por Cascudo, a partir de meados do século XVIII. Outro apelido que atestamos teria sido “viola francesa”, e alguns apontam que “guitarra francesa” também teria sido utilizado, porém não o encontramos em textos de época portugueses, e o contexto histórico-social não o indica (já, já, explicaremos melhor este último). Mas podemos adiantar: o apelido que incluiria o nome “guitarra”, se foi utilizado, foi muito pouco (fique ligado nisso).

Temos observado e descoberto muitos pontos interessantes e que ainda não teriam sido apontados em outros estudos, a partir de nomes de instrumentos deste pelo menos o século II aC. (somado ao cruzamento de outras informações, inclusive de outras Ciências). Fizemos reinvestigações atentas de fontes das diversas línguas envolvidas, tanto de registros quanto de estudos. Um dos pontos interessantes é que a nomenclatura “guitarra”, assim como o formato de caixa cinturado e de fundo plano, acabaram por se tornar os preferidos para cordofones portáteis populares por espanhóis e, a partir deles, de todo o território europeu, desde o século XVII. Entendemos, pelos contextos histórico-sociais, que esta preferência se deveu à uma ação tácita de rejeição a invasores, numa espécie de nacionalismo ou patriotismo.

Antes um pouco, no século XVI, guitarras seriam cordofones de tamanho menor, com 4 ordens de cordas (3 ordens duplas, uma singela) e dividiriam espaço com vihuelas de 6 ordens (5 duplas e uma singela). Estes instrumentos de caixa cinturada concorreriam com instrumentos “mouros” (invasores da Península entre os séculos VIII e XV), instrumentos que teriam sido largamente utilizados no território europeu inclusive pelos Trovadores (com auge nos séculos XII e XIII): respectivamente, a concorrência (ou espelhamento) teria sido contra as pequenas manduras (chamadas bandurrias pelos espanhóis) e os alaúdes (chamados pejorativamente “vihuela de Flandres” pelos espanhóis)…

E sim: o artifício de tratar por “apelido” um instrumento oriundo de cultura concorrente teria este precedente espanhol, muito parecido com o uso do apelido “viola francesa” aplicado por portugueses. E a intenção teria sido a mesma: mascarar a correta origem. Flandres seria uma importante região comercial franco-belga, mas não haveria dúvida possível da origem árabe dos instrumentos mouros, de inconfundível formato periforme (com laterais e fundos abaulados). Assim como não haveria dúvida possível da origem espanhola dos violões, chamados “violas francesas” por portugueses, embora alguns estudiosos apontem. Nós não temos dúvida: atestamos por vários registros que a ligação espanhola com as guitarras (principalmente com este nome) já existia há tempos.

Observamos o detalhe do apelidamento vihuela de Flandres (entre outras atestações) em livro de Juan Bermudo (Declaracion de los Instrumentos Musicales, 1555, p.90-98), mas para um entendimento mais claro do período da primeira transição das guitarras espanholas é bom conferir também os métodos de Luiz Milan (El Maestro, 1536), Juan Amat (Guitarra Spañola y Vandola…, estimado a 1596) e Pietro Cerone (El Melopeo y Maestro, 1613). Muitos estudos citam apenas o famoso método de Amat, onde realmente ele não teria usado o nome vihuela… mas ele simplesmente teria optado pelo nome vandola para instrumentos de seis ordens, além de abordar guitarras de cinco ordenes e de quatro. O citado método de Cerone teria sido o último onde ainda se abordariam também vihuelas dedilhadas, que depois então desapareceriam dos registros por mais de um século. Recomendamos, para uma análise geral, conferir também a tese de Maria do Rosario Martinez (Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos, 1981).

O nome vihuela era também utilizado no território espanhol para instrumentos tocados por arco (e ainda o é), e isso provavelmente colaborou para a queda em desuso das vihuelas dedilhadas, mas é mais provável ainda que os espanhóis, que já teriam optado por diferenciar seus instrumentos dos instrumentos mouros pelo formato de caixa, tenham resolvido diferenciá-los mais ainda pela armação de cordas, surgindo então a guitarra de cinco ordens (4 duplas, uma singela). Nos métodos citados se atesta ter sido uma ideia que já vinha sendo gestada desde o início do século XVI. Aquela “nova guitarra”, então, se tornou famosa por toda a Europa da época, sendo muito citada até os dias atuais, por vários estudiosos, pela alcunha de “guitarra barroca”. Este nome citamos apenas para ajudar na identificação: não aprovamos o uso de nomenclaturas diferentes das originais de época, nem traduções, muito menos usar nomes como se estes fossem capazes de retroagir no tempo. À cada época, os instrumentos teriam sido chamados apenas de “guitarras”, com acréscimos quanto às armações de cordas… portanto, assim devem ser chamadas sempre. Mas entendemos que, por enquanto, não teria havido outros estudos como os nossos, com tamanha profundidade quanto aos nomes dos instrumentos, então… paciência.

Denotamos, também indo além dos estudos convencionais, que a mudança foi significativa: teriam saído de cena dois instrumentos (um com 4 ordens, outro com 6 ordens) e emergido apenas um no lugar deles, com cinco ordens e tamanho intermediário entre os dois anteriores… mas a mudança incluiu uma curiosa manutenção do nome guitarra para o novo instrumento. O passado quase nunca se consolida em pouco tempo, normalmente há longas fases de transição, onde se atestam vários fatores influenciadores, quase nunca um só. Neste caso, com o passar do tempo, certamente terá colaborado a escolha do nome guitarra explicitada por Amat, cujo método foi traduzido ou até copiado em outras línguas, como as mais remotas: chitarra spagnola em italiano (por Montesardo, 1606); guitarre em francês (por Moulinie, 1629); Gitarre em alemão (por Doremberg, 1652) e guitar em inglês (por Corbetta, ca.1677). Mas também terá colaborado o fato de que a guitarra predecessora, de 4 ordens, já ter feito relativo sucesso antes, pelo território europeu. Estas informações, entre outras fontes, podem ser checadas no bom livro de Tyler & Sparks, The Guitar and its Music, de 2002.

Denotamos também que a ressignificação do nome feita pelos espanhóis não causaria a extinção dos instrumentos em territórios vizinhos: as vihuelas dedilhadas seguiriam existindo na peninsula itálica pelo menos até o século XVII, assim como as de arco; só que lá, ambas seriam chamadas “violas”, assim como depois continuariam sendo chamadas, até os dias atuais, pelos portugueses e por nós. Já os cordofones cinturados de menor tamanho seriam chamados pelos portugueses “violas pequenas”, desde antes, e a partir do século XVII ascenderiam outros nomes como “machinho”, “machete”, “rajão”, “braguinha” e até “cavaquinho” e o hawaiano ukulelê (estes dois últimos, já a partir do século XIX). Estes instrumentos todos não poderiam mais ser chamados de “guitarra”, mas, tecnicamente, são variações daquelas.

Chegamos então ao século XVIII, com entendimento de que os espanhóis investiam em suas guitarras, e estas continuavam fazendo sucesso, então não tendo mais que dividir espaço de preferência com vihuelas… Entretanto, entre meados do século XVIII até o início do século XIX, outra fase de transição das guitarras aconteceu: novamente teriam sido desenvolvidas alterações (chamadas organológicas) no instrumento de preferência, que passaria no fim a armar com seis cordas simples (o tal “violão”). E, novamente, a nomenclatura guitarra seria a escolhida para seguir identificando. Técnicas de construção e novos estudos (métodos) foram produzidos.  

Acrescentamos, com ineditismo de observação, que como antes acontecera, novamente o instrumento anterior (guitarra de cinco ordens, então já consolidado em cinco duplas de cordas) não deixaria de existir pela vizinhança por causa da nova ressignificação do nome: aquelas guitarras, que eram chamadas de “violas” pelos portugueses, simplesmente continuaram a existir como eram… Só que, então, passariam a ser “violas” sem a equivalência física com guitarras espanholas, pois as espanholas teriam mudado de configuração. Sim, é o que atrevidamente apontamos como a verdadeira origem de nossas violas dedilhadas: de um nome genérico, passariam a existir de fato a partir daquela época.

Os portugueses já teriam começado a introduzir pequenas particularidades nas suas “violas”, como duas ordens triplas e utilização de cordas metálicas (como os italianos já fariam com suas chitarras pelo menos desde o século XVII), mas seguiriam chamando de “violas” todos os cordofones portáteis, inclusive variações surgidas durante a fase de transição como guitarras de cinco cordas simples e de doze cordas, em seis ordens duplas (estas últimas, com auge em 1799 e significativo uso pelo menos até 1826, segundo o Method complète pour la Guitarre, do compositor espanhol Dionísio Aguado y Garcia); portanto, só a partir da consolidação da “mais nova guitarra” (ou “violão”), as violas dedilhadas portuguesas poderiam ser apontadas como tendo configuração distinta, não mais apenas um nome genérico (ou seja, antes elas não existiriam, só o nome, é o que atrevidamente apontamos). Dos modelos surgidos naquela época de transição, apenas o 12×6 (doze cordas em seis ordens) não teria sobrevivido, sendo predominantes hoje os de armações 12×5 e 10×5.

A pergunta que não quer calar é: “por que os espanhóis teriam resolvido mudar mais uma vez a configuração de seus cordofones de maior sucesso?”.

Como sempre, acreditamos que as respostas sejam complexas, normalmente uma somatória de vários fatores, que se atestam por períodos mais dilatados. Entre estes fatores, numeramos alguns que consideramos serem os mais importantes, suficientes para trazer uma luz embasada:

Primeiro, porque o mesmo tipo de mudança nos instrumentos, mantendo o nome preferido, já teria sido feito antes, e com sucesso.

Também porque estava-se em plena ascensão da Revolução Industrial, onde a mentalidade capitalista já começaria a indicar que ter um produto característico favoreceria comercialmente a região de criação e de mais investimento naquele produto. O mesmo tipo de entendimento, e também a partir da mesma época, teria sido aplicado pelos italianos, que começaram a investir mais nas violas da gamba e de braccio (que culminariam no atual naipe das orquestras modernas), e pelos portugueses, que embora tenham passado a poder ter “violas” como referência (mas não exclusiva, pois já seriam bem famosas na Colônia Brasil), acabaram por investir no surgimento e ascensão da “guitarra portuguesa”.

Ainda dentro da visão de “produto”, observamos que os portugueses prejudicariam a divulgação do nome correto das guitarras (chamando-as de “violas”). Portugal, sobretudo à época, teria considerável influência no território europeu, por sua atuação comercial, e haveria circulação de muitos de seus documentos escritos, além dos seus costumes e visões. A ação espanhola não resolveria o problema quanto ao nome utilizado pelos portugueses, mas criar uma “nova guitarra” sem dúvida ajudou a que elas não fossem confundidas com as “violas” portuguesas.

Já o retorno ao uso de seis ordens (usadas antigamente em alaúdes e vihuelas) facilitou a utilização do produto espanhol pela Europa, vez que alaúdes não teriam caído tanto de uso em outras regiões como italianas e francesas, a rejeição maior teria sido mesmo ibérica. Assim, tablaturas / partituras, ou mesmo o repertório informal, tocado em alaúdes, poderia simplesmente ser tocado pela “nova guitarra / violão”. Observa-se que a própria guitarra portuguesa ter-se-ia consolidado também em seis ordens que, embora duplas, não impediriam que elas tocassem o repertório de alaúdes (nem de violões).

O violão teve então grande sucesso, a partir da consolidação no início do século XIX, conquistando a preferência de uso entre cordofones por todo o território europeu, incluindo Portugal, e as terras conquistadas, nas Américas. Felizmente, sem que eliminassem as violas dedilhadas, que ainda sobrevivem, e hoje ajudam a contar e atestar toda a História (tanto a dos cordofones quanto das comoções sociais que testemunharam). Mais tarde, a partir do século XX, o violão viria a inspirar a “guitarra elétrica” estadunidense, que com a ascensão do rock (entre outros estilos onde é utilizada) também passou a ser um sucesso mundial, talvez até maior que suas avós “acústicas”, até os dias atuais… Mas aí já são outras prosas… 

Muito obrigado por ler até aqui, e vamos proseando…

(João Araújo é músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor. Autor do livro A Chave do Baú, do qual elabora aprofundamentos nos Brevis Articulus às terças e quintas nos portais VIOLA VIVA e CASA DOS VIOLEIROS).

Principais fontes, centralizadoras das centenas pesquisadas:

ARAÚJO, João. Linha do Tempo da Viola no Brasil: a consolidação da Família das Violas Brasileiras. 2021. Monografia (Premiação Pesquisas Secult MG / Lei Aldir Blanc). Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2021.

ARAÚJO, João. A Chave do Baú. Belo Horizonte: Viola Urbana Produções, 2022.

FERREIRA, João de Araújo. Chronology of Violas according to ResearchersRevista da Tulha[S. l.], v. 9, n. 1, p. 152-217, 2023.

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/214286

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