27 Fev, 2023

QUANDO UM MODELO SE TORNOU “VIOLA CAIPIRA

Quando um modelo se tornou “Viola Caipira”

“[…] Mas também o que nos dirão da monotonia e insipidez dessas intérminas e uniformes modulações da viola caipira seguindo o sapateado do fandango, obrigada sempre às improvisações poéticas e desafios que formam a fama e o goso [sic] de tantos de nossos homens dos campos?”

[Jornal curitibano A República (08/07/1901, nº. 149, p. 1)]

Viola, Saúde e Paz!

Ao ver acima a citação mais antiga que observamos do nome “viola caipira”, de 1901, muitos poderão pensar que o modelo Viola Caipira que hoje conhecemos viria já daquela época – e muitos também acreditam que viria desde antes, “desde sempre” no Brasil, um único modelo. A verdade dos fatos, entretanto, tem-nos mostrado grandemente que, em termos de instrumentos musicais, quase nunca estes estiveram estáticos em termos de nome, formato e outras características. Ao observar qualquer instrumento hoje, ousamos afirmar que ele certamente não teria sido sempre assim.

Não negamos, entretanto, alguns fatos que podem ter colaborado para entendimentos equivocados, até de estudiosos: é fato que, ao consultar sites de fabricantes de violas dedilhadas, encontram-se datas do início do século XX: primeiro com Tranquilo Giannini, que aponta início de atividades em 1900; depois, a partir de 1902, com Angelo Del Vechio e a partir de 1908, com Romeu Di Giorgio. Todos imigrantes italianos, todos começando a produzir artesanalmente “a nova guitarra espanhola”, em moda pela Europa e todos que, com o passar dos anos, passaram a construir também “violas”, chegando à produção em série, industrial. Não há dúvida que aquele modelo que começaram a desenvolver naquela época é ainda a base das nossas Violas Caipiras atuais – a maior parte delas, industrializadas. A mais antiga evidência literal (documental) que encontramos é de 22 de junho de 1926 – anúncio no jornal Estado de São Paulo: “‘Ao Rei dos Violões’ – Fábrica de violões, violas, cavaquinhos e bandolins” (ESTADÃO, nº 17282, p. 10). É fato também, entretanto, que nenhuma destas fábricas utilizava no início a nomenclatura “viola caipira”…

Também é fato que antes de 1901 as “violas” já teriam começado a ser ligadas com algum certo “caipira”: encontramos o mais remoto registro (de alguma ligação, mas ainda sem uso do nome “viola caipira”) na frase “Um amarelo caipira de viola ao peito” no periódico carioca Jornal do Commercio (11/04/1846, nº101, p.2). A pergunta é: estes fatos são suficientes para apontar que existia uma “viola caipira” àquela época, que era assim que eram conhecidas as violas pelas pessoas?

Já sobre o entendimento coletivo de que a “viola caipira” teria chegado ao Brasil já com os jesuítas e que faria parte de uma “tradição de raiz”, devemos às colocações do genial empresário paulista Cornélio Pires: sua interpretação e incansável defesa do que ele entendeu significar o termo “caipira” – sugerindo que seria de origem indígena e que, portanto, representaria uma cultura ameaçada de extinção – não pode ser citado por adjetivo menor do que “genial”: entendimento criativo, que faz sentido (para quem não buscar ler sobre História, sobre fatos) e bastante agradável, bastante conveniente para uma população que sempre careceu de inclusão social (e que nunca teve grande hábito de leitura e de reflexão). Não à toa Pires vendeu muito, era visionário e muito trabalhador. Não à toa recebeu apoio, anos mais tarde, até de estudiosos, que se baseavam naquele entendimento para ancorar até teorias “científicas”… mas…

Um dos aspectos mais geniais de Cornélio Pires é que ele sabia que não precisava apontar dados comprováveis, estudos, embasamento científico: seus textos eram artísticos (ou “casos e mentiras”, como ele mesmo citou no livro As estrambóticas aventuras do Joaquim Bentinho – o queima campo, publicado em 1921). Pires nunca foi “científico” e nunca defendeu que teria sido. Genial! O povo acreditar no que ele dizia é fácil de entender… Agora, porque tantos estudiosos continuam defendendo, sem procurar comprovar cientificamente as alegações, é mais difícil de entender. O único fato que se pode citar é que o caipirismo de Pires “vendia” muito bem – e continua “vendendo”. Mas não há qualquer evidência de existência de uma “cultura caipira” antes de Cornélio Pires.

Voltando o foco mais às violas, é fato (por registros até de fácil acesso público) uma curiosa estatística: entre os anos de 1930-1939, em periódicos por todo o Brasil, cujos acervos históricos estão disponíveis para consulta pela internet, pesquisamos e encontramos o nome “Cornélio Pires” citado 704 vezes; no mesmo período, a palavra “caipira” teve 10.162 citações (!) e o termo “viola caipira”, apenas uma citação, em matéria sobre um professor de guitarra portuguesa, no jornal carioca Correio da Manhã (21/03/1930, nº 10808, p.7).

Não é interessante? Observe que a única citação de “viola caipira” nos jornais é de 1930 – e depois, enquanto o caipirismo e seu criador eram fartamente citados, durante nove anos nem foi citado “viola caipira”…

Sim, é fato: nem no auge do caipirismo a viola foi chamada de “viola caipira” contundentemente, portanto, não era o nome popular do instrumento. Na mesma base de dados, mas incluindo citações em livros, discos e outras fontes, descobrimos que entre 1900 e 1959 houve, sim, citações ao termo “viola caipira”… mas estas não teriam sido nem sequer uma por ano! Quais teriam sido os nomes? Sem qualquer dúvida, o maior número de registros é de apenas “viola” – que inclusive é o que mais aparece desde o século XVI – seguidos às vezes, mas poucas vezes, entre outros, dos nomes “viola cabocla”, “viola paulista”, “viola sertaneja”; já a partir de 1959, também começa a aparecer bastante o nome “viola brasileira”.

Infelizmente mal interpretado e divulgado até por grandes estudiosos, a década de 1960 não foi a década da “viola caipira”: houve, realmente, um aumento de uso deste nome nesta década (para cerca de 4 citações por ano) – porém, ao mesmo tempo, se constata uma dicotomia (uma espécie de “disputa” ou “dúvida pública”) entre “viola caipira” e “viola brasileira”. Ambos os nomes aparecem juntos em várias publicações, denotando que não havia uma denominação certa – haveria, sim, uma dúvida pública a respeito. Este fato é visto, além das matérias de jornais, por exemplo, a partir de 1959, na contracapa do disco Exaltação à Viola, do maestro Élcio Alvares (em matéria do jornalista Vicente Leporace); em 24 de agosto de 1963, artigo do maestro Theodoro Nogueira – Anotações para um Estudo sobre a Viola – publicado no Jornal A Gazeta de São Paulo e replicado, em parte, em 1971 na contracapa do disco Bach na Viola Brasileira; em 1964, no artigo Estudo sobre a Viola, da Revista Brasileira de Folclore, Rossini Tavares de Lima utilizaria inclusive uma abordagem múltipla: “viola caipira, sertaneja ou brasileira” e em 1968, na contracapa do disco Canto Geral, Geraldo Vandré utilizou a expressão “viola caipira ou brasileira, como queiram”.

Como se observa, jornalistas, maestros, folcloristas e artistas ainda não afirmavam categoricamente que a viola seria “viola caipira”. Este é um fato, comprovado não só por estes exemplos, mas por milhares de publicações.

Mas então, afinal: quando é que o modelo mais conhecido (famoso, comercial) de nossas violas (nunca teria havido apenas um modelo, é bom lembrar) se “tornou” Viola Caipira?

É do nosso banco de dados bem considerável que trazemos as evidências: um aumento bem mais expressivo de citações aconteceu partir da década de 1970, que depois só cresceria mais até chegar ao panorama de conhecimento público atual. A este respeito conseguimos contextualizar, histórica e socialmente, a evolução (aproximadamente a partir de 1972) do estilo hoje chamado “sertanejo universitário”, que entre outras mudanças quanto aos antigos “caipiras” trouxeram a substituição das violas em suas formações – e uma resposta comercial da gravadora onde o artista mais famoso era Tião Carreiro, que a partir de 1976 (disco É isso que o povo Quer) começou a utilizar o termo “viola caipira” em suas capas. Naturalmente, esta fase de transição é bem longa (nada, na verdade, é simples e rápido de explicar, de comprovar); remete, inclusive, a disputas de mercado com registros desde 1964, na época do grande sucesso da música Disparada… mas aí já é outra prosa…

Por isso, vamos proseando… 

Páginas

Viola

Caipira

Viola

Brasileira

Viola

Sertaneja

Viola

Paulista

Viola

Cabocla

1950-1959

6.032.672

08

02

21

32

03

1960-1969

4.767.940

39

45

14

06

03

1970-1979

4.165.039

244

39

32

04

04

1980-1989

3.470.167

387

14

51

11

03

Nomenclaturas de violas no Brasil (1950-1989)

Acervos da Biblioteca Nacional Digital do Brasil (645 jornais)

e dos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo.

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
23 Fev, 2023

ORIGENS POUCO CONHECIDAS DO TERMO VIOLA

Origens pouco conhecidas do termo VIOLA

[…] alii fistulis, alii sambucis, alii violis […] psalunt

(“Eram tocados algumas fistulas, sambucas, violas”)

 

Codex Calixtinus, criação coletiva, data estimada entre 1130 e 1160

Viola, Saúde e Paz!

Como nós, possivelmente os leitores já tenham lido em algum lugar que o termo “viola” teria vindo de fidula, vidula ou vitula (do Latim), ou do Catalão viula – entre outras teorias similares. É por isso que listamos, nas primeiras páginas do livro A Chave do Baú, os mais remotos registros encontrados de termos parecidos, que teriam sido citados por diversos estudiosos de ciências diferentes, em várias línguas e épocas também diferentes.

A diferença é que juntamos em um só estudo TODAS as citações, sem julgar a princípio se estariam certas ou erradas (o que não observamos ter sido feito por ninguém antes); as retraduzimos, com muita atenção (sobretudo com olhar musicológico e histórico), para uma língua só (inglês, com a supervisão do linguista suiço Rémy Viredaz) e, quando consideradas consistentes, as organizamos todas em ordem cronológica (para podermos analisar o que estava a acontecer em cada época em que os termos teriam surgido).

Entendeu? Seria mais ou menos como pegar uma aeronave e, lá de cima (no espaço), usando uma luneta poderosa, olhar para baixo e tentar enxergar o “todo” dos estudos e dos registros – olhar o conjunto inteiro e não apenas esta ou aquela vertente. Ou seria como olhar, de cima, um grande rio – mas observá-lo inteiro, desde a nascente até a foz, sem perder de vista sequer um ribeirão-zinho de sua cadeia (ou rede) de afluentes.

A Cronologia aponta que o mais remoto registro do termo VIOLA seria o destacado no início desse artigo, que teria sido observado em manuscritos estimados ao século XII. Sem dúvida faz sentido, portanto, que estudiosos procurassem por termos semelhantes que tivessem registros antes daquela época – e assim realmente conferimos vidula (sec. XI) e fidula (sec. X) em textos em Latim… mas aí já começam os entendimentos conflitantes, pois o mesmo fidula foi observado numa poesia toda escrita em dialeto alemão, do século IX… segura essa aí por enquanto, que já voltamos a falar disso.

Também faz algum sentido a alegação de origem do termo a partir de vitula, embora este termos só tenha registro como nome de instrumento musical a partir do século XIII – pois ele existiria em Latim desde muito tempo antes (seria do verbo vitular – “dar demonstração de júbilo, alegria”). E pensar em termos como viula (de textos em Catalão e Occitano), que também só teriam registros conhecidos a partir do século XIII, faria sentido por estas duas línguas estarem ligadas às ancestralidades dos atuais francês, espanhol, português. Acrescentamos, talvez apenas como curiosidade, que viola já seria utilizado pelo menos desde o século VI em Latim – mas como nome de uma flor, conforme já citamos aqui em outros artigos. Mas é um termo latino, sem dúvida.

Tudo faz algum sentido… Porém, até os dias atuais, nenhuma teoria (principalmente de linguistas e outros especialistas em origens de palavras) pode ser considerada decisiva, incontestável – principalmente quando cruzamos informações de outros olhares científicos, onde destacamos a musicologia (naturalmente, por ser a mais indicada quando o assunto é “instrumentos musicais”) e História / Estudos Sociais, que são ciências aplicáveis e aceitas em todo e qualquer estudo.

O que o nosso olhar (aquele da luneta, lá do espaço) vem trazer para a equação global são fatos e evidências históricas bem consistentes – como, por exemplo, o expressivo número de nomes similares, surgidos praticamente ao mesmo tempo em diversas línguas. Levantamos estes registros entre os séculos XII e XIII e consideramos que dois séculos possam ser considerados “quase ao mesmo tempo”, se comparados à História Ocidental toda (aquela visão ampliada, lembra? Sempre ela!).

Para refrescar os estudos sobre História, é bom lembrar: até o século V, quando o Império Romano caiu, os romanos dominavam o que chamamos hoje “território europeu” e, dominantes, tentavam impor o Latim como língua universal; porém, após a queda, o Latim não foi “expulso junto”, pois seguiu sendo a língua praticada pelos padres por todo o mesmo vasto território – mesmos padres, os maiores responsáveis pelos textos escritos (inclusive, sobre música e/ou que continha citações de instrumentos musicais). Após a queda também não haveria ainda os países hoje consolidados (França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Itália, Portugal, etc.). Todos estes eram compostos de reinos independentes, cada reino então a desenvolver suas culturas próprias, onde as línguas começaram a se desenvolver mais a partir do tal século V. Línguas como a Inglesa e a Alemã atuais tiveram complexos desenvolvimentos a partir de vários dialetos. E sim, se pensou na figura da “Babel bíblica”, deveria ser mesmo parecido…

Um fato que veio “bagunçar” ainda mais este caldeirão de idiomas / culturas aconteceu a partir do século VIII: a invasão árabe (muçulmana, “moura”), que durou até o século XV (!). Pense bem: são muitos séculos de uma cultura bastante diferente e, embora poucos comentem, pelo menos em termos de música e construção de instrumentos era bem mais avançada… Ah, sim: nossa poderosa luneta visualiza também as épocas, pois organizamos tudo em ordem cronológica, lembra?

Pois bem: são estes contextos históricos e sociais que nos trouxeram a resposta para uma pergunta óbvia: “por que diabos teriam surgido tantos nomes diferentes em apenas dois séculos?” – e a resposta nos parece bem simples e clara: foi neste período que os Trovadores teriam “bagunçado mais” a vida de praticamente todos os reinos europeus, viajando de lá pra cá, literalmente “fazendo arte” até no meio da rua, com poesias e músicas onde misturavam palavras árabes (no início), com o latim popular e as tais várias línguas diferentes em desenvolvimento nos reinos… Fácil de entender, não? Queria-se comunicar… e o que se tinha, à época, era utilizado como se podia.

Inclusive, um dos mais famosos intercâmbios de línguas, muito citado como “língua dos Trovadores”, seria o Occitano (também citado como Provençal ou Langue d’Oc) – um língua típica da região de reinos que hoje corresponderiam às fronteiras da Cataluña e França e que, não por coincidência, são grandes influências das línguas faladas hoje nestes lugares, assim como na Espanha, Portugal e Galícia (regiões que, como a Cataluña e outras, faziam parte da grande península Hyspanica).

Só lembrando, o costume nômade já era tradição árabe, assim como os cordofones portáteis, as rimas, etc. Estes costumes depois foram grandemente encampados (copiados, pode se dizer?) por nativos de todos os territórios europeus, mas com intercâmbios de características – onde se observam nomes, formatos e detalhes variados nos instrumentos musicais.

Enfim, de nosso muito atento e dedicado estudo, onde procuramos máxima abrangência (de dados, línguas, ciências, visões, etc.) o que concluímos é que nem faz sentido tentar entender um dos principais nomes de instrumentos surgidos nesta época (séculos XII e XIII) pelo viés de apenas uma língua (ou cultura): o processo foi, claramente, múltiplo – e as evidências são muito claras. Mesmo quando analisamos estudos em cada língua em separado a multiplicidade se evidencia pelas lacunas – por exemplo, excelentes estudos publicados por alemães e ingleses que muitas vezes desconsideram registros e termos em Latim, Catalão, Espanhol, etc. (e vice-versa).

Outra claríssima evidência apontada pela Cronologia montada é que inclusive os citados escritos em Latim, feitos pelos padres – que consideramos, por assim dizer, o “Latim oficial” após a queda de Roma – apresentam claras influências das várias línguas em desenvolvimento, independente do costume de se separar línguas “românicas” (oficialmente consideradas como influenciadas pelo Latim) das demais, chamadas “germânicas” (não só alemão, mas também o inglês, dinamarquês, etc.). Ousamos chamar de “intercâmbios”, mesmo que linguistas só costumem apontar o que chamam de “empréstimos”, que teriam acontecido só do Latim para algumas línguas, pontualmente. O que os registros em ordem cronológica apontam é que teriam havido “empréstimos” tanto nas línguas em desenvolvimento quanto nos próprios textos em Latim “oficiais”, “de lá pra cá”, indo e voltando, pelos séculos – basta observar também as nacionalidades dos padres-autores, ou os locais onde os registros teriam sido feitos. E também que o Trovadorismo se tornou tão comum que há diversos registros de padres que também escreviam versos rimados – assim como outros poetas, legitimamente europeus, que passaram a copiar os costumes implantados pelos árabes.

No popular? O Trovadorismo, com auge nos séculos XII e XIII, claramente “bagunçou a zorra toda”, não só na música / instrumentos musicais, mas também outros costumes sociais que apontam mudanças a partir daquela época (e que descrevemos, em detalhes, no livro A Chave do Baú). Instrumentos musicais normalmente reagem a mudanças sociais de grande impacto – e isso também comprovamos, várias vezes, com outro olhar de “luneta espacial” – só que mais ampliado ainda, pegando do século II aC. ao século XVI… mas aí já são outras prosas…  

  Vamos proseando…   

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS:

Em Latim:

Tratados e textos de Cicero, Homero, Virgílio, S. Isidoro e outros [disponíveis pela internet]

AGRICOLA, Martinus. Musica Instrumentalis – 1542 [1529]

PRӔTORIO, Michaele. Syntagmatis Musici – 1615

KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalis – 1650

DU CANGE, Domino. Glossarium Mediae et Infimae Latinitatis – 1877

Em Italiano:

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica – 1533

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina – 1542

BONANNI, Fillippo. Gabinetto Armonico – 1722

Em Espanhol:

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales – 1555

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola – [1596]

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro – 1613

Em Francês:

PLAYFORD, John.  A brief introduction to the Skill of Musick – 1667

ROUSSEAU, Jean. Traite de la viole – 1687

LAVIGNAG Albert. Encyclopédie de la Musique – 1920-1927 (vários volumes)

Em Inglês:

BURNEY, Charles. A General History of Music – 1782

OCURRY, Eugene. On the Manners and Customs of the Ancien Irish- 1873

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family – 1883

GALPIN, Francis W. Old English Instruments – 1911

SACHS, Curt. The History of Musical Instruments – 1940.

Em Alemão:

DIEZ, Friedrich. Etymologisches Wörterbuch der Romanischen Sprachen – 1878

AMBROS, August Wilhelm. Geschichte der Musik – 1880

SACHS, Curt. Real-Lexikon der Musikinstrumente – 1913

Em destaque, estudo do citado Burney (1782, p. 224-230) sobre o latim popular e depois o desenvolvimento nas poesias provençais.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
20 Fev, 2023

QUATRO VIOLEIROS ESQUECIDOS PELA HISTÓRIA

Quatro Violeiros esquecidos pela História

 

Viola, Saúde e Paz!

Quem já leu sobre a história da música popular brasileira deve ter reparado que as mais remotas citações costumam ser a partir do choro, ali por meados do século XIX – sendo muito citadas, como nossas origens, as modinhas e lundus. 

Desta forma, portanto, desprezar-se-iam cerca de 350 anos de nossa História – quando há registros de instrumentos chamados de violas tocados no Brasil desde o início da Colonização. Também são desprezados os múltiplos caminhos que aquelas violas seguiram até os dias atuais; sequer a óbvia (por ser numericamente expressiva) evidência delas no caipirismo. Violas não servem, então, para as estatísticas da “música popular brasileira”? Por que?

É o que citamos em nosso livro “A Chave do Baú”, em capítulo carinhosamente elaborado: raros são os estudos sobre o samba, por exemplo, que contemplam suas raízes nas violas dos escravizados, nos batuques e lundus – dois nomes de “ritmos”, mas que eram também nomes de reuniões para se cantar, dançar e tocar, mas não apenas tocar instrumentos de percussão. Nos batuques – de longe, a manifestação popular mais evidente por todo o país nos primeiros séculos – tocavam-se instrumentos de harmonia, de pelo menos dois tamanhos distintos, tanto para canções dolentes quanto nas animadas danças. “Violas”, eram chamados os instrumentos! Além disso, antes dos mais remotos registros conhecidos sobre o choro, estas mesmas pessoas pretas (escravizados e forros), com estes mesmos instrumentos, tocavam em eventos religiosos, dentro e fora das igrejas (procissões, folias, etc.).

A precariedade de dados e de estudos existentes, sobretudo sobre violas, além de preconceitos diversos, podem ter sido as causas desta desconsideração histórica – e ajudar a suprir esta lacuna é dos principais objetivos de nossas pesquisas (para não dizer “de toda nossa carreira artística”).

Em metódica reinvestigação aos estudos feitos nos últimos 60 anos (e às fontes apontadas por estes, que no conjunto remetem à História dos cordofones de origem ibérica desde sempre), constata-se, por exemplo, que não há evidências de violões no Brasil antes da década 1820, tendo estes vindo a se consolidar só na década de 1840. Já a primeira menção a um possível “cavaquinho” vem do ano de 1820 – tendo demorado alguns anos até se observar que este tenha se consolidado por aqui. Antes de 1820, portanto, é bom considerar com carinho os inúmeros registros de instrumentos chamados de viola por aqui, mesmo com os poucos detalhes narrados.  

Esta afirmação se ancora em estudos e registros de respeitáveis portugueses, espanhóis, brasileiros e outros, sobre dados levantados em instrumentos remanescentes, métodos, romances, registros de alfândega, periódicos e contextualizações histórico-sociais.

Destacamos quatro grandes personagens até bastante citados em estudos, mas curiosamente não tão citados como tocadores de viola; estes seriam, possivelmente, os quatro maiores violeiros da nossa História, por terem pilares da nossa música popular (sim, nos atrevemos a afirmar: “música popular” – às vezes tão popular que era executada nas ruas). Dados, há – não entendemos porque tantos não os citam.

GREGÓRIO DE MATTOS GUERRA (1636-1696): soteropolitano muito citado como grande poeta, o “Boca do Inferno” (e seu irmão, Eusébio) tem registros como tocador de viola segundo: Nuno Marques Pereira (1939 [ca.1823]);  Manuel Pereira Rebello ([MATTOS], 1882, p. 23);  Dr. Paulo Castagna (1995, p.4); Fernando da Rocha Peres (jornal Folha de SP, 20 de outubro de 1996); José Ramos Tinhorão (1998, p.55-76); Dr. Francisco Topa (1999); Dr. Rogério Budasz (2001, p.12) e Dr. Ivan Vilela (2011, p. 123).

DOMINGOS CALDAS BARBOSA (1740-1800): carioca, autodenominado “Lereno Selinuntino”, o padre e poeta árcade famoso até em Portugal foi citado como tocador de viola por: Luís da Câmara Cascudo (2005 [1954], p. 584); Bruno Kiefer (1977); José Ramos Tinhorão (1998, p. 115-125); Adriana de Campos Rennó (1999); Dr. Rogério Budasz (2001, p. 73-76); Dr. Paulo Castagna (2006) e Dr. Ivan Vilela (2011, p. 124-127).

JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA (1767-1830): o “Padre Mestre” carioca – maestro, compositor, arranjador e Mestre de Capella Real de D. João VI – teria aprendido a tocar e depois iniciado aulas que deu durante décadas em violas, segundo: Manoel Araújo Porto Alegre (1856, p. 359); Innocencio Francisco da Silva (1859, p. 203-246); Dr. Manoel Duarte Moreira de Azevedo (1861, p. 295; 1877, p. 323); Dr. Joaquim Manoel de Macedo (1876, p. 481); Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay (1895, [tomo IV], p. 229); Dra. Cleofe Mattos (1996, p. 44) e Dra. Márcia Taborda (2004, p. 14-16).

JOAQUIM MANOEL GAGO DA CÂMARA (ca.1771-ca.1838): também carioca, ligado às mais remotas modinhas brasileiras e que também foi destaque em Portugal, foi citado unicamente por Adrien Balbi (1822, p. 213) como tocador (e até “inventor”!) de um cavaquinho – porém as demais citações da época apontaram que tocasse pequenas “guitares” (que seriam as violas machetes ou machinhos), pelos franceses Louis Claude Desaulses de Freycinet (1827, p. 216) e sua esposa Rose (BUDASZ, 2001, p. 72); ou que tocava “viola”, como citaram os portugueses Manuel du Bocage (1867, v.2, p.243 ), Inocêncio Francisco da Silva e Feliciano de Castilho Barreto e Noronha (DU BOCAGE, 1867, v.2, p. 244-245). A estes citadores estrangeiros, secundaram o entendimento de Joaquim como tocador de viola os brasileiros José Ramos Tinhorão (1998, p. 115); Dr. Rogério Budasz (2001, p. 72); Dra. Márcia Taborda (2004, p. 41); Dr. Marcelo Fagerlande (2005) e Dr. Eric Martins (2005, p.21).

É preciso reconhecer que José Ramos Tinhorão (1928-2021) já defendeu a origem da música popular brasileira a partir das Violas Pretas – porém o jornalista paulista não teria apontado tantos dados e desenvolvimentos metodológico-científicos quanto acrescentamos agora. E é agora que chegamos a algumas questões: terá sido coincidência que tantos pretos tenham apresentado tanta excelência musical que seus registros prevaleçam até hoje, tendo vivido em épocas que as violas eram tão tocadas? E terá sido também por coincidência que suas relações com os instrumentos sejam tão pouco lembradas, a não ser Domingos Caldas (este, mais difícil negar, vez que seus livros trazem nos títulos “Viola” de Lereno)?

Por que será que “dá este branco” na mente de tantos estudiosos e historiadores?

Vamos apresentando dados e perguntas… E vamos proseando…   

(João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

REFERÊNCIAS:

AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Biographia do Padre José Maurício Nunes Garcia. Revista do Instituto Historico e Geographico do Brazil, v.34, p. 293-304. Rio de Janeiro, 1861.

AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: sua historia, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. v.1. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1877.

BALBI, Adrien. Essai Statistique sur le Royane de Portugal et D’Algarve. 2ª ed. Paris: Chez Rey et Gravier, 1822.

BUDASZ, Rogério. The Five-Course Guitar (Viola) in Portugal and Brazil in the Late Seventeenth And Early Eighteenth Centuries. 2001. Tese (Doutorado em Filosofia) – Graduate School University of Southern California, Califórnia (EUA), 2001.

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005 [1954].

CASTAGNA, Paulo. Herança ibérica e africana no lundu brasileiro dos séculos XVIII e XIX. In: VI Encuentro Simposio Internacional de Musicología / VI Festival Internacional de Música Renacentista y Barroca Americana “Misiones de Chiquitos”. 2006, Santa Cruz dela Sierra (Bolívia), actas, p. 21-48. Santa Cruz de la Sierra, Asociación Pro Arte y Cultura, 25-26 abr. 2006.

CASTAGNA, Paulo. A Viola no Brasil. In: FILGUEIRAS, Otto; SOUZA, Ernesto de. Viola: alma cabocla; a arte dos violeiros, expressão mais forte da música do campo brasileiro, tem seu valor reconhecido na cidade. Globo Rural, Rio de Janeiro, ano 10, n.114, p.56-63, 1995.

DU BOCAGE, Manoel Maria; BARRETO E NORONHA, José Feliciano de Castilho (pref.). Excerptos. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1867.

FREYCINET, Louis Claude Desaulses de. Voyage autour du monde. Paris: Chez Pilé Ainé, 1827.

KIEFER, Bruno. A Modinha e o Lundu: duas raízes da música popular brasileira. Porto Alegre: Movimento – UFRS, 1977.

MACEDO, Joaquim Manoel de. Anno Biographico Brazileiro. v. 1. Rio de Janeiro: Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artístico, 1876. 

MARTINS, Eric Aversari. A viola caipira, a modinha e o lundu. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2005.

MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia: biografia. Rio de Janeiro: FBN, 1996.

[MATTOS, Gregório de]. Obras poéticas de Gregorio de Mattos. Tomo I. Prefácio de Alfredo do Valle Cabral. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882.

[PEREIRA, Nuno Marques]. Compendio Narrativo do Peregrino da América. Completada com a 2ª parte, até agora inédita, acompanhada de notas e estudos de Varnhagen, Leite de Vasconcelos, Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmom. v. II, 6ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira, 1939. 

PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. Apontamentos sobre o Padre José Maurício. Revista do Instituto Historico e Geographico do Brazil. Rio de Janeiro, [terceira série, tomo XIX], p. 354-369, 1856. 

RENNÓ, Adriana de Campos. Violando as regras: uma releitura de Domingos Caldas Barbosa. São Paulo: Arte & Ciência, 1999.

SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionário Bibliographico Portuguez. [Tomo segundo]. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859.

TAUNAY, Afonso de E. Padre José Maurício. Revista Brasileira. [Tomo IV], p.229-338, Rio de Janeiro, Out./dez. 1895.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

TOPA, Francisco. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. v.1, tomos I e II e v.2. 1999. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999.

VILELA, Ivan. Cantando a própria história. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, 2011.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
15 Fev, 2023

O CURIOSO CASO DA VIOLETA

O Curioso Caso da Violeta

 

[…] Viola propter vim odoris nomen accepit. Huius genera sunt tria: purpureum, album, melinum.

“A Viola recebe este nome por causa de seu cheiro. Existem três tipos [cores]: roxa, branca e [cor de] mel.”

(São Isidoro de Sevilha, entre 560 e 636).

Viola, Saúde e Paz!

Por buscarmos as verdadeiras raízes das violas – onde entendemos que “raiz” não deve ser algo raso, pois quanto mais antiga uma planta, mais profundas suas raízes – mergulhamos no universo dos registros escritos, não tão investigados a fundo pelos musicólogos, quando na verdade não apenas fomos apenas até as raízes do uso do nome VIOLA, mas bem mais fundo, à procura das “raízes das raízes” (as origens) delas.

Esta procura, assim como a característica do método que desenvolvemos (“A Chave do Baú”, título do nosso livro) nos levou a “alargar” bastante o universo pesquisado, abrangendo outros tipos de ciências, diversas línguas além do português e outros instrumentos historicamente relacionados – principalmente a “outra viola”, a friccionada por arco, pela óbvia ligação pelo nome. Se pensar bem, faz sentido: são raras as “raízes” que apenas se aprofundam: a maioria delas também se abre como uma teia pela terra, a procura de alimento e sustentação. Como costumamos brincar: “nós é da cidade, mas num é besta não!”.

Sim: partimos dos estudos sobre as violas dedilhadas, mas os aprofundamentos serviram para colocar à prova o método de pesquisa (que se provou muito eficaz), além de ajudar a entender como não só as violas, mas todos os cordofones se comportam pelos séculos, de onde descobrimos padrões surpreendentes. E, afinal, para quem está a procurar tesouros, “quanto mais, melhor”, não é mesmo?

O mais antigo registro que encontramos é o destacado no início deste artigo, que teria sido apontado no século VI num estudo etimológico de um importante religioso (tanto que chegou a ser canonizado pela Igreja); porém, àquela época, “viola” (em latim) era apenas o nome de uma flor – só se conhecem registros de cordofones dedilhados naquela época, chamados harpa, lira, citara, chelys/testudo e similares – ou fides e seu diminutivo fidicula, em latim, em alusão às “cordas”.

Já bem mais tarde surgiram lendas, não se sabe de onde (como é bastante comum nas lendas), de que o violino seria chamado de “violeta” por que seria delicado como uma flor… Também como é comum nas lendas, faz sentido e é uma história “agradável de contar” – sobretudo para quem quer explicações rápidas e fáceis. A realidade nem sempre é tão simples, mas pode ser interessante também, conforme temos visto. E pensamos que uma verdade, mesmo estimada, deveria valer muito mais do que uma invenção criativa…

Fugindo das lendas e invenções, VIOLETA foi observado em registros de época no século XIX, como sinônimo de “viola de arco” – o que nos aguçou a curiosidade: “diminutivo de viola”, em italiano? Àquela época não mais faria sentido, pois “violino” (que também é “diminutivo de viola”) já estaria consolidado! Então, dá-lhe reinvestigar: os termos violette e violetta foram primeiro observados como genéricos para friccionados por arco na publicação Scintille di Musica (“Faíscas de Música”), do italiano Giovanni Maria Lanfranco (1490-1545). Nesta publicação, significariam duas “pequenas famílias de instrumentos”, diferenciadas entre si pelos tamanhos, cada família com três diferentes sub-divisões: os instrumentos menores (portanto, mais agudos) – Canto, Mezzana e Basso – teriam três cordas, exceto o Basso, que teria quatro cordas assim como violoni, violone e violono  – estes últimos que comporiam, então, a segunda “pequena família” de friccionados, também em três tamanhos diferentes, todos maiores e com sonoridade mais grave que os da família anterior (LANFRANCO, 1533, p. 134-136). Neste método não foi observado o uso do termo VIOLA – mas foi apontado que cordofones friccionados e dedilhados (estes últimos, com “cordas geminadas” ou duplas de cordas) usariam la medesima accordatura (“a mesma armação de cordas”) e que liuto (“alaúde”), seria também um genérico, sinônimo de liras ou cítaras, que entendemos poderiam ser também das vihuelas espanholas, de afinação igual a dos alaúdes à época. Duas descobertas interessantes, portanto: comprova-se que naquela época “violas” já seriam tanto dedilhadas quanto friccionadas e, talvez, de onde teria vindo a “inspiração” dos portugueses para mais tarde chamarem as “violas grandes” (guitarras de 6 cordas, surgidas no século XVIII) de “violões” – pelos nomes em italiano, no século XVI: violoni, violone e violono.   

É possível que Lanfranco tenha inventado (ou proposto) esta sub-classificação da cabeça dele, pois alguns anos depois, violetta e outros termos já não apareceriam no muito referenciado método do veneziano Silvestro Ganasi (1492-1550): Regola RubertinaRegola che insegna sonar de viola darcho tastada (“Regra para tocar viola de arco com trastes”). O genérico VIOLA foi o mais observado, com seu plural viole – além de, uma vez cada, viola da gamba e violone, este último que teria seis cordas afinadas como o alaúde, a única coincidência com o que tinha citado antes Lanfranco (GANASI, 1542, p.6-8).

Tentativa particular de Lanfranco ou não, a concepção de “pequenas famílias de instrumentos de arco” teria encontrado ecos históricos, apontados, por exemplo, pelo Dr. Ricciardi, estudioso brasileiro que em suas pesquisas sobre instrumentos coloniais brasileiros afirmou que “rabecas” seriam termos utilizados tanto para violinos quanto para violas – e “rabecões”, para violoncelos e contrabaixos (RICCIARDI, 2000, p. 9). Ricciardi, assim como outros pesquisadores brasileiros, apontou que VIOLETTA teria sido observado especificamente para as violas friccionadas em inventários e outros registros do século XVIII. Essa diferença de significados entre o século XVI (uma “família de friccionados agudos”) e o século XVIII (sinônimo apenas de viola friccionada) foi observada também no Harvard Dictionary (2003, p. 953) – mas os estadunidenses também não foram a fundo na curiosa situação, poucas vezes observada na História dos cordofones que tão a fundo reinvestigamos.

Nossa reinvestigação passou então pela observação e cruzamento de que no século XVIII, em Portugal, VIOLETA não teria sido observado ainda como sinônimo de VIOLA pelo lexicógrafo londrino Rafael Bluteau (1638-1734). Este dicionarista, que por décadas teria pesquisado e publicado significados de palavras em português, admitia até que violas (dedilhadas, no caso) fossem chamadas de “citaras” – mas quanto a VIOLETA só evocou nomes de flores em latim, como viola galathiana (“violeta de outono”), viola agrestis (“violeta do campo”) e viola sativa (“violeta doméstica”) – (BLUTEAU, 1720, v.8, p. 510-511). É compreensível: se fosse fácil de achar, tantos estudiosos pelo mundo já teriam desembolado este novelo – mas nós contamos com visões e teimosias de brasileiro…

Algumas informações desencontradas e imprecisas parecem ter distorcido o caminho de registros do termo VIOLETTA e esta história assim teriam passado despercebida pela maioria dos estudiosos. Em 1913, em seu Real-Lexikon der Musikinstrumente (“Enciclopédia Real de Instrumentos Musicais”), o importante musicólogo alemão Curt Sachs opinou que a chamada english violett (“violetta inglesa”) só poderia ter sido, segundo ele, a viola d’amore, entre outros motivos porque os ingleses teriam sido os primeiros a terem usado Resonanzsaiten (“cordas simpáticas”, em alemão – ou seja: cordas que soavam junto das principais mesmo sem serem tocadas diretamente) mas sem citar fontes (SACHS, 1913, p. 129-130). Alguns anos depois, já considerando então apenas a viola d’amore, Sachs citou como o mais remoto registro deste nome o ano de 1679, na publicação Evelyn’s Diary – que seria um diário do escritor inglês John Evelyn (1620-1706). Como argumento de que as cordas simpáticas teriam sido introduzidas bem mais tarde na viola d’amore, Sachs apontou que vários especialistas em viols, como o músico francês Jean Rousseau (1644-1699) – não confundir com o filósofo – não as teriam citado em suas publicações. Entende-se que até hoje seja fácil concordar com Sachs – não apenas pela credibilidade e grande número de fontes que este estudioso cita, mas porque faz sentido: duas “violas pequenas”, ambas com cordas simpáticas, mesmo com sobrenomes diferentes (“inglesa” e “do amor”) deveriam ter sido o mesmo instrumento. A metodologia que utilizamos, entretanto, indica a busca e checagem, à exaustão, pelos mais remotos registros – o que significa analisar as publicações nas línguas originais, o que sempre revela alguns detalhes a mais. 

Assim confirmamos, das fontes apontadas por Sachs, que realmente a mais remota citação a cordas simpáticas teria sido pelo musicólogo alemão Michaele Prӕtorio (1571-1621) em seu Syntagmatis Musicis – uma sub-classificação onde vários instrumentos diferentes as usariam (PRӔTORIO, 1615, p.439); porém, quanto ao uso em Violas d’Amore, teria passado despercebido a Sachs que Rousseau teria referido-se a cordas simpáticas – pelo menos pelo que entendemos do Traité de la Viole: […] Le Pere Kircher dit queles Violes des Anglois estoient cy-devant montées en partie de semblables chordes […] de laton, qu’on appelle Viole d’Amour (“O padre Kircher apontou que as Violas dos Ingleses eram até então parcialmente montadas com cordas semelhantes […]  de latão, chamada Viole d’Amour (ROUSSEAU, 1687, p.22, grifos e tradução nossa). Este último dado fomos confirmar, desta vez, na fonte apontada por Rousseu: Athanasius Kircher, na publicação Musurgia Universalis, realmente teria citado que os Angli (“ingleses”, em latim), entre as várias nações que teriam incrementado mudanças aos chelys (friccionados, também chamados viola em latim, segundo Kircher), chordas chordis addunt (“adicionavam cordas [metálicas] às cordas [de tripa]”) e as alinhavam (KIRCHER, 1650, p. 486).

Entre diversas fontes confirmadas – como a descrição Sympathy in Sounds citada por John Playford (1667, p. A3 [17]) – foi percebida outra pista exatamente onde Sachs citou como embasamento para afirmar (no caso, equivocadamente) que […] Not until 1741 was there any mention of sympathetic strings on the viola d’amore (“Até 1741 não há menção de cordas simpáticas na Viola d’Amore”) – (SACHS, 1940, p. 366, tradução nossa). O trabalho referenciado Music Saal, do músico alemão Joseph Majer (1689-1768) – realmente apontou o uso das cordas simpáticas… Mas em DOIS tipos de Viola d’Amore de tamanhos diferentes, que ele distinguiu como Brazzen oder Violen (“’de braço’ ou viola”) e Violinen (“violino”) – Majer (1741, p. 103). Assim, haveria então possibilidade de existência de dois instrumentos, que Sachs não teria considerado.

A prática de checar referências nos habilita a afirmar que Sachs, como sempre, teria acertado na maioria dos levantamentos – por exemplo, quanto ao registro mais remoto de uso de “cordas metálicas simpáticas” relacionado à Inglaterra, mesmo sem tê-lo atestado por meio de Rosseau e Kircher como fizemos – porém, não teria atentado mais profundamente ao padrão de desenvolvimento dos nomes de VIOLAS em várias línguas ao mesmo tempo, que descobrimos por aplicarmos “A Chave do Baú”.

Para confirmar, descobrimos – segundo vastas referências do artigo Les Violes, de Paul Garnault (?-?), da Encyclopédie de la Musique – que certa ENGLISH VIOLET, também chamada VIOLETTA MARINA, teria sido o outro instrumento ao qual também se agregavam cordas simpáticas: criação creditada ao italiano Pietro Castrucci (1679-1752), em período que este teria trabalhado em Londres como líder de orquestra do compositor alemão George Frideric Handel (1685-1759). A nomenclatura bilíngue (inglês/italiano), observada em partituras, outros textos e ilustrações atestam o que Garnault afirmou. Handel teria utilizado o novo instrumento a partir de 1730, assim como o compositor alemão Johan Sebastian Bach (1685-1750). Garnault informou ainda que o instrumento, que teria dimensões menores que a viola da gamba, faria parte de uma série, como a criação francesa viola pícola ou pardessus de viole (“viola pequena” ou “viola acima, mais aguda”), que teriam surgido num período (início do século XVIII) em que, além da experimentação de novas sonoridades por compositores e maestros de destaque, teria havido certa rejeição liderada por gambistas e luthiers contre les entreprises du violon (“contra as empreitadas [avanços] do violino”) – (LAVIGNAC, 1925b, p. 1790-1792). A descoberta de detalhes sobre esta fase de transição também agregou bastante ao estudo geral das violas, todas elas.

Constata-se, portanto, que a VIOLETTA não teria sido exatamente uma VIOLA, nem um VIOLINO – mas um dos vários instrumentos surgidos no início do século XVIII, de dimensões menores que as violas, durante a fase de desenvolvimento dos violinos. Violettas utilizariam cordas simpáticas assim como as Violas d’Amore, que então já teriam registro há cerca de cinquenta anos. Na partitura original da peça Chalimeaux, do compositor alemão Johann Friedrich Fasch (1688-1758), por exemplo, são citadas violettas e não foram observadas partes nem notas musicais mais agudas, executáveis só por violinos. O equívoco (ou generalismo) teria surgido a partir da visão popular, pois no mesmo século XVIII, conforme já citado, o termo já teria sido registrado no Brasil, colaborando para aumentar a complexidade já existente pela bivalência friccionado/dedilhado do nome VIOLA. Estudiosos brasileiros teriam entendido corretamente que a VIOLETTA seria friccionada por arco (CASTAGNA, 2000, p. 337; RICCIARDI, 2000, p. 9; CORRÊA, 2014, p. 25), mas não teriam ido mais a fundo no curioso significado de “diminutivo de viola”, em tempos que violino já o significaria. “Violeta” teria sido ainda apontado como sinônimo de “viola friccionada” até o século XIX, segundo o Diccionario Musical de Raphael Coelho Machado (1855, p.268) e o Grande Dicionario Portugues de Domingos Vieira (1874, p. 959).

E vamos proseando…    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
13 Fev, 2023

CHORA, VIOLA…

CHORA, VIOLA…

“[…] Algumas vezes, [Nóbrega] estando em Piratininga com poucos Irmãos, mais afastado de negócios, se metia na sacristia com um devoto amigo, que lhe tangia uma viola às portas fechadas e ele, entretanto, se estava desfazendo em lágrimas com muita serenidade.”

(Padre José de Anchieta, entre 1562 e 1570)

Viola, Saúde e Paz!

Um dos maiores apoiadores de nossas publicações é Richard Konig, de Belo Horizonte – MG. Ele costuma sempre postar, em suas redes sociais virtuais, fotografias de petiscos (“tira-gostos”) maravilhosos que prepara – postagens às quais sempre legenda com a frase: “Chora, cachaça!”…

O bom humor típico das redes certamente advém da frase “Chora, Viola!” – título e frase-refrão (praticamente um “mote”) de música de Lourival dos Santos & Tião Carreiro, lançada por este último e seu parceiro mais destacado, o Pardinho, em 1973. Esta viola, posta a chorar, também estaria relacionada às lendas sobre a afinação que Tião e a maioria dos caipiristas de hoje em dia usa em suas violas, a afinação “Cebolão”: reza a lenda que este nome viria do fato de que, quando os violeiros a utilizam, fazem as moças chorarem…

Outra lenda que também já ouvi, mais ou menos relacionado à viola que chora (ou sofre), vem do compositor maranhense, que apesar disso tinha por alcunha Catulo da Paixão Cearense (1863-1946). Segundo um poema de Catulo, Jesus gostaria de ouvir São Pedro pontear viola numa canoa; e São Pedro dizia que a viola não foi feita da madeira da canoa, mas da Cruz de Cristo: “[…] a viola ainda sofre tudo que sofreu Jesus!”. Esta lenda ouvi tantas vezes, pelas declamações de meu querido e saudoso padrinho Rolando Boldrin (1936-2022), que me atrevi a musicá-la – por solicitação e sugestão de outro ídolo meu, o historiador baiano Dr. José Américo Lisboa Júnior, que escreveu uma excelente biografia de Catulo: “Da modinha ao sertão: vida e obra de Catulo da Paixão Cearense”.   

Lendas à parte, não conseguimos dados precisos de época sobre a afinação Cebolão, mas tudo aponta que seja uma afinação surgida em São Paulo; se não foi por lá que surgiu, pelo menos é onde se consolidou, principalmente após o sucesso comercial do modelo Viola Caipira, a partir da década de 1970. Certo é que nos modelos remanescentes da Família das Violas Portuguesas, só há uma afinação “aberta” como a Cebolão (dizemos “afinação aberta” quando as cordas refletem, soltas, um acorde). Já nas violas da Família das Violas Brasileiras, as afinações abertas aparecem bastante – além da Cebolão, temos também Rio Abaixo, Rio Acima, Paraguaçu e outras.

Nossa melhor aproximação científica: o mais remoto registro da afinação Cebolão que encontramos viria de pesquisas de campo (*1) da década de 1940, realizadas em Goiás, pelo folclorista carioca Luiz Heitor Correia de Azevedo “Luiz Heitor” (1905-1992) – onde curiosamente seria chamada “maxabomba” ou “italiana”, embora houvesse mais duas afinações diferentes, chamadas “paulista” e “paulistinha”; e já na década de 1950, apareceria consolidada com o nome de “Cebolão” segundo outras pesquisas de campo (*2) – do folclorista paulista Alceu Maynard de Araújo (1913-1974). Tempo bom em que folcloristas buscavam registros para contribuir com as pesquisas e não apenas lendas para distrair…

Conseguimos, entretanto e coincidentemente, descobrir que a “viola chorosa” (ou, “que fazia chorar”) estaria no contexto da mais remota citação ao nome do instrumento registrada no Brasil, referente aos últimos anos de vida do jesuíta português Manuel da Nóbrega (1517-1570). O texto destacado no início de nosso artigo aparece no livro “Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594)”, edição organizada pelo crítico literário e historiador baiano Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) e, em termos semelhantes, no livro “Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil”, escrito pelo clérigo português Simão de Vasconcellos (1597-1671) – além da citação por alguns importantes musicólogos contemporâneos: o Doutor Paulo Castagna, em sua dissertação de 1991 (“Fontes bibliográficas para a pesquisa da prática musical no Brasil nos séculos XVI e XVII” e o Doutor Marcos Tadeu Holler, em sua tese de doutoramento “Uma História de Cantares de Sion na terra dos Brasis: a música na atuação dos jesuítas na América Portuguesa (1549-1759)”.

Esta mais remota citação não é citada assim nas pesquisas sobre viola, mas tivemos a perspicácia de analisar o contexto: Anchieta teria citado Nóbrega adoentado a partir de 1560 – conforme confirmado pelo próprio Nóbrega, no livro “Cartas do Brasil”, de 1931 (outro também organizado por Afrânio Peixoto) – sendo a única carta encontrada que Anchieta tenha citado Nóbrega doente, eles estando juntos: “Ao geral Diogo Lainez, de Piratininga, março de 1562, recebida em Lisboa a 20 de setembro do dito ano”.

A nossa “sorte” de conseguir apontar o mais remoto registro de “viola” no Brasil, quando tantos já teriam lido antes os mesmos registros, vem da metodologia que usamos no livro “A Chave do Baú” – essa tal dessa “chave”, na verdade, é nada mais nada menos que uma metodologia científica, um “método” que consiste em mergulhar atrás dos registros, o máximo que se puder conseguir; para então organizá-los e analisá-los na ordem cronológica, com bastante atenção.

Mas, para ser sincero, nem tínhamos observado que a viola, portanto, estaria “ligada a lágrimas” desde o começo da Colônia… Na verdade, foi outro amigo, o botucatuense Osni Ribeiro quem nos apontou, brincando, a interessante “coincidência”… e que acaba por ser uma história agradável, daquelas de se contar “à beira do fogo”, mas que é verdade, tem lastro histórico em registros – ou seja, não é preciso inventar nenhuma lenda, a viola já tem ótimas histórias, verdadeiras.

Daí, até como estes instrumentos chamados de viola se desenvolveram e outras tantas afinações que já foram catalogadas (3), já é outra prosa…   

E vamos proseando…    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

(Para uma relação das principais afinações, número de cordas e demais detalhes de todas as violas portuguesas e brasileiras, baixe de graça em PDF – cortesia João Araújo / Viola Urbana Produções:

https://www.facebook.com/groups/ViolaBrasileiraEmPesquisa/permalink/1232039824397441/ ).

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
9 Fev, 2023

LENDAS E TRADIÇÕES

LENDAS E TRADIÇÕES

(haveria problema em acreditar e repetir cegamente?)

[…] Unde arbitror quod fila chordarum citharae

ideo fides dicantur, quoniam et mortua sonum reddant

(“Portanto, penso que as cordas da cithara

são chamadas de fides porque emitem som mesmo estando mortas”)

[Aurelius Ambrosius – De Obitu Theodosii – (ca.340-ca.397)].

Já ouviu falar que “viola toca até sozinha” (às vezes de madrugada, etc.)? Eu já ouvi várias vezes: são tantas “lendas e tradições” criativas, cultivadas e adoradas por pessoas que dizem defender o caipirismo, folclore, religiões… Tão agradáveis e tão bem inventadas… Muito oportunas, inclusive, para quem ganha dinheiro e/ou notoriedade à custa da ingenuidade e do ego dos que optam por ignorar conhecimento científico – e muito mais fáceis de serem difundidas do que dados históricos comprováveis.

É só prestar atenção: lendas normalmente não vem com apontamento de fontes confirmáveis, “de época”: são verdadeiras “histórias da carochinha” (histórias infantis, para fazer criança dormir). E o mais curioso é que os “agradados” parecem mesmo crianças a querer dormir – ou seriam crianças “mortas”, de certa forma? Já já explico esta última colocação, propositalmente meio mórbida… mas é só uma figura de linguagem, por favor não me queira mal.

Eu nem estava procurando: foi sem querer que, aparentemente, devo ter descoberto a origem (ou o mais remoto registro) sobre esta “lenda” – que talvez seja o trecho em latim citado na abertura; no caso, trecho aqui citado com autor, título da fonte e data, pois é assim que gente séria e honesta deve fazer.

Durante as muitas pesquisas que culminaram no livro “A Chave do Baú”, buscava os mais remotos registros do termo FIDES: latim para “cordas” e, por adesão, também para “cordofones”, mas que também era usado como “confiança, boa-fé”. Eu afirmo (mesmo que alguns linguistas católicos neguem) que depois FIDES foi distorcido para significar “fé católica” – mesmo que o termo já existisse antes do catolicismo ter sido inventado – como é observado em vários textos onde religiosos inventavam ligação das “cordas” dos instrumentos com uma “fé” que uniria as pessoas.

Neste caso específico, sobre “citharas e fides“, cheguei a pesquisar parte de um texto que teria sido do gramático romano Flaccus (do sec. I ANTES DE CRISTO!) reinterpretado depois pelo também gramático Festus (mas já no sec. II da nossa era) e repetido em cadeia, com alguns floreios a mais ou a menos, por religiosos como Isidoro de Sevilha (sec. VI), Paulo Diaconus (sec. VIII) e Jo. de Janua (sec. XIII). É possível, portanto, que o nosso Ambrosius, do primeiro texto aqui, tenha também se inspirado em Festus (ou até Flaccus) e daí (sempre, “talvez”) pudesse ter inspirado Isidoro e/ou os demais: os religiosos liam muito e tinham muito acesso aos escritos antigos.

Destas formas lendas podem ter surgido e sido transmitidas pelos séculos – neste caso, por religiosos, que criaram muitas histórias fantásticas para tentar “fazer a cabeça” das pessoas – basta ler sobre a Idade Média e os cerca de mil anos entre os séculos V e XV. Os católicos não gostam muito que se fale deste “pequeno” período, mas estamos a falar aqui de registros históricos – não há intenção de desrespeitar nenhum tipo de fé, faturamento ou ego de ninguém. Liberdade de Culto, liberdade de Expressão, capitalismo… tudo dentro da lei e, sobretudo, cada pessoa merece todo o respeito sobre suas escolhas.

Aqui no Brasil, nos dias atuais, soma-se religiosidade com violas por causa dos jesuítas: é natural – mas porque praticamente só deles temos registros escritos sobre possíveis “violas” no início do Brasil; então, dá-lhe difundir lendas agradáveis e interessantes para um povo com DNA ligado ao divino, ao misterioso, ao imaginário (e infelizmente também a muito pouca leitura): descendentes de indígenas, escravizados e carolíssimos brancos portugueses.

Porém, sejamos justos: não inventariam lendas apenas “caipiristas, folcloristanos e religiosistas” (no caso, falo só dos enganadores, pois há muita gente séria que não merece a carapuça) – nem sequer só os romanos: me parece que esta “moda” já viria dos gregos! Não leio em grego, mas posso afirmar que muito do que os romanos escreviam, eles mesmos indicavam ter vindo de textos gregos: Mercúrio, Hércules e vários outros “deuses inventados” eram muito ligados a origens lendárias de instrumentos musicais. Histórias “incríveis” (literalmente). Muito boas de serem recontadas? De certa forma, sim – e fazem “sucesso”…

(Antigamente usava-se apontar fontes e créditos até das lendas, acredita? Tempo bom que não volta mais…).

O texto que destacamos (do século IV, disponível pela internet) é um “comentário ou resenha fúnebre”, ou seja, feito em homenagem, pela morte de algum famoso. É repleto de citações e paralelos com a morte. O autor – Ambrosius – foi um religioso bastante influente, bispo onde hoje seria a italiana Milão e o falecido – Theodósio – um Imperador Romano. No trecho, a exortação é que a “boa fé” seria operada até pelos mortos, por isso os exércitos inimigos seriam atormentados pelos fantasmas dos mártires. Este “tormento” seria ilustrado por uma cithara tocando sozinha, mesmo depois de “morta” – uma “viagem total” do criativo bispo, naturalmente… ou, se preferir o termo técnico, apenas uma “figura de linguagem”: não era para ter sido levada “ao pé da letra”, mas…

O bispo não explicou mas como a maioria das cordas utilizadas na época teriam sido as feitas com tripas de animais, talvez ele tenha querido dizer que mesmo depois dos animais mortos, as cordas feitas de suas tripas ainda soavam “vivas” ao serem tocadas. Na época ainda não haveria registros das chamadas “cordas simpáticas” – que vibram por proximidade a outros sons emitidos mesmo sem serem tocadas diretamente e que só teriam registros a partir do século XVI, na Inglaterra.

Daí, até ser inventado que instrumentos “tocariam sozinhos”, de “alguma maneira incrível”, basta pensar que metais – e, muito mais, madeiras – sofrem influência de variações de clima, temperatura e similares: então é possível algum som emitido em função disso ou, simplesmente, que algum inseto ou outro tipo de pequeno ser vivo esbarrasse nas cordas, fazendo-as soar sem serem vistos. Nada demais… mas inventar uma história fantástica a respeito é muito mais atrativo, concordam? Não daria muito mais “visualizações, comentários e curtidas” do que a verdade chata, fria, científica?

A cithara de Ambrosius, também não detalhada, pode-se intuir que fosse uma espécie de “tatara-tarata-avó” das nossas violas e violões: talvez com caixa de ressonância e braço – mas também poderiam ser como pequenas harpas (sem caixa, nem braço). De qualquer forma, um cordofone dedilhado, ancestral: não é interessante como as lendas acompanham os instrumentos por tantos séculos? Tenho visto muito: não só as lendas, mas muito mais os resquícios ancestrais em nomes, detalhes físicos dos instrumentos, etc.

Porém… você entendeu a mensagem intrínseca de Ambosius? Na lata e sem filtros, seria mais ou menos: “Vai, meu filho: lute e morra pelo imperador, que até depois de morto você ainda será nobre – um mártir – e poderá assombrar os inimigos”. Vai “na fé”, que tá tudo certo!…

Achou que era “folclore caipira religioso brasileiro”? Parece que não, né? Uma lenda inventada para fazer a cabeça do povo séculos atrás, repetida por vários tipos de interessados em divulgar este tipo de coisa (muitos deles, inocentes que acham bonito ignorar o conhecimento científico, talvez para sentirem-se mais importantes ou mais “cultos” ao agir assim… vai saber?). Uma lenda da qual ter-se-ia perdido o contexto original – mas que curiosamente ainda parece servir para incentivar “soldados” a “serem mártires e morrer pela tradição”, sendo uma das muitas histórias muito bem inventadas, muito agradáveis, muito oportunas…

Pra que se preocupar de onde teria vindo, não é mesmo? E dá uma graninha, agrada aos “parças”, gera seguidores, etc… Então, não se preocupe: “Vai na fé, que tá tudo certo!”.

E vamos proseando…    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”). 

PRINCIPAIS FONTES:

LINDSAY, Wallace Martin. Isidori Hispalensis Episcopi – Etymologiarum sive Originum. Oxford: Univ. Press, 1911.

LINDSAY, Wallace Martin. Sexti Pompei Festi de verborum significatu quae supersunt cum Pauli Epitome. Leipzig: B. G. Teubner, 1913.

PONOR, Aemilius Thewrewk de. Sexti Pompei Festi de verborum significatu quae supersunt com Pauli epitome. Part. 1. 1958.

JANUA, Johannes de. Catholicon. [Lessing J. Rosenwald Collection]. [Mainz: J. Gutemberg], 1460 [1286].

GERBERTO, Martino. De Cantu et musica sacra. [Württemberg]: San-Blasianis, 1774.

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

(sobre lendas gregas)

KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalis, sive Ars Magna Consoni et Dissoni. Libre Sextus, Musica Organica sive de musica instrumentali. Roma: Typografia Corbelletti, 1650.  

(sobre cordas simpaticas)   

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
Velha Porteira - Solo de Viola
7 Fev, 2023

VELHA PORTEIRA – SOLO DE VIOLA

Velha Porteira - Solo de Viola

VELHA PORTEIRA – SOLO DE VIOLA

Antes de mais nada deixa eu me apresentar. Eu sou o Professor Alex Stocco do Site Viola Caipira Descomplicada. Hoje eu vou te ensinar a música Velha Porteira – Solo de Viola.

Ainda mais, além do solo de viola, eu vou te explicar os acordes e também o ritmo dessa linda canção da dupla Lourenço e Lourival.

Além disso, vale lembrar que essa aula foi direcionada para quem já possui um conhecimento prévio do básico dos estudos da viola caipira.

Sobretudo, caso seja necessário, eu vou deixar um Ebook pra você totalmente GRÁTIS com todas as informações para você que está começando na viola, ou até mesmo pra você que pretende aumentar o seu repertório.

VELHA PORTEIRA – ACORDES USADOS

A princípio o arranjo escrito para a música Velha Porteira foi criado para a afinação de Cebolão (Mi Maior), porém, esse arranjo irá servir também para as afinações de Cebolinha (Ré Maior), ou Mi bemol.

Nesse sentido, se você ainda possui alguma dúvida sobre a diferença entre essas afinações Clique Aqui e leia o artigo ou assista o vídeo desse artigo que eu escrevi  aqui no Site Viola Viva.

Agora vamos aos acordes:

Velha Porteira - Solo de Viola

Conforme a imagem acima os acordes que vamos usar na música Velha Porteira são: Mi maior, Si com Sétima, Lá maior e Mi com Sétima. São acordes bem básicos e bem fáceis de serem usados.

VELHA PORTEIRA – RITMO (VALSA)

Depois que você memorizar os acordes, o próximo passo é aprender o ritmo. Eu recomendo que você pratique tocando a primeira batida para baixo com o dedo polegar e as outras duas batidas com os demais dedos da mão direita.

Então, feche a mão direita e faça uma espécie de “conchinha” para tocar as últimas duas batidas para baixo. Dessa forma o som sairá diferente da primeira.

VELHA PORTEIRA – SOLO DE VIOLA

Agora que você já conhece os acordes e o ritmo da música vamos ao nosso solo de viola da música Velha Porteira de Lourenço e Lourival.

Antes que eu inicie a explicação, observe na tablatura que eu dividi o solo de viola em cinco partes, isso para facilitar a explicação do solo.

1 – Na primeira parte veja na tablatura que o solo começa no terceiro e no quarto par todas as notas;

2 – Logo depois na segunda parte observe que as notas das casas dois e quatro estão no quarto e quinto par. As demais permanecem no terceiro e quarto par. Perceba também que temos um arraste saindo das casas um e dois até a casa sete nos dois pares;

3 – Posteriormente veja que iniciamos a terceira parte no terceiro e quarto par e em seguida tocamos as casas quatro, dois e solta apenas no quarto par. Depois as casas três, dois e solta no quinto par e finalizamos com o terceiro e quarto par na casa cinco. Essa última casa tocamos o terceiro e quarto par ao mesmo tempo;

4 – Agora na quarta parte iniciamos novamente no terceiro e quarto par sendo tocados ao mesmo tempo, logo depois temos dois ligados no quarto par, ambos saindo da casa cinco para a casa sete e finalizamos com o quinto par na quinta casa;

5 – Finalmente na quinta parte, iniciamos no quinto par. Observe que agora temos um arraste saindo da casa quatro para a casa cinco. Posteriormente descemos para o terceiro par na terceira casa e terminamos no quarto par, primeiro na quarta casa e depois tocamos o quarto par solto.

CONCLUSÃO

Em conclusão, hoje você aprendeu sobre a música Velha Porteira – Solo de Viola. E ainda os acordes e o ritmo dessa linda canção de Lourenço e Lourival.

Sobretudo vale lembrar que essa aula tratou exclusivamente da explicação sobre o tema abordado no título desse artigo. Se você definitivamente deseja aprender a tocar viola caipira mesmo começando do zero até as mais quentes técnicas usadas nesse instrumento eu te convido a conhecer o meu Curso de Viola Caipira Online.

Além disso nele você encontrará um repertório com músicas muito famosas na viola, todas pensadas para que você evolua de uma forma bem leve. Ainda mais, um módulo que eu chamo de teoria na prática pra que você entenda a funcionalidade do instrumento. E ainda, escalas, arpejos e muito mais. Para conhecer clique na imagem abaixo.

VELHA PORTEIRA – CIFRA E TABLATURA

Velha Porteira – Baixe GRÁTIS AQUI

VÍDEO AULA - VELHA PORTEIRA

7 Fev, 2023

A IMPORTÂNCIA DAS VIOLAS

A Importância das Violas

[…] Noch dan quinterna gyge videle lyra rubeba

“… e ainda a quinterna, giga, videle, lira, rabeca

Eberhard Cersne, no poema Minneregeln (“Regras”), 1404

(poema nostálgico escrito em alemão anterior àquela época,

citando vários nomes ancestrais de instrumentos)

Viola Saúde e Paz!

A História mostra que, após as ancestrais harpas e similares, a principal evolução dos cordofones foi o surgimento de braços e caixas de ressonância destacados. Assim, desde o CHELYS ou KHELYS (em grego) ou TESTUDO (em latim) – cujos formatos de tartaruga já apontariam influência ou concorrência com instrumentos árabes e/ou asiáticos – os mais importantes ancestrais dos atuais cordofones estariam de alguma forma ligados ao nome VIOLA. “Só” isso: “VIOLA” simplesmente coincide com um importante recomeço histórico da Europa… (já já explico melhor, primeiro vamos a mais alguns dados).

Nomes de instrumentos similares a VIOLA começaram a surgir depois dos genéricos FIDES e FIDICULA romanos, estes que ainda citavam LIRAS (do grego lyra) e CITHARAS (do grego kithara). Em textos em latim, ainda se observam dois registros de fidula e vidula até o século XI.

É bom lembrar: pelos desenhos e esculturas sobreviventes, não haveria muitos cordofones diferentes na época, eram todos muito parecidos, a não ser pelas características já citadas: uns tinham braços e caixas de ressonância destacadas, de diversos formatos – outros eram como as harpas antigas: estruturas ligadas por cordas, às vezes com caixas mas ao longo das cordas: psalterio, nabla, dulcimer e até cithara eram alguns dos nomes destas antigas “harpas”. Como sabemos hoje, mas talvez não pensemos muito, a principal diferença é que braços longos possibilitam emissão de várias notas musicais por cada corda, aumentando muito a capacidade musical do instrumento sem precisar ser fisicamente muito largo e poder ser carregado no colo, principalmente. Não encontramos dados suficientes, mas pode-se entender que este processo de mudança teria se acelerado, mundo afora, a partir dos estudos do grego Pitágoras, aproximadamente no século V antes de Cristo.

Pense bem: por que alguns romanos teriam inventado novos nomes para instrumentos que já teriam nomes em outras línguas, principalmente em grego? E por que depois culturas que se livraram do Império Romano sentiriam vontade de criar novos nomes para instrumentos tão similares?

Não sei se vocês conseguem ver, mas para mim… “VIOLA” e similares significam, (histórica e figurativamente é claro): liberdade, vitória, conquista…  

Além do próprio termo VIOLA (em Latim, Occitano e Catalão), levantamos cerca de duas dezenas de variações surgidas nos séculos XII e XIII (no auge do Trovadorismo) como VIELLE e VIOLLE (em francês), FIDIL ou FIDLI (em dialetos “ingleses”), VIDELE, FITHELE e VIGELE (em dialetos “alemães”), VIHUELA (em espanhol).

Não é difícil perceber (até por serem tantos os nomes parecidos) que estes instrumentos testemunharam a História ocidental desde a queda dos romanos – além de serem obviamente os antecessores dos friccionados e (para nós, também dedilhados) atuais… E isso é só um resumo óbvio e já bem conhecido sobre a importância das VIOLAS…

O que poucos sabem ainda é que…

Como desde o século X já haveria instrumentos tocados por arco em território europeu – e as violas das orquestras depois se tornariam muito famosas e “eruditas” – estudiosos desde o século XVIII parecem sempre ter suposto que todas aquelas “violas” antecessoras teriam sido “de arco”…

…mas não é o que descobrimos após releitura atenta dos registros mais remotos: as VIHUELAS espanholas, por exemplo (“tetra-avos” dos cordofones atuais) teriam sido tanto dedilhadas quanto friccionadas pelo menos desde o século XIV – bem antes, e influenciadoras, por exemplo, das “vovós” VIOLA DA BRACCIO e VIOLA DA GAMBA italianas, e das VIOLAS DEDILHADAS portuguesas.

VIHUELAS teriam sido “vovozinhas bem poderosas”, mas caíram em desuso no séc. XVII, substituídas pela preferência espanhola pelas guitarras – ficando, talvez por isso, esquecidas e desconsideradas por muitos estudiosos; além disso, poucos teriam atentado que o nome VIOLA tinha equivalentes nas principais línguas, principalmente as que influenciaram a língua espanhola (latim, occitano, catalão). Ou seja, VIHUELAS eram também “violas” da época e por influência delas vieram a existir os dois tipos de violas atuais (embora o resto do mundo parece só considerar um tipo, as “de arco”).

            Sim: os estrangeiros tem alguma razão, pois o mais normal teria sido os portugueses também terem passado com o tempo a chamar suas violas dedilhadas de GUITARRAS, como os italianos fizeram, com suas CHITARRAS – mas GUITARRA é um nome oriundo das línguas catalão e espanhol: o formato cinturado e o fundo plano das caixas denunciam que as preferências de nomes, tanto de portugueses quanto de espanhóis, tinham claras motivações nacionalistas (formatos arredondados sempre foram características de instrumentos árabes). Estudiosos não apontam ter observado isso, além de muitos se confundirem com dados sobre nomes, mas nada muda o fato de que as VIHUELAS seguiram seu caminho evolutivo na Itália e em Portugal, por duas formas diferentes de serem tocadas, apesar de chamadas de “violas” nestes dois países (variações nacionalistas de nome, um padrão que se repetiria há séculos, como estamos a demonstrar).

Outro “elo perdido” que estudiosos teriam deixado passar (por não considerarem também instrumentos dedilhados na equação) é que VIHUELAS / VIOLAS não “vieram” dos alaúdes, posto terem formatos diferentes, mas exato por estas mudanças de formato se atesta que faz sentido teriam surgido para SUBSTITUIR aqueles instrumentos árabes (muçulmanos, mouros, invasores). Isso incluiu também substituir, às vezes apenas o nome, de pequenos RABABS árabes (de arco) por gigas / rotas / rabecas / violons (os “avós” do violino) e substituir “alaúdes curtos” por qetaras / cytharas / guitarras / citolas (que se tornaram depois cistres, tambem de fundo paralelo, mas com caixas arredondadas). Portugueses, por exemplo, chamariam e ainda chamam seus cistres de “guitarras portuguesas”, mas não os cinturados, como catalães e espanhóis escolheram chamar e que acabaram por influenciar variações em outras nações como gitern e guitar (inglês), guiterre (francês), Guitarre (alemão) – olha o padrão aí de novo, geeente!…  

Mais uma vez a mesma pergunta: por que outras culturas substituiriam (ou “nacionalizariam”) nomes e, às vezes, alguns detalhes de construção de instrumentos? Por que estas ações podem ser consideradas como um “padrão” da História dos cordofones, desde os tempos do domínio grego?

Pois a História indica que sempre foi assim: novos nomes emergiam em diferentes línguas para cordofones semelhantes, em evolução, mas com algumas características que se mantém até hoje (talvez, quem sabe, estas características se mantenham para que possamos descobrir a verdadeira História? Não sei… só sei que este é outro padrão pouco relatado por estudiosos pelos séculos).  E sei também que basta observar o espectro mais amplo dos contextos histórico-sociais, aos quais instrumentos musicais sempre reagem: uma das reações mais observadas é a “nacionalização” de nomes por desavenças entre as nações envolvidas. Nomes e formatos só viriam a se consolidariam (se fixar) a partir do séc. XIX, com a Revolução Industrial e depois com a globalização de informações, internet, etc.

Até agora, parece que apenas um dedicado a atrevido brasileiro (por buscar se especializar de verdade em violas dedilhadas) teria desconfiado dessa possível pequena imprecisão em séculos de estudos. Ele revirou as principais teorias e principalmente as fontes, nas várias línguas originais, desde o século II aC. – quando então aproveitou a “caça ao tesouro” para aventar também os possíveis antecessores das VIOLAS. Assim, ele pode atestar padrões observados na História ocidental dos cordofones, principalmente quanto aos nomes e suas peculiaridades, quando poucos teriam estudado a fundo a história dos nomes dos instrumentos. São descobertas inéditas e fascinantes!

Os tesouros encontrados nestas pesquisas (detalhados em inglês no artigo “Chronology of Violas“) e o desenvolvimento até chegarmos hoje à Famílias de violas dedilhadas (portuguesa e brasileira) – ao mesmo tempo em que violas de arco ficaram famosas em orquestras de grande parte do mundo – estão em bom português no livro “A Chave do Baú”: numa linguagem simples, como uma narrativa de aventuras. A ideia é que o conhecimento pode ser divertido para todos. E ainda é explicado, em detalhes, como usar a “chave” em outros “baús”… mas aí já são outras prosas…

Vamos proseando…    

 (João Araújo escreve na coluna “Viola Brasileira em Pesquisa” às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).      

PRINCIPAIS FONTES:   

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola, de cinco órdenes y de quatro, la qual enseña a templar y tañer rasgado todos los puntos naturales y B mollados, com estilo maravilhoso. Valência: Augustin Laborda, [1596].

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales. Madrid, s/n, 1555.

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro: Tractado de Musica Theorica y Pratica. Napoli: Gargano & Nucci, 1613.

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Novello, 1883.

GALPIN, Francis W. Old English Instruments. London: Methuen, [1911].

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Venezia: s/n, 1542.

GRIFFITHS, John. Las vihuelas en la época de Isabel la Católica. Cuadernos de música Iberoamericana, Madri, v.20, p. 7-36, jul./dec. 2010.

GUNN, John. The Theory and Practice of fingering the Violoncello. Reino Unido: ed. Do author, 1789.

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LAVIGNAC Albert. Encyclopedie de la Musique et Dictionnaire du Conservatoire. v.6 [Deuxième partie: Technique, Esthétique, Pédagogie; Tome I: Tendances de la musique, Technique générale]. Paris: Librairie Delagrave, 1925

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tesis (PhD Art History) – Faculdade de Geografia e História, Universidad Complutense de Madrid. 1981.

MILANO, Francesco. Intavolatura de Viola o vero Lauto. Napoli: s/n, 1536

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXII, Zaragoza, v1, nº1, p. 393-492, jan./dec. 1985.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

RIBEIRO, Manoel da Paixão. Nova Arte de Viola. Universidade de Coimbra:1789.

ROCHA, João Leite Pita da. Liçam Instrumental da Viola Portuguesa. Lisboa: Oficina de Francisco Silva, 1752.

TINTORIS, Johanes. De inventione et uso musicae. [1486].

WEBER, Francis J. A Popular History of Music from the Earliest Times. London: Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., 1891.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...
2 Fev, 2023

VIOLAS EXISTIRAM ANTES DE EXISTIREM DE FATO

VIOLAS EXISTIRAM ANTES DE EXISTIREM DE FATO

“[…] outros instrumentos de corda dedilhada que, na terminologia portuguesa do tempo, também eram compreendidas na designação genérica de *violas de mão*.”.

[João de Freitas Branco, História da Música Portuguesa, 1959]. 

Viola, Saúde e Paz!

Em recente artigo que aqui registramos, assim como no livro “A Chave do Baú” (onde dedicamos um capítulo), levantamos a questão de existirem hoje, no Brasil e em Portugal, dois instrumentos diferentes com nome de VIOLA: as “de arco” (friccionadas, das orquestras) e as dedilhadas, “parecidas” com violões.

Assim como nosso “xará”, destacado no início – o músico e historiador português João de Freitas Branco – há vários estudiosos que apontam que nos primeiros séculos os portugueses utilizavam uma “denominação genérica” aos seus dedilhados. Alguns indicam que teria havido um bilinguismo (ou seja, dois tipos de instrumentos chamados pelo mesmo nome), mas Branco, como nós, percebeu que a denominação era “genérica”, ou seja, era para todos os dedilhados antigos, a saber: as vihuelas e guitarras espanholas e os alaúdes árabes / “mouros”, em todos os seus tamanhos e variações. A esta lista acrescentamos, naturalmente, os “de arco” – até o século XVI, aproximadamente, conhecidos em outras línguas como “de braço”, “da gamba”, “rabebs”, etc.

Para os portugueses, era “tudo viola”. Mas… por quê?

Branco, que não constava ainda das referências de nossas pesquisas (sim, continuamos lendo e pesquisando!) também apontou semelhança com a metodologia que desenvolvemos (a tal da “chave do baú”), ao afirmar, em conclusão ao bem embasado prefácio de seu recomendável livro, que tentava ali aplicar uma “relacionação historiográfica de reflexos musicais da realidade sociocultural portuguesa”. Sim! Bem semelhante ao caminho que traçamos para tentar responder a uma pergunta que nem Branco, nem nenhum entre as centenas de estudiosos que pesquisamos se aventou a responder: “por que os portugueses agiriam assim, quanto ao nome viola?”.

É sempre bom lembrar que em outras culturas, também já desde os séculos XVI e XVII, a tendência geral é de separar, pelos nomes, as maneiras diferentes de tocar: para os dedilhados, nomes similares à guitarra (que teve um certo “investimento” dos espanhóis em desenvolvimento de técnicas) e, para os friccionados, nomes similares à viola (graças ao investimento, no caso, dos italianos, no que hoje se chama “família dos violinos”).

No livro e em outros trabalhos listamos mais de vinte evidências, baseadas em registros observados entre os séculos XV e XIX e em trabalhos de vários estudiosos importantes – portugueses, brasileiros, espanhois e de várias outras nacionalidades / línguas. Àqueles, somaremos agora esta, do livro de Branco. O principal fator se baseia nas incontestáveis divergências históricas de Portugal, tanto com os árabes (invasores da Península por cerca de 700 anos) quanto com os espanhóis (que tem capítulos por séculos como concorrentes, desde o surgimento de Portugal como reino unificado). Faz muito sentido, portanto, que portugueses não quisessem utilizar os nomes originais daquelas outras culturas em seus instrumentos populares que, conforme atestamos na História Ocidental desde o século II aC., sempre demonstraram reflexos da “realidade social” (como se referiu Branco) ou dos “contextos histórico-sociais”, como se diz hoje em dia – tudo em concordância com o que já teria afirmado o filósofo grego Platão, cerca de quatro séculos antes de Cristo, que fenômenos circundantes são cruciais a qualquer estudo.

Mas… não estaríamos a ser prepotentes (arrogantes, megalomaníacos) ao afirmar que fomos capazes de ver o que centenas de outros competentes estudiosos não viram? Bom… aos estudiosos estrangeiros, a explicação é bem atestável e clara: eles simplesmente desconsideram o nome “viola” para dedilhados, admitindo (e estudando) apenas as violas de arco – e quase todos consideram as violas dedilhadas portuguesas e brasileiras como “um tipo de guitarras”. Isto, de certa forma, não seria muito errado… a não ser pelo fato que, a partir da consolidação das guitarras em seis cordas não metálicas (que chamamos de “violão”), nossas violas se tornaram instrumentos consideravelmente diferente das guitarras, pelo tamanho, número de cordas em pares e sempre metálicas e outros detalhes. Em tempo: este comportamento dos estrangeiros e o fato de chamarmos as guitarras de “violão” já são evidências de que o uso do nome “viola” para dedilhados é específico da língua portuguesa e reflete o nacionalismo português.

Já quanto a estudiosos portugueses e brasileiros (mas não só eles), comprovamos por grande número de publicações reinvestigadas, que é muito comum acontecerem equívocos de avaliação histórica dos nomes e características de instrumentos, ou seja, é mais comum do que se espera que estudiosos confundam instrumentos que existem em suas épocas com citações de tempos mais remotos de nomes iguais ou semelhantes. Assim, estudiosos portugueses, no século XX, por atestarem a existência das violas em seu tempo, supunham que aquelas teriam existido por lá sempre, desde os mais remotos registros do termo “viola” em línguas antecessoras do português (século XII) – porém, sem atentarem à falta de registros do nome até o século XV e, a partir daí, a falta de registros sobre detalhes dos instrumentos. Ou, para brasileiros, também no mesmo século XX, ao constatarem a existência do modelo Viola Caipira, imaginar que este teria sido o mesmo (e único) desde os registros do nome VIOLA, sem descrições, encontrados no século XVI; neste último caso, estudiosos brasileiros ainda teriam procurado informações em  publicações portuguesas e, como estas apontam a existência de “instrumentos chamados de viola”, cairiam nos mesmos tipos de equívocos de contexto histórico.

Nós não nos baseamos apenas em outros “mapas de tesouro”, mas principalmente em nossa metodologia, nossa “chave”, que testamos bastante – além de termos colecionado, checado e organizado um banco de dados significantemente maior do que todos os estudos que pudemos conseguir – principalmente porque, ao contrário da maioria maciça, avaliamos ambas as possibilidades (dedilhados e friccionados) juntas, desde remotas eras, contextualizando em somatória aspectos históricos, sociais, musicológicos, linguísticos e outros. Muitos contextos (ou “fenômenos circundantes”) que são aplicáveis à História das violas, mas que não teriam sido considerados desta forma antes.

Não é tão impossível, portanto, que ao realizarmos estudos mais abrangentes possamos ver além do que já teria sido publicado – até porque o objetivo de pesquisarmos foi este mesmo: de buscar o que outros teriam deixado passar – o que chamamos figurativamente de “tesouros perdidos”! E enchemos um baú com eles.

Quanto à ação nacionalista (ou patriótica) portuguesa, demonstrada pela preferência de uso de um “genérico”, são várias evidências listadas no livro e em nossas pesquisas: desde a falta de detalhes nos registros (ou, quando existiam, serem similares a outros instrumentos, não caracterizando “violas” como instrumentos diferentes); a preferência por utilizar um nome utilizado na Itália (viola) e não um espanhol (guitarra ou vihuela); chamar de “violas pequenas” ou “violas grandes”, quando os espanhóis diferenciavam guitarras e vihuelas pelo tamanho; até enfim a adesão pelo nome guitarra, pouquíssimo utilizado pelos portugueses para dedilhados até o século XIX, mas então escolhido para um instrumento que se tornaria uma “referência cultural portuguesa” – só que totalmente diferente das cinturadas guitarras espanholas e ao mesmo tempo claramente inspirado na English Guitar (nomenclatura inglesa, país com boas relações com Portugal, na época).

Os registros e contextos apontam que até meados do século XVIII não existiriam violas dedilhadas de fato – apenas “instrumentos chamados de viola” e, particularmente, entendemos certa beleza, brio e inteligência na ação que teria surgido naturalmente entre os antigos portugueses. Uma espécie de bom exemplo de amor à Pátria, muito útil a todo o Mundo.

E vamos proseando…    

 (João Araújo escreve na coluna Viola Brasileira em Pesquisa às terças e quintas. Músico, produtor, gestor cultural, pesquisador e escritor, seu livro “A Chave do Baú” é fruto da monografia “Linha do Tempo da Viola no Brasil” e do artigo “Chronology of Violas according to Researchers”).

PRINCIPAIS FONTES:    

AMAT, Joan Carles. Guitarra española y vandola, de cinco órdenes y de quatro, la qual enseña a templar y tañer rasgado todos los puntos naturales y B mollados, com estilo maravilhoso. Valência: Augustin Laborda, [1596].

BERMUDO, Juan. Declaracion de los Instrumentos Musicales. Madrid, s/n, 1555.

BURNEY, Charles. A General History of Music. v. 2. London: Paternoster-Row, 1782.

CERONE, Domenico Pietro. El Melopeo y Maestro: Tractado de Musica Theorica y Pratica. Napoli: Gargano & Nucci, 1613.

ENGEL, Carl. Researches into the Early History of the Violin Family. London: Novello, Ewer & Co., 1883.

GALPIN, Francis W. Old English Instruments. London: Methuen, [1911].

GANASI, Silvestro. Regola Rubertina. Venezia: s/n, 1542.

GRIFFITHS, John. Las vihuelas en la época de Isabel la Católica. Cuadernos de música Iberoamericana, Madri, v.20, p. 7-36, jul./dec. 2010.

GUNN, John. The Theory and Practice of fingering the Violoncello. Reino Unido: ed. Do author, 1789.

LANFRANCO, Giovani. Scintille di musica. Brescia: Ludovido Britanico, 1533.

LAVIGNAC Albert. Encyclopedie de la Musique et Dictionnaire du Conservatoire. v.6 [Deuxième partie: Technique, Esthétique, Pédagogie; Tome I: Tendances de la musique, Technique générale]. Paris: Librairie Delagrave, 1925

MARTINEZ, Maria do Rosario Alvarez.  Los instrumentos musicales en la plástica española durante la Edad Media: Los cordófonos. 1981. Tesis (PhD Art History) – Faculdade de Geografia e História, Universidad Complutense de Madrid. 1981.

MILANO, Francesco. Intavolatura de Viola o vero Lauto. Napoli: s/n, 1536

MORAIS, Manuel. A Viola de Mão em Portugal (c.1450-1789). Nassare Revista Aragonesa de Musicología XXII, Zaragoza, v1, nº1, p. 393-492, jan./dec. 1985.

OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 [1964].

RIBEIRO, Manoel da Paixão. Nova Arte de Viola. Universidade de Coimbra:1789.

ROCHA, João Leite Pita da. Liçam Instrumental da Viola Portuguesa. Lisboa: Oficina de Francisco Silva, 1752.

TINTORIS, Johanes. De inventione et uso musicae. [1486].

WEBER, Francis J. A Popular History of Music from the Earliest Times. London: Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., 1891.

.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
WhatsApp

LIVRO A CHAVE DO BAÚ

ADQUIRA AGORA

ZAP (31) 99952-1197

JOÃO ARAUJO

Artigos Anteriores

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS

COMO EUROPEUS VEEM AS VIOLAS I have chosen this fiddle among the many, because it is a good...

O VIOLÃO: COMO E PORQUE SURGIU

O VIOLÃO: como e porque surgiu   “ Recebendo de Espanha o violão, como a viola vulgarizado pelos...

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS

SOBRE JESUÍTAS E VIOLAS   Quamobrem nec organa aut musicus canendi ritus, missis aut officiis suis...

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS

A HISTÓRIA DAS VIOLAS EM QUATRO PERÍODOS “ chegamos à conclusão de que a guitarra italiana, guitarra...

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE?

QUANTO MAIS COMPADRES, MAIS VERDADE? Que responderá a isto o Caipora* Semanario, e a servil recova...

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO?

NÚMERO DE CORDAS É DOCUMENTO? Viola, Saúde e Paz! Entre as ainda não consensuais considerações da...

COERÊNCIAS HISTÓRICAS EM INSTRUMENTOS MUSICAIS

Coerências históricas em instrumentos musicais “ instrumentos musicais são artefatos mediadores de...

O SEGREDO POR TRÁS DA CHAVE DO BAÚ

O Segredo por trás da Chave do Baú Viola, Saúde e Paz! Por acaso conhece o nome onomatorganologia?...

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA

EXCEÇÕES QUE ATESTAM A REGRA Viola, Saúde e Paz! Temos sempre desenvolvido por aqui nos Brevis...